Título: Os direitos da criança em situação de emergência
Autor: Poirier, Marie-Pierre
Fonte: Correio Braziliense, 26/01/2011, Opinião, p. 17

Representante do Unicef no Brasil Nas últimas semanas, o Brasil e o mundo vêm acompanhando a tragédia que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro. O rastro de destruição deixado pelas fortes chuvas gerou imagens impressionantes. É muito tocante ver o país unido em uma corrente de solidariedade de apoio às famílias atingidas, liderada pelo Sistema de Defesa Civil, envolvendo os governos federal, estadual e municipais e com a participação de dezenas de organizações sociais e cidadãos voluntários.

Passados vários dias da tragédia, precisamos olhar com cuidado e atenção para as parcelas da população que, em momentos de emergência, se encontram mais vulneráveis: crianças e adolescentes.

Toda criança e todo adolescente deve ter seus direitos garantidos e assegurados, não importa qual seja a situação. Durante as emergências, se encontram mais expostos a situações que podem afetar permanentemente seu desenvolvimento físico e psicológico. A atenção prioritária para as meninas e os meninos se justifica especialmente por conta das consequências imediatas que podem sofrer, como desnutrição, surtos de doenças infecciosas, interrupção das atividades escolares, perda da moradia e do contato com a família, abuso sexual, tráfico de seres humanos e outras formas de violência. Situações como a da região serrana fluminense geram também repercussões profundas e, muitas vezes, de longo prazo, tais como a perda de qualidade de vida e da rotina familiar devido à prolongada situação de abrigamento provisório, o comprometimento da saúde e da nutrição, o atraso e o abandono escolar, além de traumas psicológicos permanentes.

Somado a isso, é preciso especial cuidado com as crianças separadas das famílias, assegurando a elas forte rede de proteção, sob responsabilidade do poder público. O primeiro passo é identificá-las e garantir abrigo seguro, onde possam ser registradas apropriadamente e ter a proteção devida. O passo seguinte é, sempre que possível, tentar reuni-las às famílias, buscando alternativas de atenção para aquelas cujos familiares não foram encontrados. É importante ressaltar que a adoção ¿ de acordo com a legislação brasileira e a Convenção de Haia ¿ é uma opção que só deve ser considerada quando excluídas as possibilidades de reunir a criança com os pais ou outros familiares.

A infância e a adolescência são etapas especiais do ciclo de vida. Devem ser vistas como janela de oportunidades para o desenvolvimento humano que, se não forem plenamente aproveitadas, trazem consequências que impactam toda a vida adulta. Por isso, é essencial que crianças, adolescentes e mulheres grávidas recebam atenção diferenciada, especialmente em situações de emergência, garantindo que estejam protegidos, saudáveis e que suas rotinas seja retorno à normalidade. Aqui vale lembrar que a Constituição brasileira, no artigo 227, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção sobre os Diretos da Criança das Nações Unidas ¿ da qual o Brasil é signatário ¿ asseguram a meninos e meninas o direito de ser tratados com prioridade absoluta.

O Brasil tem dado passos firmes na garantia dos direitos das crianças em situação de emergência. A iniciativa da presidente Dilma Rousseff de criar, sob coordenação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, um comitê multisetorial para a formulação de um conjunto de normas para garantir assistência prioritária a crianças e adolescentes afetados por situações de catástrofe constitui importante demonstração do compromisso nacional com os direitos da infância. O grupo também se articula com os comitês emergenciais para a proteção de crianças e adolescentes nas cidades fluminenses atingidas pelas tempestades.

Em momentos de emergência é imperativo que governos e sociedade trabalhem coordenados para que os impactos na vida de crianças sejam os menores possíveis. Mas, como diz o ditado, é melhor prevenir do que remediar. Por isso, o Unicef está com o Brasil na construção de políticas públicas de prevenção de desastres e redução de riscos que protejam toda a população, especialmente crianças e adolescentes, evitando, assim, que a janela de oportunidade da infância se feche diante de nossos olhos.