Título: O ativismo judicial e a segurança jurídica
Autor: Santos, Sandro Schmitz dos
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade da resposta fornecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no início deste ano à consulta sobre quem detêm a titularidade dos mandatos eletivos - quando a corte eleitoral determinou que estes pertencem ao partido e não aos candidatos eleitos - mobilizou diversos setores da sociedade nos últimos dias. Um dos grandes argumentos esgrimidos por aqueles que se opunham à intervenção do Poder Judiciário neste tema se fundava em uma suposta quebra da separação dos poderes, onde o Judiciário estava excedendo suas atribuições constitucionais ao se julgar competente para tomar uma decisão desta envergadura, visto que, de sua decisão, surgiria uma nova norma eleitoral em sentido amplo.

Ledo engano de quem argumentou neste sentido. A própria legislação pátria delega capacidade legislativa ao TSE quando determina que compete a ele criar normas para a eleição até o dia 5 de março do ano anterior ao pleito, conforme estabelece o artigo 103 da Lei nº 9.504, dde 1997. Neste sentido, cumpre observar que já de há muito tempo existe uma parêmia jurídica que afirma que "quem pode o mais, pode o menos". Ou seja, se o TSE pode criar uma norma eleitoral, mais razão ainda lhe assiste ao criar uma norma quando da interpretação de uma norma pré-existente em nosso ordenamento jurídico.

É cristalina e muito embasada a decisão exarada pelo TSE. A Constituição Federal de fato silencia no que se refere à fidelidade partidária, mas veda expressamente que alguém concorra a um cargo eletivo caso não pertença a um partido político. Fica evidente, portanto, que a Constituição Federal de 1988 privilegiou os partidos políticos no que se refere à titularidade dos mandatos eletivos.

É certo que não incumbe ao Poder Judiciário a tarefa de legislar, porém este costuma atuar como legislador negativo, visto que pode retirar a vigência de uma norma jurídica quando esta se encontra em desacordo com o disposto constitucionalmente. Em todas as nações do mundo compete ao Poder Judiciário exigir o correto cumprimento da lei e, em especial, resguardar que esta tenha sua interpretação mais harmônica com o restante de seu ordenamento jurídico.

O Supremo, quando no exercício de sua função precípua, decidiu de forma clara, responsável e segura ao resguardar a segurança jurídica do país quando determinou que a decisão do TSE só produz efeitos a contar de sua publicação, respeitando, desta forma, os princípios da legalidade e da anterioridade. Fortaleceu o Poder Judiciário ao determinar que só irão ser cassados os mandatos em decisão proferida pelo TSE por decisão transitada em julgado após o devido processo legal, garantidos ao réu todos os direitos constitucionais de natureza processual e, desta maneira, resguardando os "infiéis" em um poderoso escudo contra humores políticos.

Ao confirmar a constitucionalidade da decisão do TSE, o Supremo abriu caminho para um novo ativismo judicial em nosso país. Nossa suprema corte parece estar, finalmente, aceitando a importante função política do Poder Judiciário. Caso esta tendência se confirme, poderá ser uma mudança salutar ao país. Um dos fatos mais curiosos neste caso foi o fato da profunda resistência por diversos da sociedade, em especial dos juristas, a esta nova postura de nossa suprema corte.

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Em um país, onde boa parte dos juristas, assim como a população, age com seus olhos voltados para as práticas adotadas nos Estados Unidos , em especial, de sua Suprema Corte, a resistência demonstrada ao ativismo judicial é, no mínimo, curiosa. Nos Estados Unidos são famosos os diversos casos onde a Suprema Corte se avocou a competência constitucional de impor limites aos outros poderes. Desde Marbury versus Madison, onde a Suprema Corte afirmou sua competência para determinar a constitucionalidade das leis ou não criando as regras do "judicial review", esta vem se manifestando sobre os mais diversos temas que afetam a sociedade. A luta travada pela Suprema Corte para implementar as ações afirmativas ("affirrmative actions"), que criaram política de cotas, também foi uma importante e corajosa atitude assumida pela Suprema Corte americana.

O ativismo judicial nos Estados Unidos serviu aos mais diversos interesses do país - desde o confronto entre os poderes Judiciário e Executivo na década de 30 em virtude do "New Deal" até o fortalecimento das liberdades civis nas décadas de 50 e 60. Nas mais diversas épocas da história, os Estados Unidos puderam contar com a força de Suprema Corte para garantir a segurança jurídica do país.

Em uma era onde o Poder Legislativo tem silenciado sobre os absurdos que a sociedade vem assistindo e o Poder Executivo tem sido conivente com os diversos escândalos que se sucederam junto à cúpula do governo, cumpre ao Poder Judiciário servir como último bastião do Estado democrático de direito.

Apenas o Supremo pode garantir de maneira tranqüila a democracia, visto que a natureza do Poder Judiciário é o de jurisdição provocada, ou seja, ele deve se pronunciar sobre os reclamos da sociedade. De outra banda, não cabe dizer que o Judiciário está se avocando de poderes legislativos, pois o mesmo não vincula legislação que possa vir a ser criada, mas sim interpreta e retira vigência ou amplia normas sobre legislação pré-existentes, ou seja, ele não legisla, interpreta e exige o cumprimento da norma de maneira inconteste.

Desta maneira, que venha o ativismo judicial por parte de nossas cortes superiores se esta medida provocar uma revolução legislativa ao país, em especial, se vir a provocar uma maior segurança jurídica para a nação brasileira. Tal efeito irá ter uma saudável evolução nos investimentos em nosso país, já que por todos nós é sabido que a segurança jurídica amplia de forma substancial o volume de investimentos nos países.

Sandro Schmitz dos Santos é assessor jurídico da Junior Chamber International de Porto Alegre e pesquisador em direito comparado e do grupo de pesquisa em ciência penal contemporânea da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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