Título: Exportador muda mix e direciona produção ao mercado interno
Autor: Landim, Raquel ; Salgado , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2007, Brasil, p. A3

As fabricantes de bens de consumo reduziram as exportações e priorizaram o mercado interno, incentivadas pelo aquecimento da demanda doméstica, principalmente a mais popular. Para atingir os clientes das classes C, D e até E, as empresas diversificaram a distribuição e adaptaram os produtos, reduzindo custos e preços.

Com essa estratégia, as companhias recuperaram o patamar de produção que haviam perdido após a valorização do real. O movimento contribui para explicar a forte alta de 7,2% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2006. Esse percentual é superior ao aumento de 5,4% do PIB do país, na mesma comparação.

A fabricante de calçados Democrata conseguiu que um de seus modelos chegasse às vitrines das lojas abaixo de R$ 100 - um apelo importante para o varejo. Segundo Andrea Rinaldi, gerente de marketing da empresa, o design desse produto é simplificado, o que reduz o custo de mão-de-obra e permite maior escala de produção.

A empresa, que está sediada em Franca (SP) e tem 25 anos de mercado, também apostou em uma distribuição diferenciada, buscando as grandes redes de varejo, que possuem crediário próprio. Dessa maneira, o consumidor pode adquirir o sapato em cinco prestações de menos de R$ 20. "Assim, o calçado ficou realmente acessível", diz Andrea.

No fim de 2006, a Democrata chegou a exportar metade de sua produção. Com o fortalecimento da moeda brasileira, o volume de vendas no exterior caiu e a exportação deve fechar o ano representando 30% das vendas. Andrea explica que o ritmo de produção chegou a registrar uma pequena queda no início desse ano, mas já se recuperou. "Essa produção foi transferida do mercado externo para o interno", diz.

O mercado popular se tornou interessante para as empresas brasileiras depois que os consumidores incrementaram seu poder de compra com a ajuda dos reajustes do salário mínimo, do crédito farto e dos programas assistenciais do governo. Para atender a esse segmento, a Docol aumentou em 30% o portfólio de sua linha Pertutti, que significa "para todos" em italiano. Nessa linha, os produtos são, em média, 50% mais baratos que os itens com a marca Docol. A empresa fabrica torneiras, chuveiros e outros metais sanitários.

Guilherme Bertani, diretor comercial da empresa, diz que o segredo está em adotar um design que permita aumentar a escala de produção. Além disso, a tecnologia da linha Pertutti é um pouco mais antiga, o que também reduz o custo. A empresa investiu ainda na distribuição para lojas de bairro, que atendem ao consumidor de baixa renda.

O resultado dessa combinação de medidas foi o aumento de 17% nas vendas da linha Pertutti de janeiro a agosto deste ano em comparação com o mesmo período de 2006. Um desempenho superior às vendas totais da Docol, que cresceram 10% na mesma comparação. "Está ocorrendo uma polarização no país, com aumento das vendas no segmento popular e na alta renda", diz Bertani.

A Docol é a maior exportadora de metais sanitários do país. As vendas no mercado externo foram prejudicadas pelo fortalecimento da moeda brasileira, que reduziu a lucratividade, e pela crise imobiliária nos Estados Unidos, que abalou a demanda. Os EUA são um dos principais mercados da Docol no exterior.

"O crescimento do mercado brasileiro compensa a perda no mercado americano", diz Bertani. Segundo ele, a Docol ainda opera com folga na capacidade produtiva, porque ampliou suas instalações em 2000, apostando na exportação. Agora utiliza essa capacidade para atender ao mercado interno.

A Lupo, fabricante de meias e roupas íntimas, não precisou baratear produtos para ampliar seu público. O ganho de renda nas classes de menor poder aquisitivo permitiu que os consumidores passassem a comprar itens mais incrementados, mesmo que com preços um pouco maiores do que as peças que estavam acostumados a consumir.

"As classes A e B continuam comprando. Mas o aumento que tivemos foi muito impulsionado pela classe C, que teve incremento de renda e migrou para produtos de maior valor agregado", conta Valquírio Ferreira Cabral, diretor comercial da Lupo. A prova de que a empresa está vendendo itens mais sofisticados está no balanço. Enquanto o volume de produção aumentou em 9% de janeiro a agosto, na comparação com igual período do ano passado, o faturamento mostrou uma alta de 19%.

Cabral explica que a Lupo aproveitou o aquecimento da demanda doméstica e o ganho de renda da população menos abastada para aumentar o valor médio dos produtos vendidos. Isso não significa, porém, que eles ficaram mais caros, mas sim que, no faturamento e na produção, os produtos mais sofisticados conquistaram peso maior. "Não houve aumento de preços, mas hoje, por exemplo, estamos vendemos mais cuecas de modal, que custam entre R$ 20 e R$ 25", comenta. Antes, a demanda por esses itens era bem menor e o forte eram as cuecas mais baratas, que custam entre R$ 6 e R$ 8.

A estratégia de aumentar o valor agregado dos produtos evitou a perda de participação da Lupo no mercado externo. As exportações já acumulam uma expansão de 48% até agosto deste ano, na comparação com o mesmo período de 2006. Ainda representam, no entanto, uma fatia pequena do faturamento: 7%. Até o fim do ano, a expectativa da empresa é que as vendas continuem em franca ascensão e fechem 2007 com um crescimento de 20% em relação ao ano passado. Em 2006, a alta foi um pouco mais tímida: 13% sobre 2005.

No setor de construção civil, um dos mais aquecidos da economia nacional, as incorporadoras canalizam seus lançamentos para as classes C e D, com financiamentos e prazos de pagamento longos. "Esse consumo está aflorando. Há muito tempo não via o mercado assim", diz Antônio Carlos Loução, diretor comercial da Eliane.

A empresa, que fabrica revestimentos cerâmicos, como piso e azulejos, informa que as encomendas cresceram 20% entre janeiro e agosto em relação a igual período de 2006. De acordo com Loução, as incorporadoras estão antecipando os pedidos, pois já trabalham com cenário de falta de material nos próximos meses.

O mercado externo perdeu importância para a Eliane. No auge do "boom" exportador do país, em 2003 e 2004, as vendas para o exterior chegaram a representar 40% do faturamento da empresa. Hoje estão em 30%. Loução conta que a queda das exportações não chegou a significar uma queda expressiva de produção para a empresa. Ele lembra, no entanto, que houve um intervalo, pois as exportações perderam fôlego no fim do ano passado e as vendas no mercado interno só se recuperaram a partir do segundo trimestre deste ano.

A Eliane implementou uma ampla reestruturação, com o fechamento de uma unidade no Paraná e outra no Espírito Santo e demissão de 430 funcionários. Em compensação, a empresa investiu R$ 50 milhões para aumentar sua capacidade na Bahia. Loução explica que a decisão foi baseada em custos, oferta de matéria-prima e logística. A Eliane quer estar mais próxima do mercado do Nordeste, que cresce mais que a média do país, apoiado no consumo popular.

A Movelar, fabricante de móveis localizada em Linhares, Espírito Santo, também se beneficia do boom imobiliário e foi outra empresa que conseguiu amenizar as perdas no mercado externo com vendas para um público de classe C no Brasil. "As exportações diminuíram e precisamos forçar mais o mercado interno", explica Domingos Sávio Rigoni, proprietário da empresa.

Ele conta que este consumidor está com maior poder de compra e também se beneficia da expansão do crédito e das facilidades de pagamento oferecidas pelo varejo. "Como ele ganhou renda, quer um produto com design e qualidade", diz. A Movelar trabalha com móveis de diversas faixas de preço, mas o presidente conta que são os produtos voltados para classe C e D os que impulsionam as vendas neste ano. Entre janeiro e agosto, a produção cresceu um pouco menos de 10%. Ao mesmo tempo, as vendas ao exterior estão em queda. No ano passado, representavam 10% do faturamento da empresa, agora a participação está entre 6% e 7%.

A expansão da demanda doméstica também permitiu à empresa, na média, reajustar, em cerca de 5% o preço de seus produtos, percentual acima da inflação acumulada nos 12 meses encerrados em agosto deste ano, que está em 4,2%. Para o segundo semestre, Rigoni projeta que o desempenho das vendas seja melhor, mas não arrisca estimativas para o fechamento do ano.