Título: Cai o mito sobre o controle acionário
Autor: Alfried Plöger
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, Opinião, p. A8

Existe antigo e equivocado conceito sobre o mundo corporativo brasileiro, segundo o qual basta a um grupo ou pessoa possuir 16,7% do capital total de uma empresa, colocando nela, portanto, proporcionalmente poucos recursos próprios, para exercer o mais completo poder de mando sobre a companhia, ou seja, conquistar a prerrogativa de a controlar integralmente. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um mito, desmentido pela realidade dos fatos, como se observa com clareza em estudo recentemente realizado pelo professor William Grava, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec). Esclarecer de forma objetiva, precisa e definitiva essa questão é fundamental para que se estabeleçam no Brasil normas para o mercado adequadas à estrutura de controle de capital nas empresas locais, sem a importação pura e simples de regras que nada têm a ver com o que ocorre entre nós. O mito do percentual de 16,7%, amplamente conhecido e citado quando se fala no grau de concentração de capital nas companhias brasileiras, decorre da própria legislação vigente até 2001. De acordo com esse documento legal, as empresas podiam ter dois terços do capital representados por ações sem direito a voto, isto é, com 66% do capital total formado por ações preferenciais, e um terço do capital em ações ordinárias (vale dizer, com direito a voto). Nesse quadro, era suficiente dispor de 16,7% do capital total da companhia em ações ordinárias para deter o poder de controle sobre a empresa. Considerava-se como absolutamente certo que os controladores exploravam de forma ampla tal possibilidade, aproveitando-se dela para deter o controle das companhias, e que esta seria uma característica na estrutura das empresas de capital aberto no Brasil. O estudo do professor Grava, no entanto, mostrou que isso não é a realidade. O que se encontrou no levantamento feito na estrutura de capital das empresas brasileiras é que o procedimento relativo à possibilidade de deter controle com apenas 16,7% do capital total em ações ordinárias não é corriqueiro. O padrão detectado indica, na verdade, a existência de equilíbrio entre ações ordinárias e preferenciais. Em decorrência do equilíbrio encontrado, fica patente que no Brasil, de forma geral, eventuais atitudes de um controlador, que poderiam prejudicar acionistas minoritários portadores de ações preferenciais, são inibidas pelo fato do controlador também ser dono do mesmo tipo de ação. Decisões prejudiciais ao minoritários, assim, levariam o controlador a também ter perdas.

No momento de mudar as regras, é fundamental que se tome por base a real estrutura do capital das empresas brasileiras

Essas conclusões baseiam-se no indicador que estabelece a relação entre as ações ordinárias efetivamente em poder do controlador e a totalidade das ações que compõem o capital da companhia -- o padrão perfeito para o indicador seria 1, pois implicaria dizer que o poder do controlador seria igual à quantidade de dinheiro que colocou na empresa. Nas 1.004 empresas examinadas no estudo, o indicador encontrado foi 1,14. Nos cálculos do estudo, se o controle total fosse obtido com somente 16,7% do capital integral, o indicador teria de ser 3. Com o indicador 1,14, evidencia-se, ainda conforme cálculos do autor do estudo, que no Brasil, em média, exerce-se controle efetivo de uma companhia com 43,85% do capital total. O dado torna claro o real aporte de recursos do controlador na empresa. E prova que, no momento de se fazer ou mudar regras para o funcionamento do mercado, é fundamental que se tome por base a verdadeira estrutura do capital das empresas brasileiras, sob pena de acabarmos tendo em mãos instrumentos legais excelentes nos Estados Unidos, mas que, no Brasil, dependendo do caso, ou para nada serviriam, por se referirem a situações aqui não encontradas, ou se abateriam sobre as empresas, causando atrasos no desenvolvimento, dificuldades e inevitáveis perdas. No âmbito da governança corporativa - expressão que também é mera tradução, já que, no nosso caso, como tem defendido a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o adequado seria gestão societária -, tem-se proposto numerosas posturas e regras, vertidas de maneira totalmente desligada do nosso mundo real e das nossas verdadeiras necessidades. Afinal, o balizamento, as recomendações, as regras, enfim, dos Estados Unidos, e de muitos países europeus, nascem sob medida para um quadro de extrema pulverização do capital das empresas, em que dificilmente se consegue ter delineada a face do controlador. Não é a realidade brasileira. Aqui, o relacionamento entre os responsáveis pelo destino das empresas apresenta outro tipo de equilíbrio, e a garantia de equidade e justiça a todas as partes demanda modelo diferente. No quadro do mercado dos Estados Unidos, conselhos de administração e executivos das empresas, por exemplo, carecem de alguns determinados tipos de regras que garantam, a uns, que os interesses de longo prazo do empreendimento sejam perseguidos e respeitados e a outros, as diretrizes indispensáveis à condução eficiente da empresa no dia-a-dia. No Brasil, como se sabe, os grupos de controle são bem definidos e, conforme bem demonstrou o estudo feito no Ibmec, detêm uma parcela do capital bem superior à que se supunha anteriormente. Assim, o equilíbrio de forças dentro da companhia é especificamente brasileiro. E como tal deve ser tratado.