Título: Angra 3 e Madeira ajudam a estabilizar o preço futuro
Autor: Capela, Maurício
Fonte: Valor Econômico, 16/07/2007, Empresas, p. B7

Há um mês e meio, quem se dispusesse a adivinhar o preço do megawatt/hora (MWh) futuro no mercado livre de energia no Brasil certamente rabiscaria no cantinho da projeção algo como "viés de alta". O lembrete ainda não pode ser completamente aposentado, mas o fato é que as últimas decisões de governo mexeram com as planilhas de boa parte dos agentes desse segmento, que representa 26% do consumo de energia no país.

Com a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de tirar da gaveta a construção da usina nuclear de Angra 3 e com a concessão de licença prévia para a construção das hidrelétricas do rio Madeira por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), uma fatia considerável do mercado de energia já começa a afastar um cenário de escalada de preços no longo prazo. Mesmo porque juntas, Angra 3 e seus 1,35 mil megawatts (MW) e os 6,5 mil MW de Madeira deverão acrescentar uma potência de quase 8 mil MW ao Sistema Interligado Nacional a partir de 2012.

"As hidrelétricas do Madeira e Angra 3 pacificam o cenário pós-2012. E o futuro em energia e o preço é sempre construído pelo menos cinco anos antes", afirma Renato Volponi, diretor de comercialização e risco da comercializadora de energia Enertrade, companhia controlada pela Energias do Brasil, que pertence ao grupo português EDP. Em outras palavras, qualquer dificuldade que o país venha a atravessar entre 2009 e 2011 tem seu início lá atrás, nas decisões tomadas em 2003 e 2004.

Sendo assim, muitos agentes do setor já afirmam claramente que, em virtude do cenário recém-construído, é possível imaginar que o preço do MWh a partir de 2012 se mantenha entre R$ 130 e R$ 140. E a mudança é significativa. Isso porque, na melhor das hipóteses, pensava-se em valores de R$ 200 o MWh em uma realidade sem Angra 3 e sem as hidrelétricas do Madeira. "Para mim, sem esses projetos, a energia no mercado livre explodiria e alcançaria o preço máximo estabelecido pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que é de R$ 515", calcula Marcelo Parodi, co-presidente da comercializadora independente Comerc.

Todas as projeções feitas obedecem a um crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil entre 4,5% e 5% e contam também com a disponibilidade de Gás Natural Liqüefeito (GNL) para as usinas térmicas. Além disso, os cenários incluem ainda a construção das últimas hidrelétricas vendidas nos leilões recentes do governo federal, como, por exemplo, Estreito e seus 1,087 mil MW.

No entanto, há quem afirme que a alta de preço no mercado livre de energia é favas contadas. Isso, porque o valor do MWh já é crescente, mesmo com esses projetos. "É inexorável o aumento de preços até 2013", afirma Paulo Cezar Tavares, vice-presidente de gestão de energia da CPFL Brasil, a comercializadora da holding CPFL Energia. Para Tavares, há pouca oferta para a demanda que aumenta ano a ano. "Os tempos de energia a R$ 60 ou R$ 70 é coisa do passado", completa o executivo da Enertrade.

O fato é que o preço da energia assumiu a volatilidade como característica principal. Se no começo do ano, quando os reservatórios vertiam água à vontade, o MWh estava em R$ 17 na CCEE, em maio, quando se iniciou o período de seca, o insumo começou sendo cotado a R$ 54 no início do mês e depois alcançou R$ 121 no fim de maio. Hoje, o megawatt sai por volta de R$ 144 no mercado à vista.

Agora, mesmo diante dessa volatilidade, há um ponto de interrogação em 2012, independente do início das operações de Madeira ou de Angra 3. Isso, porque naquele ano haverá uma significativa energia no mercado, fruto do fim de uma série de contratos no mercado livre. E, apesar das várias estimativas, imagina-se que esse montante signifique um volume de 9 mil MW médios, o que equivale a uma usina hidrelétrica do Itaipu. "É quase o consumo do mercado livre atual, que é de 10 mil MW médios", acrescenta Parodi da Comerc.

Para o co-presidente da Comerc, o fato dessa energia ficar à disposição nesse período pode ser bom, mas também poderá ser muito ruim. E o fiel da balança será a energia do Madeira e Angra 3.

"Com a presença da energia do Madeira e de Angra 3, esse montante poderá ser novamente contratado por um preço com tendência de queda. Agora, caso ocorra um substancial atraso no cronograma das obras, o valor dessa energia subirá bastante", avalia o o executivo da Comerc.

Agora, mesmo que os preços de 2012 ou 2013 tenham uma inclinação forte para a estabilidade, o Brasil ainda precisará enfrentar o período entre 2009 e 2011. E nesse horizonte, o sentimento de escalada de preços é presente, tanto que imagina-se uma tarifa a R$ 150 ou R$ 160. "O Brasil vai passar por um aperto entre 2009 e 2011", afirma Walfrido Avila, diretor-presidente da Tradener, acrescentando que a atual forma de formatação de preço não é adequada.

Nesse sentido, o mercado concorda que as decisões tomadas em 2003 e em 2004 jogaram dúvidas no horizonte. Para muitos agentes do setor, o Brasil viveu da sobra de energia do pós-racionamento de 2001 e também trabalhou com preços muito baixos nos leilões do insumo, o que desestimulou investimento privado na geração. E o resultado é que ninguém duvida que, mais do que nunca, São Pedro precisará estar de plantão.