Título: Recife usará satélite para evitar ataque de tubarão
Autor: Mandl, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2007, Empresas, p. B2

Genival Araújo de Oliveira, dono de uma barraca de cerveja e refrigerantes na praia de Boa Viagem, no Recife, deposita suas esperanças na tecnologia para derrotar aquele que acredita ser o inimigo número um de suas vendas: o tubarão.

Alívio para o comerciante e para surfistas e banhistas receosos, em breve os tubarões do litoral do Recife passarão a ser monitorados via satélite. Quando eles estiverem se aproximando das praias, um sinal de alerta será acionado para que os bombeiros retirem as pessoas do mar, reduzindo o risco de ataques. Futuramente, poderá ser instalado até mesmo um sistema de alarme.

A sofisticada medida, que faz parte de um convênio de R$ 1,3 milhão entre o governo de Pernambuco e a Universidade Federal Rural de Pernambuco, não é única no Estado para evitar a chegada dos tubarões às praias. A organização não-governamental Instituto Praia Segura começou a desenvolver neste ano telas de proteção para evitar que os peixes se aproximem da orla.

"Com os ataques de tubarões, o movimento de turistas acabou. Antes eu vendia 12 caixas de cerveja num fim de semana. Agora, com muito esforço, chego a seis", diz Oliveira, que é dono da barraca em Boa Viagem há 16 anos.

Roberto Azevedo, vendedor de coco há 12 anos na mesma praia, também reclama. "Aquele turista que ainda vem para cá chega à praia, vê as placas de perigo e vai embora. Já vendi mil cocos por semana e hoje são 500."

Para esses e outros tantos vendedores de praia e moradores da cidade, parece não haver dúvida: foram os tubarões os grandes responsáveis pela fuga dos turistas. Desde 1992, quando foi registrado o primeiro de uma série de 50 ataques na região metropolitana do Recife, 19 pessoas morreram em conseqüência das mordidas de tubarões.

Empurrados de seu hábitat para dar lugar a um empreendimento de grande porte, o Porto de Suape, ao sul da capital, eles invadiram outras praias, caindo na área de lazer do recifense.

Agora, são apontados por alguns como a causa de outro transtorno econômico. Nesse mesmo período, o turismo da cidade viveu maus momentos. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Pernambuco (ABIH-PE), 18 empreendimentos hoteleiros fecharam as portas nos últimos dez anos - e apenas um foi aberto.

A ocupação dos hotéis na época de férias de verão despencou. Segundo José Octávio Meira Lins, presidente da ABIH-PE, enquanto ao longo do ano 75% dos quartos estão cheios por causa das viagens a negócios, entre dezembro e fevereiro o índice é de 40%.

Apesar de o número de desembarques no Recife ter praticamente quadruplicado desde 1992, especialistas do setor dizem que as pessoas se destinaram a outras cidades do Estado ou foram apenas a negócios.

Na preferência de quem viaja a passeio, Recife perde para outras cidades. Na CVC, maior operadora de turismo do Brasil, Recife perde para sete outros destinos do Nordeste e para Gramado (RS). Nas três primeiras posições estão Porto Seguro (BA), Fortaleza (CE) e Natal (RN).

Seria, então, o vitimado tubarão o vilão do turismo na cidade, como percebem os vendedores de praia? A resposta não é simples. Para quem depende do movimento nas areias da praia, certamente o rei dos mares é o grande responsável pela fuga dos turistas. Por isso qualquer notícia sobre o tubarão sempre causa alvoroço na cidade.

O governo pernambucano admite que o tubarão pesa na decisão dos visitantes. "Campanhas educativas ajudam a desmistificar muita divulgação negativa que houve com relação a essas ocorrências aqui no litoral pernambucano", afirmou o governador Eduardo Campos (PSB) no dia em quem assinou o convênio de R$ 1,3 milhão para a compra de equipamentos de monitoramento dos tubarões e para programas de educação ambiental.

Mas o peixe não é o único problema, talvez nem seja o maior, que a região tem a enfrentar. "Por falta de uma política melhor de divulgação dos atrativos, o tubarão começou a ser a coisa mais notada em Pernambuco", diz Antônio Fernandes, presidente do grupo português Dorisol no Brasil. A empresa tem quatro hotéis no país, sendo três em praias pernambucanas. "Recife deveria servir como porta de entrada dos turistas, assim como Fortaleza. Lá as pessoas não passam o dia na cidade, mas usam-na como base para ir a outros lugares."

Outros destinos turísticos no mundo convivem com adversidades da natureza. É o caso da Flórida, campeã mundial em ataques de tubarões. Enquanto Recife teve 50 ataques de 1992 até hoje, no Estado americano foram 339 mordidas. Na Austrália, as vilãs da região dos Grandes Corais são duas espécies de águas-vivas que podem matar. Nem por isso esses dois lugares deixaram de ser conhecidos mundialmente.

"Os tubarões prejudicaram muito menos o turismo do que a incompetência dos gestores locais. No Nordeste, Recife deveria ter pelo menos a mesma relevância que Salvador. Há 25 anos a atratividade do Recife era muito maior", avalia Diogo Canteras, sócio da consultoria em turismo HVS International. Para ele, a cidade talvez tenha deixado sua marca se associar aos tubarões.

Para Lins, da ABIH-PE, Recife ficou para trás em relação a outras praias nordestinas por não ter desenvolvido uma orla voltada ao turista nem ter apresentado mais opções de lazer.

Para as secretarias de Turismo do município e do Estado, o impacto do tubarão é inexistente ou mínimo. Ambas admitem que faltaram políticas públicas que atraíssem turistas ao Recife e ao Estado. "Provavelmente a perda de espaço para outros destinos tem mais relação com falhas nos processos de infra-estrutura e promoção do Estado", diz José Chaves, secretário de Turismo de Pernambuco.

O secretário municipal Samuel Oliveira, que também é dono de três hotéis na cidade, é ainda mais radical. "Os ataques não afetaram em nada", afirma. A prefeitura cita uma pesquisa feita com 4,1 mil turistas entre os meses de janeiro e março. Perguntou-se: "O que vem à mente quando pensa no Recife?". Os tubarões foram citados por apenas 2,7% do entrevistados. Em primeiro lugar, apareceu o Carnaval.

Porém, um outro levantamento, feito pelo Recife Convention & Visitors Bureau, aponta que o tema não passa tão incólume assim: 22% das pessoas que responderam à sondagem afirmaram que os incidentes com tubarões inviabilizariam um retorno a Pernambuco.

Em meio a dados e opiniões contraditórias, o que se busca é o aumento do fluxo de turistas no Recife. Para os vendedores Azevedo e Oliveira, não importa a forma: seja por meio de uma tela de proteção aos tubarões, de radares ultra-modernos ou de novas políticas públicas de incentivo ao turismo, o que eles querem é voltar a vender coco e cerveja nos volumes que já alcançaram um dia.