Título: Inflação não-oficial também pressiona carga tributária
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 04/02/2013, Internacional, p. A11

A inflação extra-oficial na Argentina tem sido uma aliada da Afip, o órgão da receita federal. A discrepância entre a inflação oficialmente reconhecida e a realmente existente para o contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, infla artificialmente salários e balanços e gera ganhos de capital e renda que na realidade não existiram.

O exemplo mais gritante é o comportamento da arrecadação do imposto de renda, chamado de "imposto de ganancias". Assim como no Brasil, o tributo é progressivo e só incide acima de uma faixa de isenção, conhecida como "minimo no imponible". Ao longo de 2012, ano em que a inflação real foi calculada em 25% por consultorias independentes e a divulgada pelo governo ficou em 11%, o governo de Cristina Kirchner não reajustou a faixa de isenção, nem mesmo para aplicar o deflator oficial.

O resultado foi um aumento da base contribuinte no país e no desconto de imposto de renda de cada um. Segundo relatório divulgado ontem pelo diretor da Afip, Ricardo Etchegaray, a arrecadação do Imposto de Ganancias subiu 31,6% em janeiro, em relação ao mesmo mês no ano passado, enquanto o número de postos de trabalho no país oscilou para acima em apenas 0,4% entre um janeiro e outro.

Foi um crescimento acima da arrecadação como um todo, que subiu 24,4% no mês passado, atingindo 65,7 bilhões de pesos argentinos, e acima do IVA, o imposto sobre mercadorias, que cresceu 26,4%. Ainda assim, o dado da arrecadação argentina mostra que a receita começa a ser afetada pelo desaquecimento da economia, que variou entre queda e 0,3% ou crescimento de 1,8%, conforme a fonte que se leva em consideração. Em janeiro de 2012, a variação em relação ao mesmo período no ano anterior havia sido de 29,6%, percentual acima da inflação de fato.

Apenas na segunda-feira passada, depois que o governo constatou que a falta de reajuste da tabela do imposto de renda iria fazer com que os sindicatos pressionassem o meio privado por reajustes salariais ainda maiores, afetando a competitividade, a presidente anunciou um reajuste de 20% na tabela, o que repõe apenas as perdas provocadas pela inflação oficial nos dois últimos anos.

É isento do imposto de renda na Argentina o contribuinte solteiro que ganhe um salário bruto abaixo de 8.360 pesos (R$ 3.344) ou o contribuinte casado com filhos que ganhe menos de 11.563 pesos (R$ 4.625). Segundo Cristina, apenas 17,4% dos argentinos estão fora destes limites de isenção.