Título: Chavistas ganham tempo com boa vitória eleitoral
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Fonte: Valor Econômico, 19/12/2012, Opinião, p. A10

Sob tensão provocada pela possibilidade do fim da carreira política do presidente Hugo Chávez após 14 anos no poder, os venezuelanos deram uma folgada vitória ao Partido Socialista Unificado, a legenda governista. A oposição perdeu cinco Estados sob seu controle, inclusive Zulia, o maior e mais rico deles, e ficou confinada a 3 das 23 unidades federativas do país. O triunfo foi saudado pelos chavistas como um sinal promissor, o de que haverá vida para o movimento mesmo sem o líder bolivariano maior. Como quase todas as proclamações do chavismo, há mais doses de desejo do que realidade nessas análises.

Cercada do mais absoluto sigilo, a doença de Chávez progredia e mostrava sinais críticos já quando o presidente se reelegeu, com 54% dos votos, em 7 de outubro. Ele apareceu muito pouco em público depois disso, fez nova cirurgia em novembro e finalmente, em um reconhecimento público de seu debilitado estado de saúde, nomeou o vice-presidente Nicolas Maduro como seu sucessor político. Para o governo, era imprescindível uma vitória retumbante nas eleições. Ela não só dá alguma chance de sucesso na missão quase impossível de Maduro de soldar as diversas facções que se abrigam ao redor do poder, como evita um cenário eleitoral desfavorável em futuro próximo, se Chávez não assumir o poder em 10 de janeiro. Outra seria a situação se a oposição ganhasse ímpeto em momento extremamente delicado da vida nacional.

O principal líder da oposição, Henrique Capriles, conseguiu se reeleger no Estado de Miranda, enfrentando um inimigo poderoso como Elías Jaua, ex-vice-presidente e um dos mais íntimos colaboradores de Chávez. Capriles obteve 44% dos votos nas eleições presidenciais e, segundo analistas, tem reconhecidamente mais cacife eleitoral do que qualquer dos próceres chavistas, inclusive Maduro. Depois, o PSUV obteve 56% do total de votos, número bem inferior ao que Chávez conseguiu em outubro - 4,7 milhões e 8,1 milhões, respectivamente. A abstenção chegou a 44%. O chavismo arrastou de qualquer forma quase um milhão de votos a mais que seus oponentes. Mas a proeza de Capriles de manter-se à tona sob intensa pressão da máquina chavista indica que há alternativa de poder fora do chavismo.

O tempo conspira contra a oposição. Se Chávez não assumir o governo, haverá a convocação de eleições em 30 dias. Nesse caso, um pleito em fevereiro provavelmente resultaria em um voto de confiança no sucessor chavista, ainda que por uma margem menor que a mostrada agora pelas urnas.

O tempo joga a favor do governo, por outro lado. Para um movimento tão dependente do líder carismático, o chavismo tem tudo para não sobreviver sem Chávez. Personalista, Chávez não tolerava ninguém que lhe ofuscasse o brilho e sucessores naturais não brotaram do solo palaciano. Há rivalidade entre grupos, e um dos líderes que disputam o espólio de Chávez abertamente é Diosdado Cabello, atual presidente do Congresso, um ex-companheiro de armas íntimo do presidente.

Em situações de crise, é sempre importante saber onde estão os militares e, para o bem ou para o mal, as eleições mostraram que eles estão envolvidos no jogo político interno do chavismo. Pelo menos 11 dos 20 governadores eleitos no domingo tiveram origem nas casernas. Como instituição, as Forças Armadas não deram sinais de sua inclinação política. Não seria inconcebível que, caso seja acirrada, a luta pelo poder pós-Chávez leve vários ex-militares a bater à porta dos quartéis em busca de apoio à sua facção.

A realidade colocará pressões ainda maiores sobre o governo. As contas públicas estão em desordem, a inflação, de 23% no ano, voltará a subir em 2013 e a economia crescerá menos (de 5,7% para 3,3%, segundo previsões do FMI). A infraestrutura está em frangalhos, o bolívar precisa ser desvalorizado e toda a economia fraqueja sob o peso da administração estatal, cada vez maior e menos eficiente. Os programas de distribuição de renda trouxeram um sólido apoio de massas a Chávez, mas a população já vê o outro lado da moeda, com a carestia, escassez de bens essenciais, apagões e aumento da criminalidade. Com ativismo incansável e retórica messiânica, Chávez conseguiu sustentar as vigas de um prédio prestes a desmoronar. Para manter a mesma política, não há ninguém à sua altura no chavismo. A execução de política mais moderada e austera, contudo, acelerará a divisão e implosão do chavismo. Alguma coisa mudará na Venezuela e essa mudança dificilmente será pacífica.