Título: Cidades adotam práticas do setor privado
Autor: Klein , Cristian
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2013, Política, p. A5

Tendência que vem crescendo entre governantes de todos os partidos, a aplicação de práticas da iniciativa privada no setor público dará a tônica na administração de prefeitos que tomaram posse ontem.

Exatamente às 16h, o petista Fernando Haddad foi declarado o novo prefeito de São Paulo na Câmara Municipal e, logo em seguida, na cerimônia de posse na sede da prefeitura, seu discurso fez referência não só à necessidade da realização de parcerias com os governos federal e estadual (comandado pelo governador Geraldo Alckmin, do maior partido adversário, o PSDB, que participou do evento), como também à aproximação com a iniciativa privada.

Ao falar sobre o grande desafio de reduzir a dívida da prefeitura, Haddad sinalizou que buscará estreitar os laços com o empresariado. "Temos que recuperar urgentemente essa capacidade de investimento. Nós vamos buscar as parcerias necessárias, tanto com o governo do Estado, quanto com o federal, assim como no âmbito das parcerias público-privadas (PPPs), com a iniciativa privada, com os empreendedores da cidade, para recuperar os investimentos e trazer os benefícios para todos os moradores de São Paulo", disse o novo prefeito.

Haddad põe em evidência um estilo pouco associado a administrações petistas, com ênfase em expressões como "gestão eficiente" e "avaliação de resultados".

Trata-se de um modelo que tem penetrado em prefeituras, governos de Estado e também no governo federal e é inspirado principalmente pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), fundado pelo empresário Jorge Gerdau, que tornou-se um dos maiores conselheiros da presidente Dilma Rousseff. Gerdau preside a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, que assessora a presidente em grandes temas como o de infraestrutura, e indicou a Haddad o novo secretário municipal de Finanças, Marcos Cruz, ex-sócio da consultoria McKinsey.

A missão de Cruz é solucionar a dívida paulistana, estimada em mais de R$ 50 bilhões. Traz também a cultura e os métodos de consultoria que têm servido de ensinamento a diversos entes públicos país afora. Uma das primeiras medidas anunciadas por Haddad é a criação de cinco comitês integrados de gestão - cidadania, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento social, ordenamento territorial e governo - aos quais responderão as 27 secretarias da prefeitura.

O comitê de governo terá reuniões diárias entre os secretários de Governo, Antonio Donato; de Relações Institucionais, João Antônio, e de Negócios Jurídicos, Luís Fernando Massonetto. Os demais comitês terão reuniões semanais de prestações de contas e apresentação de resultados. As primeiras serão feitas amanhã e na sexta-feira.

Haddad reforça um modelo que vem sendo praticando na prefeitura de São Paulo e se apoia na assessoria de grandes consultorias, mas que desperta polêmica.

O vereador Gilberto Natalini (PV), que fará oposição a Haddad, criticou a opção. "O fato de criar cinco comitês gestores eu não sou contrário. Vamos ver o que vai dar, qual a eficiência disso e acompanhar o dia a dia. Mas muito consultor eu acho meio estranho. Tem um secretariado de 27 pessoas e há 130 mil funcionários públicos. Acho que ele poderia aproveitar bastante os quadros da prefeitura, que tem funcionários de carreira muito gabaritados, eficientes", disse Natalini.

Até um integrante da equipe que fez o programa de governo de Haddad, o deputado federal Carlos Zarattini, do PT, questionou a influência do mundo da consultoria no setor público. O petista afirmou que é preciso ter cuidado com a presença de consultorias que podem ter acesso privilegiado a informações públicas e vendê-las a empresas interessadas em negócios com o governo.

"É uma outra forma de lobby, muito mais eficiente do que aqueles caras lá, que ficam na Câmara dos Deputados. Quer coisa mais estranha, no meu modo de ver, do que o Gerdau dentro do Palácio do Planalto?", disse.

O presidente do PT, Rui Falcão, defendeu a adoção de práticas da iniciativa privada, ao afirmar que a política sempre terá o comando do processo. "Não há esta oposição entre gestão e política. Quem comanda todo o mecanismo da gestão são as políticas, os programas partidários, a ação do governo. E aí você tem os instrumentos de gestão, muitos dos quais da iniciativa privada e que se adaptam à iniciativa pública", disse.

Rui Falcão criticou "grandes grupos econômicos", que seriam contrários ao governo federal do PT, mas evitou questionar a influência do MBC e de Jorge Gerdau nas administrações do partido. "Certamente, entre estes grupos [econômicos] sempre há pessoas, empresários que têm outra visão. Não são blocos monolíticos. E o Gerdau é um dos que têm colaborado e provavelmente vai colaborar aqui também [na prefeitura de São Paulo]", disse.

Em Porto Alegre, cidade cuja prefeitura passou por uma longa intervenção de consultorias indicadas pelo MBC, o prefeito reeleito, José Fortunati (PDT), afirmou que todos os secretários municipais, diretores de departamentos e presidentes de empresas públicas empossados ontem irão assinar, "muito em breve", contratos de gestão com objetivos a cumprir. Após ser reempossado no cargo, na prefeitura, Fortunati disse que seus auxiliares serão avaliados periodicamente e tanto as metas quanto o desempenho de cada pasta serão divulgados à população.

"As metas serão abertas e se alguma não for cumprida apresentaremos as razões", afirmou Fortunati. Vitorioso no primeiro turno em outubro, disse que todos os indicados para o primeiro e o segundo escalão do seu segundo mandato têm "respaldo partidário", mas avisou que os cargos são do governo, "e não deste ou daquele partido". No fim de dezembro, quando anunciou a composição do secretariado, o prefeito já havia afirmado que os auxiliares que não tiverem desempenho satisfatório serão "convidados a se retirar". (Colaborou Cristiane Agostine)