Título: Programas tentam amenizar impactos na hora do descarte
Autor: Czapski, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Empresas, p. F3

O Brasil terminou o ano 2006 com um nível recorde de informatização. Projeções da It Data para a Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee) indicam a venda de 8,3 milhões de computadores comercializados, já incluídas no número as máquinas provenientes do mercado cinza, ou paralelo.

A pesquisa revela que só cerca de 10% deste total foram compras governamentais, em comparação a 43% de pessoas físicas. Entre estas, quase dois terços (60%) foram consumidores que adquiriram seu primeiro computador. Novidades tecnológicas e preço acessível também estimularam as vendas de impressoras, que cresceram 44% em 2006. O mesmo motivo fez dos celulares um destaque da área de telecomunicações. De uma base de 86 milhões de aparelhos no final de 2005, o país saltou para os 100 milhões em 2006.

Estatísticas internacionais reunidas por Elizabeth Grossman, no livro High tech Trash (Island Press, 2006) dão conta que o mundo alcançou a marca de um bilhão de computadores pessoais e um bilhão de aparelhos celulares em 2005. Manuseados com os cuidados necessários não representariam perigo à saúde e ao ambiente. Mas, no momento do descarte, este risco torna-se iminente.

Já em 2001, um relatório da agência ambiental norte-americana (EPA) colocou o lixo eletrônico como responsável por 70% da contaminação por metais pesados e 40% por chumbo em aterros daquele país. Chumbo é um dos elementos que formam os antigos monitores CRT. Cádmio, localizado por exemplo em baterias recarregáveis e conectores pode prejudicar os rins e ossos.

O livro alerta que, no mundo, 20 milhões de computadores devem se tornar obsoletos entre 2007 e 2008, além disso é projetado descarte de 200 milhões de aparelhos de TV, entre 2003 e 2010. Já para o Brasil, mesmo sem dados oficiais, o e-lixo pode se tornar um problema crescente, na medida em que crescem as vendas e a substituição por equipamentos mais modernos é cada vez mais rápida.

A única obrigatoriedade legal para o descarte de eletrônicos no país refere-se a alguns tipos de baterias. Mesmo sem estipular sanções, a Resolução nº 257/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) incluiu as de niquel-cádmio - presentes nos celulares - na lista do recolhimento e reciclagem obrigatórios pelos fabricantes.

"Com o avanço tecnológico, celulares passaram a usar baterias lítio-ion, que podem ir para o lixo comum, como ocorre com pilhas alcalinas. Agora a coleta é ação voluntária dos fabricantes", avisa André Saraiva, vice-diretor de meio ambiente da Abinee e idealizador do Programa de Responsabilidade Ambiental Compartilhada (Prac), que cuida do destino ecologicamente aceito de baterias industriais com chumbo-ácido.

Criado em 2001 em parceria coma a Newpower, fabricante dos acumuladores Fulguris, o Prac ultrapassou 1 milhão baterias coletadas em 2004. "Providenciamos a coleta, a extração do chumbo para reuso em novas baterias e a empresa recebe o termo de responsabilidade que comprova a conformidade com a lei", resume Saraiva, que promete incorporar dois novos serviços, ainda neste semestre. "Começaremos por São Paulo a coleta e destino de baterias de celulares, computadores e periféricos. Quando possível, os computadores serão recuperados e doados a comunidades carentes. Iremos treinar jovens, que desta forma ganharão uma profissão."

Desde meados de 2005, o Comitê de Democratização da Informática de Minas Gerais (CDI-MG) e a Sociedade dos Usuários de Informática e Telecomunicações no Estado (Sucesu-MG) já caminham nesta direção, de unir a reciclagem de eletrônicos à profissionalização de jovens. Em uma das Escolas de Informática e Cidadania (EICs), em Belo Horizonte, o CDI-MG estabeleceu a Fábrica da Cidadania, oficina onde jovens, selecionados entre formandos da EIC, aprendam a reciclar equipamentos. O curso de 160 horas inclui aulas de empreendedorismo, acentua Edsmar Resende, coordenador executivo do CDI/ Sucesu-MG. "Já preparamos 200 jovens, em turmas de até 15 pessoas cada. E ajudamos na busca por colocação no mercado".

Uma preocupação, diz ele, é o destino ambientalmente correto para componentes tóxicos. Circuitos eletrônicos, por exemplo, contém o precioso ouro, mas também arsênico. "Na Bélgica há uma empresa que faz este processamento", conta.

Em Porto Alegre (RS) o Centro de Recondicionamento e Reciclagem de Computadores (CRC) do Centro Social Marista (CRC-Cesmar), que iniciou suas atividades poucos meses antes, procurou apoio na Faculdade de Química da Pontifícia Universidade Católica (PUC) daquele município. "Surpreendeu-nos a receptividade. Em menos de um ano, recebemos mais de 4 mil equipamentos. Estamos recondicionando o que é possível, mas acumulando monitores inservíveis e placas que contém substâncias perigosas, à espera de uma resposta dos pesquisadores, que deveremos ter ainda em 2007" diz o diretor do projeto, Miguel Antonio Orlandi.

Trata-se do primeiro centro do projeto Computadores para Inclusão (CI), idealizado pelo Comitê de Inclusão Digital da Secretaria de Tecnologia e Logística da Informação, do Ministério do Planejamento, que pretende formar uma rede de centros semelhantes no país, onde seja possível promover o reuso de equipamentos, reciclagem dos materiais inservíveis, com a qualificação de jovens.

"Inspiramo-nos no projeto Computers for Schools (Computadores para Escolas), desenvolvido desde 1993 no Canadá" explica o secretário adjunto, Rodrigo Assumpção. Segundo ele, em dez anos o programa canadense distribuiu mais de 400 mil computadores recuperados, e capacitou mais de 1,3 mil jovens para esta atividade. "Se eles avaliaram que não poderiam desperdiçar computadores, imagine o Brasil, que tem 180 mil escolas públicas e 5 mil bibliotecas, que podem ser beneficiadas!"

O CRC-Cesmar recebeu R$ 500 mil do Ministério, para implantar o CRC. A própria organização de ensino investiu outros R$ 300 mil, além de oferecer a coordenação pedagógica. Outro parceiro, o Grupo Hospitalar Conceição, reserva R$ 30 mil mensais, para custear os 70 aprendizes. O plano, diz Orlandi, é proporcionar formação de dois anos aos aprendizes, para permitir boa base teórica, para que, ao se formarem, os jovens possam até abrir pequenas empresas. Por enquanto, cerca de 200 equipamentos estão prontos para distribuição. A meta é reciclar 500 mensalmente, para disponibilizar 150.