Título: Analistas projetam lucro menor para bancos
Autor: Zampieri , Aline Cury
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2012, Finanças, p. C2

Os bancos brasileiros deverão enfrentar um duro processo de ajuste de contas nos próximos anos em função da mudança radical no cenário doméstico. Taxas de juros menores, achatamento dos spreads e expansão mais lenta das carteiras de crédito representam uma inédita realidade para o setor no país.

Na segunda-feira, o Bradesco surpreendeu o mercado ao cortar pela metade as taxas praticadas no crédito rotativo e no parcelamento com juros dos cartões de crédito. A decisão desencadeou uma série de revisões de projeções de lucro para o setor nos próximos anos por parte dos analistas de renda variável.

"Para aqueles que ainda não acreditavam, esse anúncio [do Bradesco] mostra como é forte a pressão do governo pela redução dos spreads, dado que ele ocorreu apenas alguns dias após membros do governo terem feito duras críticas às taxas praticadas nos cartões de crédito no Brasil", destacaram os analistas do Credit Suisse Marcelo Telles, Daniel Sasson e Victor Schabbel.

Eles comentaram, em relatório, que a decisão do Bradesco reforça a tese de que os bancos privados não poderão sustentar uma diferença tão grande nas taxas de juros ao consumidor em relação às praticadas pelos bancos estatais, que vêm liderando o movimento para redução dos juros, especialmente nos cartões de crédito e no cheque especial. "Não ficaremos surpresos se os bancos privados reduzirem drasticamente as taxas do cheque especial, dado que o atual spread de 78 pontos-base ainda é muito elevado, o que representaria uma queda significativa nos lucros", acrescentaram os analistas do CS.

O Goldman Sachs também comentou a decisão do Bradesco, lembrando que o banco espera recuperar a receita perdida em função do corte dos juros com aumento de escala, ampliando a base de clientes e com maior controle dos custos de financiamento. "Não acreditamos que um ganho de escala seja suficiente para compensar as receitas perdidas. Achamos que o produto pode gerar efeito adverso, atraindo clientes com perfil ruim em busca de melhores condições de crédito, o que poderia elevar os custos de financiamento", alertam os analistas Carlos Macedo, Wesley Okada, e Jason Mollin.

As ações de Bradesco, Itaú Unibanco e Santander sofreram quedas superiores a 5% na Bovespa ontem (ver gráfico), com os investidores reagindo às projeções mais pessimistas para o setor. Credit Suisse e Goldman Sachs afirmaram em seus relatórios que o lucro líquido do Bradesco poderá cair até 10% no ano que vem apenas em função do corte nas taxas do cartão de crédito.

A XP Investimentos observa que o governo fará o possível para impulsionar a economia, e uma das vias é justamente a ampliação do crédito, com seu barateamento. Logo, são grandes as chances de o setor sofrer novas pressões. Apesar da forte reação do mercado ontem, a pressão do governo sobre o setor bancário ocorre desde abril, quando a presidente Dilma Rousseff levantou a bandeira pela queda dos spreads. Naquele mês, as ações também sofreram correção diante da pressão exercida pelo governo por meio dos bancos públicos, que lideraram o movimento de redução nas taxas de financiamento.

Erivelto Rodrigues, da Austin Asis, lembra que a queda da taxa Selic, para casa dos 7% ao ano, também colabora para enxugar os lucros. "Essa situação faz com que a remuneração das carteiras de títulos públicos, responsável por grande parte dos lucros dos bancos durante muitos anos, fique menor. Essa fonte está minguando", diz.

O analista Gustavo Schroden, da BES Securities, afirma que o cenário é "desafiador". "Os bancos terão que diversificar as fontes de receita, com seguros e tarifas, e cortar despesas, dando prioridade à eficiência". Mas, ainda assim, o especialista considera a queda das ações ontem exagerada. "Não dá para achar que o lucro cairá 10% por causa do cartão de crédito. Há fatores que reagirão de forma positiva à queda nas taxas", diz, citando a redução nas provisões como exemplo. (Colaborou Angela Bittencourt)