Título: Aécio lidera governadores para as reformas
Autor: Totti, Paulo e Moreira, Ivana
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2006, Política, p. A9

Se no dia 15 de fevereiro, em Brasília, os governadores eleitos dos Estados tiverem o diálogo acima com o presidente do Congresso, o mineiro Aécio Neves (PSDB) terá alcançado a sua primeira vitória política depois de sua reeleição em primeiro turno. Em entrevista ao Valor, o governador não quis admitir a candidatura a presidente em 2010. Mas detalhou planos políticos e administrativos que poderão naturalmente conduzi-lo por esse caminho.

O mais ousado destes planos é o de reunir governadores de todos os partidos, inclusive do PT, para preparar uma proposta conjunta de reforma política e reforma tributária a ser levada ao Congresso no dia mesmo em que Câmara e Senado começarão a funcionar na próxima legislatura. "Não vamos esperar pelo governo, nós vamos tomar a iniciativa".

Aécio defende que a guerra eleitoral se esgote no próximo dia 29 e, a partir daí, o diálogo prevaleça. "Sou construtor de pontes, não dinamitador". O governador critica a gestão do governo Lula, não poupa o PSDB e abre espaço próprio no revitalizado debate sobre privatizações. Segundo ele, Minas comprova que o Estado não é ineficiente por natureza, sugerindo que, se houver gestão competente, não é preciso privatizar. Aécio quer aumentar as doses dessa fórmula em Minas nos próximos quatro anos, e expor os resultados "numa vitrine" para o Brasil.

Valor: Vive-se uma campanha conturbada. Esse clima lhe agrada?

Aécio Neves: A política no Brasil perdeu muito de sua arte. Vivemos, talvez, o pior cenário desde que milito na política. A política virou uma guerra sem limites e as questões fundamentais, como a construção do país, as reformas que permitam ao Brasil crescer, gerar emprego, vão ficando num plano secundário. Procuro seguir a tradição de Minas de fazer política com visão nacional. As disputas existem, mas são circunstanciais e efêmeras, não podem permanecer após a eleição. Estou tentando ajudar o Geraldo (Alckmin) a chegar ao melhor resultado possível, mas no pós-eleição, não importa o resultado, não dá para estender essa disputa. Temos que partir para as questões fundamentais.

Valor: E quais são elas?

Aécio: As reformas, política e tributária. A reforma tributária, por exemplo. É essencial acabar com essa guerra fiscal em que todos perdem. Temos que dialogar. Não vejo o adversário como inimigo. Não é porque é meu adversário que não pensa no Brasil, não tem virtudes. Qualquer que seja o resultado da eleição, e acho que com Geraldo isso seria mais fácil, temos uma agenda de país a ser construído. Pretendo ainda este ano ter conversas com governadores do meu e de outros partidos em torno dessa agenda.

Valor: Como é essa agenda?

Aécio: Já está bastante discutida. O que há é uma lógica que precisa ser invertida. Nós, os governadores, aguardávamos o governo federal tomar a iniciativa em relação às reformas, o governo apresentava sua proposta ao Congresso, éramos chamados a discutir. O governo federal aprovava a parte que lhe interessava e deixava o resto solto. Não digo que o governo fosse contra, mas se desinteressava e nada acontecia. A reforma tributária é o melhor exemplo. O presidente fez algumas reuniões conosco. Daí o governo resolveu a questão da DRU, que é a desvinculação das receitas da União, prorrogou a CPMF que era essencial pra ele e, na hora que chegou nas questões dos Estados, abdicou de seu papel. Vamos inverter isso, construir um razoável consenso também em torno da reforma política. Não é difícil encontrar consenso em torno de três ou quatro temas: fidelidade partidária, voto distrital misto, que defendo com lista fechada dos partidos, e financiamento público de campanha. Com a cláusula de barreira que já está vigorando, cria-se um arcabouço novo no ambiente partidário e político brasileiro.

Valor: No voto distrital não há risco de só entrarem na lista fechada os candidatos indicados pelos caciques políticos?

Aécio: É, vejo algumas críticas, superficiais. "O PTB vai colocar o Roberto Jefferson na frente da lista". "O PL, o Valdemar". Tudo bem, vão colocar e perder votos. Na próxima eleição, as pessoas não vão votar neles mais. O partido começa a perder e dentro do próprio partido haverá uma reação pró-ativa.

Valor: E como seria o consenso dos governadores em torno da reforma tributária?

Aécio: É um caminho viável. Unificação da legislação do ICMS, esse é o ponto fundamental. Acho que 70% a 80% dos governadores querem o fim da guerra fiscal.

Outro ponto importante: a criação do fundo de desenvolvimento

para as regiões mais depreciadas,

o Nordeste em especial. Queremos que o governo, obviamente, participe desse esforço, vamos chamar os líderes do governo para discutir, mas sem deixar-lhes a prerrogativa exclusiva de conduzir as reformas. Há excesso de receitas tributárias

e contribuições nas mãos da União. Para equilibrar a Federação é preciso construir com os governadores uma agenda. Queremos os prefeitos como aliados. O governo federal sempre adotou uma

tática muito esperta de dividir

governadores e prefeitos. Quem tem gordura pra queimar é a União, que comemora recordes de arrecadação todo mês. Temos que ter a maturidade de nos juntar numa proposta que atenda aos municípios e aos Estados, e apresentá-la ao Congresso, dizendo aos presidentes da Câmara e do Senado: esta é a prioridade de votação, as primeiras matérias que deverão ser colocadas na pauta. Incluo uma nova concepção de ressarcimento da Lei Kandir. Se conseguirmos construir três ou quatro propostas objetivas teremos grande chance de nos primeiros meses de governo ter estas questões resolvidas.

Valor: O que é uma proposta razoável para o ressarcimento dos Estados pelas perdas da Lei Kandir?

Aécio: Ela garante recurso orçamentário para ressarcir os Estados por deixarem de cobrar ICMS dos produtos semi-elaborados para exportação. Até o final do governo Fernando Henrique, esse recurso do Tesouro era em torno de 50% das perdas. O governo Lula diminuiu essa participação e hoje reluta em repassar 18%. Então, os Estados pagam 80% das perdas. Proponho a criação de um fundo de financiamento com participação do governo federal, dos Estados e do setor exportador. Coloco um último item na agenda: as rodovias. A Cide é uma contribuição criada com fim específico: financiamento dos investimentos na infra-estrutura de transportes. Eu disse ao presidente Lula: Faço de Minas um laboratório, Minas tem 20% da malha rodoviária federal. Me dê 20% do total da Cide e mande as BRs todas pra mim. Com esses recursos, vou fazer aqui concessões com mais agilidade, vou fazer PPPs, parcerias com municípios em rodovias de menor tráfego.

Valor: Qual foi a resposta do presidente Lula?

Aécio: "Boa idéia". Mas nada andou neste governo, a verdade é esta. Nos últimos dois anos, o governo ficou mergulhado em crises, na defensiva. E como tem uma baixa qualidade gerencial, as coisas não andaram. Estas são propostas que pretendo colocar aos governadores. Vamos só deixar passar a ressaca eleitoral por umas duas semanas. Quero envolver, inclusive, os governadores do PT. O governador da Bahia, por exemplo, que é importante Estado exportador, terá interesse na questão da Lei Kandir. Quero tirar a questão partidária, construir uma agenda para o país.

Valor: Fala-se muito em redução dos gastos públicos, sem ficar muito claro o que cortar. Em que suas propostas se encaixam na discussão?

Aécio: Não estou falando em expansão de gastos. O governo Lula, com claros objetivos eleitoreiros, criou uma armadilha para o próximo governo, seja nosso ou dele próprio. Não podemos ter os gastos correntes crescendo acima do PIB. Já no próximo ano, o crescimento dos gastos correntes tem de se encaixar dentro do crescimento do PIB. Se vencer as eleições, Lula vai ter que desarmar essa bomba relógio.

Valor: Pelo que o senhor fala, tem-se a impressão de que tudo que aconteceu de ruim foi de 2003 para cá.

Aécio: Não, ao contrário. Isso começa lá atrás, antes até do Fernando Henrique. Essa concentração de receitas nas mãos da União cresceu durante o governo Fernando Henrique, se agravou no governo Lula e chegou agora, acho, ao limite da sustentabilidade. Ao longo dos governos Fernando Henrique e Lula as contribuições foram crescendo e hoje representam 120% do que se arrecada com o Imposto de Renda e com o IPI. Todas as bondades que o governo faz, faz com os impostos compartilhados, não faz com as contribuições. Por mais justo que seja, é sempre com chapéu alheio. Essa concentração precisa ser interrompida.

Valor: E a Previdência? Nenhum candidato quis discutir esse tema durante a campanha.

Aécio: Precisa ser discutida. Chegamos a construir uma proposta complexa de reforma da Previdência em parceria com o governo federal em várias reuniões na Granja do Torto. Os governadores da oposição disseram "vamos dividir essa conta". Desgaste político nessa situação é natural. Acertamos uma proposta, ela foi para o Congresso. O deputado Paulo Pimentel, do PT, foi o relator. Em um mês foi totalmente desfigurada, porque o PT não consegue resistir às pressões de segmentos corporativos. Temos que retomar a proposta original. E aproveitar o início do governo. Reforma se faz no primeiro mês de governo, quando você tem capital político para gastar. Temo que o presidente Lula chegue ao segundo mandato com fragilidade, política e institucional, para conduzir essas reformas. Por isso, estou me antecipando um pouco, antevendo que, se o Lula ganhar - esperamos que não, até o dia 29 vou lutar por isso - não devemos esperar que ele conclua as negociações.

Valor: O senhor acha, como Geraldo Alckmin, que o governo acabou antes de começar?

-------------------------------------------------------------------------------- Qual o projeto do PSDB para o Nordeste? Posso ter as minhas idéias, mas não sei quais são as do partido" --------------------------------------------------------------------------------

Aécio: Espero que quem ganhe possa governar. O Geraldo está em campanha. Nós temos de compreender, num momento destes, as declarações de parte a parte. Acho, aliás, absurdas declarações recentes do ministro Tarso Genro. Sou, de fato, um construtor de pontes e não um dinamitador. Quando faço esses alertas é para preservar uma relação que será importante para o Brasil amanhã. Quando um homem de bem, mais qualificado para falar em nome do presidente, diz sandices como a de que Geraldo mostra seu lado Opus Dei, seu lado Pinochet, está absolutamente dissociado da realidade. É preciso serenidade. O mundo não acaba com a eleição do Alckmin ou do Lula. Como governador de um Estado com 20 milhões de habitantes, não quero ver o país incendiado depois das eleições.

Valor: Em entrevista em que tratou da reconstrução política, o senhor citou contatos com diversos governadores eleitos, até do PT, mas não citou o de São Paulo...

Aécio: Não citei porque para mim é natural. A primeira aliança para isso é São Paulo-Minas. Tenho conversado muito com o Serra. São Paulo e Minas vão estar nisso. Espero que também o Rio. Quando falei em governadores até do PT foi para não parecer que é coisa do PSDB apenas. O peso de São Paulo no Parlamento é importante, 70 deputados. Desejo que todos os deputados do PT de Minas estejam afinados com essa proposta porque ela é boa para Minas Gerais, para a Federação. Nós, que vencemos as eleições, devemos manter as instituições funcionando e o diálogo entre as correntes. Meu papel é fazer o que tem de ser feito aqui, mas pensando sempre no dia seguinte. Para mim, 29 de outubro não é o último dia do ano, nem da vida.

Valor: E aí estarão faltando apenas quatro anos para o dia da próxima eleição.

Aécio: (Riso) . Políticos e jornalistas tendem a achar que 2010 vem logo depois de 2006. Mas tem 2007, 2008...

Valor: Mas já no dia 30 começa a campanha do primeiro turno de 2010.

Aécio: Espero que não. Quero ter paz e tranqüilidade para governar cada dia, cada mês. Se você começa a governar já acossado por uma eleição que vai ocorrer daqui a quatro anos você não governa, está liquidado. Tenho um compromisso só: fazer um governo ainda melhor do que fiz até aqui. Então, quero fazer uma mudança profunda na equipe, com novas e mais ousadas metas. Quero transformar Minas num grande laboratório de gestão pública para o país. Essa coisa de especulação de candidatura eu deixo para os outros. Minha contribuição é mostrar que a gestão pública não é ineficiente por natureza.

Valor: A melhor defesa que o senhor faz do Estado é mostrar que ele pode ser eficiente?

Aécio: É isso. Trazer pessoas qualificadas para gerir. Por que tivemos êxito em Minas? Porque fizemos isso desde o início do governo. Agora quero transformar Minas numa vitrine de gestão pública. Que as pessoas olhem para cá e deixem de ter aquela desculpa, "não dá pra fazer porque é público". É difícil mesmo, mas temos aqui os mesmos métodos de avaliação de resultados das melhores empresas privadas, acompanhamento quinzenal de cada um dos programas do governo. Se falhou, você sabe porque falhou. Se deu certo, você recompensa o êxito do trabalho em equipe.

Valor: O senhor considera bom o Estado geral da economia mineira?

Aécio: Minas cresce de forma sustentada. No ano passado, pela primeira vez, a indústria de Minas empregou mais do que a indústria de São Paulo. Por que? Porque o Estado se organizou. Só um dado: em Minas se demora oito dias para abrir uma empresa. Em São Paulo, são 120, 130 dias.

Valor: Em 12 anos de governo tucano em São Paulo não deu para diminuir o tempo de instalação de uma empresa como aqui?

Aécio: (Surpresa e rápida recuperação)... Acho que o governo de São Paulo, a partir do Covas e com o Geraldo, sinceramente, teve muitos avanços. O Estado tinha um déficit profundo e o Covas pagou preço alto, até pessoalmente, pelos ajustes que fez, e o Estado se equilibrou. Mas é outra realidade. Por exemplo, reduzimos em 32% os crimes violentos na região de Belo Horizonte. Não dá para comparar, perguntar por que São Paulo não fez o mesmo.

Valor: Minas é um Estado exportador e o senhor tem falado muito pouco de política externa. A política externa brasileira está certa?

Aécio: Minas realmente tem papel importante nas exportações. Hoje, 20% do saldo da balança comercial brasileira são obtidos em Minas Gerais. E pretendemos crescer. Na política externa, acho que existem equívocos. Houve ideologização na ação do governo. Talvez por uma certa inexperiência, o governo Lula, logo no início, quis se afirmar no chamado Terceiro Mundo como grande liderança, abdicando, a meu ver, ou dando pouca atenção, aos parceiros tradicionais nossos. Acho que houve erro de dosagem. Não vou fazer uma crítica frontal, dizer que está tudo errado, porque também não seria correto.

Valor: Acha que se deveria trabalhar mais no sentido da Alca e menos do Mercosul?

Aécio: Não, não. Diria o seguinte: temos de ter alternativas à Alca. Faltou liderança maior junto ao Mercosul e relação mais próxima com a União Européia. O Brasil priorizou aqui na vizinhança uma relação que tem até o bom sentido da solidariedade, mas que não pode ser feita ao custo de desistirmos dos grandes mercados. Acho que fazer gestos para países em desenvolvimento é algo importante, mas ...

Valor: Esses movimentos são excludentes?

Aécio: Não. Mas acho que o Brasil errou um pouco na dose. Se afastou, deixou de ser um interlocutor privilegiado com a comunidade européia, que é um mercado crescente, que agrega cada vez mais parceiros.

Valor: O senhor fala em reconstrução do país, da Federação, mas há também a necessidade de reconstruir o PSDB, grandemente dividido. O que se pode fazer nesse sentido?

Aécio: Todos os partidos têm divergências. Quando falo em equilíbrio federativo me refiro também ao PSDB e todo mundo acha que isto é contra São Paulo. Mas é muito maior do que isso. O PSDB precisa ser um partido mais nacional. Não é bom o PSDB ser um partido só de São Paulo ou só de Minas. Por que o Geraldo está tendo um fraco desempenho no Nordeste? Não é culpa do Geraldo, eu acho, só. Ele é uma importante liderança do partido. O Geraldo tem pouca votação no Nordeste porque o PSDB não tem inserção no Nordeste. Não se constrói a identidade de um partido apenas três meses antes da eleição, quando você vira candidato. O PSDB tem que fazer um mea-culpa em relação ao seu distanciamento de alguns projetos de país. Temos de nos aproximar do setor sindical, recuperar uma referência mais forte na intelectualidade, que perdemos ao final do governo Fernando Henrique. Qual o projeto do PSDB para o Nordeste? Se me perguntar, não sei. Posso ter minhas idéias, mas não sei quais são as do partido. O PSDB precisa nacionalizar-se, identificar em outros Estados valores políticos modernos, social-democratas, que acreditam na gestão eficiente do Estado como instrumento de inclusão social. Alguns dizem "quer tirar o poder de São Paulo". Não é bom que o poder seja só de São Paulo, ou de Minas. Tem que ser equilibrado e compartilhado.

Valor: O PSDB terá que investir muito no Nordeste, onde, segundo o senhor, é preciso ter inserção e descobrir um projeto, mas o presidente do PSDB não é do Nordeste?

Aécio: É... Bela figura. Gosto muito do Tasso. A presidência do Tasso já foi um passo positivo. Prefiro o Tasso do que alguém de Minas ou aqui do Sudeste. Mas não é só isso. É preciso que o Nordeste veja que o partido tem ali um projeto, que o PSDB construa lá esse projeto.

Valor: Isso, obviamente, contribuiria para a viabilidade eleitoral do PSDB em 2010.

Aécio: Acho que sim. Se o PSDB quiser ter um projeto nacional duradouro, tem que ampliar o leque de influência. Você não constrói isso apenas escrevendo um programa de governo e divulgando a 20 dias da eleição. Tem que construir ao longo do tempo. E não é só no Nordeste, vale também para o Centro-Oeste, para o Norte.