Título: Anvisa e INPI tentam uniformizar pareceres
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2004, Legislação & Tributos, p. E1

A divergência de pareceres nos processos de concessão de patentes farmacêuticas entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), além de evidenciar um conflito na política do governo federal, fez a indústria farmacêutica recorrer à Justiça. Os dois órgãos públicos, no entanto, já perceberam que não podem ter posições tão diferentes sobre o tema, já que por lei precisam trabalhar juntos e devem manter um discurso único. O primeiro caso que chegou ao Judiciário sem correr em segredo de Justiça e que escancarou o conflito foi o da farmacêutica Roche. A empresa pediu no INPI a patente de um remédio que faz parte do coquetel anti-aids, chamado Valcyte. Os técnicos do instituto deram o aval de inventividade e novidade do produto, o que automaticamente levaria à concessão da patente, não fosse a Lei nº 10.196, de 2001, que instituiu a necessidade de anuência prévia da Anvisa. A agência, ao contrário do INPI, considerou que não há novidade no remédio da Roche. "A composição farmaco-química Valganciclovir, que é o princípio ativo do medicamento Valcyte, já se encontra no estado da técnica, eis que patenteada anteriormente por outro laboratório na Europa", alegou a procuradoria da Anvisa no processo movido pela Roche. E é justamente neste ponto que reside o grande conflito de competências entre os dois órgãos federais. Os advogados que defendem as farmacêuticas questionam de quem é o papel de analisar os quesitos técnicos para a concessão de patente, como a inventividade, por exemplo. A discussão também é efervescente dentro da própria Anvisa e do INPI. Uma advogada que faz parte dos quadros da Anvisa, mas que, segundo a assessoria do órgão, não é sua porta-voz, diz que hoje a Anvisa tem muito mais capacidade técnica para avaliar os medicamentos que podem ou não ser patenteados do que o INPI. Mas o presidente do instituto, Roberto Jaguaribe, diz não acreditar que este tipo de declaração tenha sido dada. "Não vou travar uma disputa com a Anvisa pelos jornais", diz Jaguaribe. Ele afirma que há uma clara falta de coordenação entre os dois órgãos, mas que já houve uma conversa de presidente para presidente e que as duas instituições caminham para uma convergência sobre o tema. "Precisamos apurar melhor o que é uma anuência prévia", afirma. O próprio presidente do INPI, no entanto, deixa escapar outras divergências entre as duas entidades, como a concessão de patentes de segundo uso. "Não está escrito em nenhuma lei que não se pode conceder patentes de segundo uso", diz Jaguaribe. Mas, no fim de agosto, a Anvisa soltou nota de esclarecimento à indústria farmacêutica afirmando que não concede anuência prévia para as patentes de segundo uso e nem sequer analisa os pedidos. Já naquela época a gerente da Anvisa, Ana Paula Jucá, disse ao Valor que os dois órgãos estavam em conversação para unificar os entendimentos e que recusar o segundo uso era uma determinação de governo. A única dúvida que Jaguaribe diz não ter é de que o papel do INPI é conceder patentes, previsto na lei. Assim como também está prevista em lei a anuência prévia da Anvisa. O presidente do INPI, que assumiu o cargo no fim de agosto com um atraso de mais de um ano e meio na nomeação do ocupante do cargo pelo governo, diz que algumas alterações vão ser feitas na relação com a Anvisa e que a forma atual de trabalho dos dois institutos gera, de fato, muita confusão. No caso da Roche, a Justiça havia ordenado em primeira instância que o INPI concedesse a patente sem a anuência da Anvisa. A juíza Monique Calmon de Almeida Biolchini, da 37ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, deu uma sentença favorável à Roche concedendo uma tutela antecipada, o que levaria à imediata concessão da patente. A Anvisa recorreu ao presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, Valmir Peçanha, que suspendeu, no início de dezembro, a decisão da juíza. Na prática, explica o advogado da Roche, Joaquim Eugênio Goulart, com a suspensão da sentença o INPI não pode conceder a patente até que o caso seja julgado em segunda instância. Goulart diz que vai recorrer da decisão de Peçanha para o próprio TRF. "Apenas um desembargador decidiu, então vou recorrer às turmas", diz Goulart.