Título: Analistas estimam deficit bem maior
Autor: Martins, Victor; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 09/11/2010, Economia, p. 14

Os economistas ouvidos semanalmente pelo BC projetam o rombo nas contas externas em US$ 64,75 bilhões em 2011, valor superior ao previsto pelo governo. O real forte deve continuar prejudicando as exportações

O mercado já não acredita nas previsões do Banco Central (BC) para o tamanho do rombo nas contas externas. Pelo quarto mês consecutivo, os analistas elevaram as projeções de deficit para 2011, início da era Dilma Rousseff no comando do Palácio do Planalto. Enquanto a autoridade monetária espera um buraco de US$ 60 bilhões, o consenso dos cerca de 100 especialistas ouvidos semanalmente pelo BC é que esse montante chegará a US$ 64,75 bilhões, segundo boletim divulgado ontem. O sistema financeiro também aposta que o governo não conseguirá conter a supervalorização do real e a expectativa é de um dólar fraco no ano que vem.

Para Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, os analistas estão subestimando o saldo negativo nas contas externas. Segundo ele, com o dólar baixo, está havendo um aumento das importações e dificuldades para exportar. O brasileiro também vem fazendo mais viagens internacionais e deixando sua renda lá fora. As multinacionais seguem na mesma linha do consumidor, de ¿exportar dinheiro¿, e continuarão a aumentar as remessas de lucros para suas matrizes enquanto o cenário externo se mantiver desaquecido ¿ o que piora o deficit. ¿Com todo esse cenário, o buraco pode chegar a US$ 100 bilhões em 2011¿, calculou o professor.

Com o anúncio na semana passada de que injetará US$ 600 bilhões na economia até junho de 2011, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) tem parte da responsabilidade pela expectativa do mercado de um dólar fraco no ano que vem. ¿O dólar é uma mercadoria como qualquer outra e nós estamos tendo uma supersafra dessa moeda¿, disse Leite. ¿Há um excesso de oferta e o governo não tem muito que fazer. É um problema de fluxo global¿, concluiu Flávio Serrano, economista sênior do Espírito Santo Investiment Bank.

Tendência De acordo com o boletim, há um mês o mercado acreditava que o dólar em 2011 estaria cotado a R$ 1,80. De lá para cá, as expectativas foram se deteriorando até essa taxa cair para R$ 1,77 e com tendência de mais recuo nas próximas avaliações. ¿Pelo menos até 2012, sabemos que a política monetária do Fed não vai mudar muito. Então, o governo pode implementar todo tipo de medida, mas dificilmente conseguirá reverter a tendência de valorização do real¿, argumentou Serrano.

Os analistas ponderam que o buraco externo também reflete um Brasil em crescimento e que precisa importar serviços e insumos para continuar a crescer. A necessidade de comprar lá fora para não estagnar a economia demonstra, porém, um país com problemas estruturais graves. ¿Praticamente não temos marinha mercante¿, criticou Serrano. Na construção civil, um dos grandes motores da expansão brasileira, a indústria nacional não teve condições de desenvolver maquinário e os empresários do setor são obrigados a pagar aluguéis de guindastes e outros equipamentos.

Balança positiva » A balança comercial brasileira registrou superavit de US$ 429 milhões na primeira semana de novembro, segundo dados divulgados ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. As exportações somaram US$ 3,205 bilhões, com média diária de US$ 801,3 milhões. As importações foram de US$ 2,776 bilhões, num movimento de US$ 694 milhões por dia. As vendas subiram 26,6% em relação a novembro do ano passado. Nas compras, o valor foi 15,3% superior. Com o resultado, a balança comercial passou a acumular um superavit de US$ 15,050 bilhões no ano, num saldo 32,7% menor do que o registrado em idêntico período de 2009 (US$ 22,348 bilhões). Os embarques totalizaram US$ 166,514 bilhões e os desembarques, US$ 151,464 bilhões. O real valorizado tem prejudicado o desempenho dos produtos nacionais no mercado externo.

Ouro como eferência O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, surpreendeu o mundo a três dias da cúpula de líderes do G-20 em Seul. Em artigo publicado no jornal britânico Financial Times, ele afirmou que o mundo precisa de um novo sistema para suceder ao que chamou de ¿Bretton Woods II¿, o regime de trocas flutuantes em vigor desde 1971, quando acabou a convertibilidade do dólar em ouro.

Para Zoellick, o ouro começa a desempenhar um papel diferente na nova ordem mundial. Esse cenário a ser construído ¿deveria incluir o dólar, o euro, o iene, a libra esterlina e o renminbi (iuan)¿. E conseguiu logo o apoio de várias instituições, inclusive do próprio jornal e de pensadores de todo o mundo.

Foi o que bastou para que o preço do ouro superasse, pela primeira vez, o teto dos US$ 1.400 a onça (28,3 gramas). O metal fechou cotado a US$ 1.403,88, registrando um recorde histórico em um mercado marcado pela presença de investidores especulativos.

O Financial Times escreveu que ¿o sistema deveria também considerar empregar o ouro como um ponto de referência internacional ligado às previsões do mercado e de valor futuro das moedas¿.

Cédric Tille, professor de economia no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento de Genebra, explicou que ¿a ideia é utilizar o ouro como um novo indicador de inflação¿. Para o diretor do centro de estudos europeu Bruegel, Jean Pisani-Ferry, a proposta de ¿reintroduzir o ouro no sistema¿ não é, em si, ruim.

¿No sistema monetário atual, os bancos centrais vigiam as taxas de inflação, ancorada nos preços dos bens, mas não vigiam os preços globais de matérias-primas¿, explicou. Numa reforma do sistema, tal como o preconizado por Zoellick, ¿poderiam também reagir em função das variações dos preços do ouro¿, acrescentou Pisani-Ferry.