Título: 12 setores elevaram uso da capacidade
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2006, Brasil, p. A3

A estabilidade no nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) na indústria de transformação entre os meses de julho de 2005 e julho de 2006 esconde um movimento bastante heterogêneo entre os setores pesquisados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Enquanto 12 dos 20 segmentos da pesquisa ampliaram a utilização da capacidade, seis utilizaram um percentual menor dela na mesma comparação.

Entre julho do ano passado e o mesmo mês de 2005, a utilização da capacidade instalada oscilou muito pouco no conjunto da indústria, de 84,7% para 84,9%. Mas o número está acima da média para os meses de julho desde 1990, que é de 80,9%, segundo Jorge Braga, analista da FGV.

Entre os seis setores que hoje operam com maior ociosidade, a maior parte está voltada à exportação. É o caso das indústrias têxtil, de vestuário e calçados e também de alguns bens de capital.

Pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a indústria de vestuário e acessórios produziu 9,45% menos em julho deste ano em relação a igual período do ano passado. Já a fabricação de calçados e artigos de couro ficou 6% menor na mesma comparação. Ao mesmo tempo, a utilização da capacidade da indústria de vestuário e calçados (agrupadas pela FGV no mesmo segmento) recuou de 86,4% para 83,5% entre os meses de julho de 2005 e 2006.

"São segmentos industriais que sofrem tanto com a concorrência dos importados quanto com a dificuldade de exportar, devido à valorização do câmbio", explica Bráulio Borges, economista da LCA Consultores.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) já vem alertando algum tempo o governo sobre a questão cambial. Nos últimos dois anos, a utilização da capacidade dessa indústria cedeu 7,6 pontos percentuais, caindo de 90,2% em julho de 2004 para 82,6% este ano. "E isso não foi por conta de falta de investimento, porque a indústria têxtil brasileira é moderna e competitiva", argumenta Fernando Pimentel, diretor-executivo da Abit. Para ele, a combinação de câmbio valorizado e juros e carga tributária elevados impedem um melhor desempenho do setor.

Na contramão do movimento trilhado pelo segmento têxtil, os ramos da metalurgia e de celulose e papel estão com um grau elevado de utilização da estrutura industrial. Em julho, a metalurgia atingiu 93,4%, maior número nos últimos dois anos. No mesmo mês de 2005, a utilização estava em 88,9%. A indústria de celulose e papel usou 96,4% de sua capacidade, acima de julho do ano passado (95,2%), mas levemente abaixo do resultado de abril, quando ficou em 93,7%. "São setores que sempre operam com uma alta utilização", diz Braga, da FGV.

Borges está otimista com os dados de produção dos setores exportadores referentes a julho. De acordo com o IBGE, os setores com alta e média intensidade de exportação tiveram um aumento de 6,8% na produção. É um resultado acima do indicador geral, que subiu 3,2%, sempre na comparação com o mesmo mês de 2005. Os setores com menor peso de exportação cresceram abaixo da indústria total: 1,3%. O economista atribui essa melhora ao fim da greve da Receita Federal que, na avaliação do economista, afetou mais as vendas externas do país do que as importações.

Mas os dados do NUCI ainda não mostram essa recuperação. A indústria de mobiliário foi uma dos poucas exportadoras que teve um crescimento na utilização da capacidade. O percentual foi de 68,5% para 76,5% entre os meses de julho de 2005 e 2006. É um número ainda baixo, mas o aumento foi expressivo.

O presidente da Abimóvel, associação que representa o setor, Domingos Sávio Rigoni, questiona os números. "Não houve nem aumento expressivo da produção, muito menos dos investimentos", diz. Nos 12 meses terminados em julho, a produção de móveis cresceu apenas 0,93%. No acumulado de janeiro a julho em relação a igual período de 2005, a alta é um pouco mais expressiva: 2,45%, ritmo semelhante ao da indústria de transformação como um todo, que foi de 2,42%.

David Kupfer, pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que a pesquisa da FGV tem uma interpretação difícil, pois é baseada não só no que realmente tem acontecido com as empresas ouvidas, mas também em suas expectativas para o curto e médio prazo. Ainda assim, ele avalia que o grau de utilização da capacidade é confortável para a maioria dos setores industriais, porque, apesar de não haver novos investimentos, a produção também não tem ido muito bem.

"Os empresários estão esperando um recuo mais forte dos juros para que o cenário de financiamento seja mais favorável", afirma. Para ele, não há uma necessidade premente de investimentos. Então as empresas devem esperar até o início de 2006 para expandir o parque produtivo e adquirir novas máquinas.

A LCA tem uma análise diferente e vê aumento dos investimentos na produção. Borges cita o dado da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que avançou 5,7% no primeiro semestre, bem acima do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu apenas 2,2%. Esse indicador mede o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil. Já na comparação de julho com julho de 2005, a FBCF subiu 9,8%. "O investimento tem desempenhado bem, mas como a produção deixa a desejar, o nível de utilização da capacidade também patina", avalia o economista.