Título: Campanha petista e imposto sindical acirram disputa entre sindicatos rurais
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 25/07/2006, Política, p. A8

Sancionada ontem na íntegra pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei da Agricultura Familiar abrirá uma guerra pela representação sindical dos pequenos produtores rurais e trabalhadores da agricultura familiar.

O texto, aprovado pelo Senado há 20 dias, servirá como instrumento aos movimentos sociais de apoio ao governo do PT na área rural para atacar e enfraquecer as entidades ligadas ao agronegócio, como a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Mas também fomentará uma disputa aberta entre a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil), para avançar na distribuição de poder dentro do setor.

A guerra pela capacidade de representar milhões de agricultores e trabalhadores familiares começou ainda ontem, durante o evento com o presidente Lula. A Fetraf declarou guerra à Contag e à CNA. "No Rio Grande do Sul, a Contag já acabou. Em cinco anos, teremos um milhão de filiados", disse o gaúcho Altemir Tortelli, coordenador da Fetraf-Brasil ao Valor. "E a CNA perderá metade de seus 400 mil pequenos produtores sindicalizados na próxima década". Tortelli afirma que representa 750 mil famílias, filiadas a 11 federações em 22 Estados.

A Contag, que informa representar 25 milhões de trabalhadores de 3,7 mil sindicatos em 26 Estados, avisa que resistirá: "Isso só mudará se acabar a unicidade sindical, o que é muito improvável neste momento", respondeu Manoel dos Santos, presidente da confederação. Nessa briga, o Ministério do Desenvolvimento Agrário desempenha um papel fundamental. O secretário de Agricultura Familiar, Valter Bianchini, é visto como o principal aliado da Fetraf-Brasil. "Reconheço que ele (Bianchini) tem uma ligação mais orgânica com a Fetraf, mas é um companheiro de longa data e não fará nada sem consenso", aposta Santos.

Separadas pela briga pelos trabalhadores familiares, Contag e Fetraf-Brasil estão unidas para tirar da CNA a representação dos pequenos proprietários rurais. Sistema que diz falar "em seu nome e de todos os produtores rurais do Brasil", a CNA tem 2.127 sindicatos rurais e 1.072 extensões de base em 27 federações estaduais. Na verdade, as entidades estão de olho no gordo orçamento da CNA, baseado na contribuição sindical, de caráter tributário e compulsório, cobrada diretamente pelo sistema. A contribuição existe desde 1943 e todos os produtores, filiados ou não, têm de pagar. As taxas vão de R$ 18 a R$ 8,6 mil, conforme o porte do produtor. Antes, a cobrança era feita pela Receita Federal junto com o recolhimento do Imposto Territorial Rural (ITR). A partir de 1997, a CNA passou a cobrar. Os sindicatos ficam com 60% da arrecadação, as federações, com 15% e a CNA com 5% O Ministério do Trabalho fica com os outros 20%.

Em sua defesa, a CNA acusa os concorrentes de serem movidos por "interesses eleitorais e ideológicos" no setor. "As lideranças que reivindicam isso têm um foco muito ideológico, que visualiza eleitores e querem um monopólio", disse Celso Rigo, presidente da Comissão Nacional da Pequena Propriedade da CNA. "Não acredito que eles tenham essa condição tão favorável. A maioria está atendida e continuará na CNA. Essa lei prepara a reforma sindical, quando poderia haver a reivindicação formal desses produtores. Um enquadramento forçaria essa saída".

Com a Lei da Agricultura Familiar, as entidades de representação do setor podem ter assento, com voz e voto, em colegiados e conselho superiores das mais diversas áreas. A CNA, por exemplo, participa de assuntos que vão desde educação, saúde, trabalho e previdência até questões fiscais, agrárias, de meio ambiente, transportes, pesca, imigração, normalização e meteorologia. E tem assento em entidades como Sebrae e empresas como a Embrapa, além de discutir assuntos como FGTS, PIS-Pasep, FAT e participar do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda.