Título: Empenho de prefeitos põe em xeque a estratégia tucana para o Nordeste
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2006, Especial, p. A12

Antônio Mascarenhas e Hilter Costa são prefeitos pefelistas, nordestinos, administram pequenos municípios e construíram seus patrimônios em atividades agropecuárias. Mais do que isso, são componentes fundamentais na engrenagem estruturada pela coordenação de campanha presidencial do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para reduzir os 50 pontos que, segundo o Datafolha, o distanciam do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Nordeste do país, onde está um terço do eleitorado brasileiro. A estratégia é utilizar a capilaridade das cerca de 650 cidades que a aliança PSDB-PFL comanda na região para que a campanha presidencial chegue ativa aos prefeitos, o último elo entre o eleitor e o candidato majoritário. E, simultaneamente, aproveitar a pequena representatividade do PT na região, com seus 65 prefeitos.

Para funcionar, porém, é substancial o empenho deles e é aí que as semelhanças entre os dois prefeitos se desfazem. O empresário Hilter Costa, o Ita, é prefeito de Ribamar Fiquene (MA), município com cerca de 7.000 habitantes que encabeça a lista de cidades brasileiras cuja totalidade de recursos provém de transferências dos governos federal, como cotas do Fundef e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e, em menor grau, estadual, com o ICMS. Essa precária situação será determinante na atuação política de Ita neste ano. Ele personificará tudo o que a coordenação da campanha Alckmin não quer. "Vou cooperar a troco de quê? Para eleger um presidente da República que nunca vai saber quem eu sou e que só vai me dar de recurso aquilo que ele é obrigado constitucionalmente?"

Ita assumiu a prefeitura pela primeira vez em 2000 já ciente do que encontraria, mas ainda assim resolveu encarar o desafio. De pequeno comerciante de suínos, construiu grande patrimônio espalhado em uma fábrica de tijolos e outra de extração de brita, frota de caminhões e 1.800 cabeças de gado que, antes de entrar na política eram 4.000. "Essa diferença foi perdida desde que entrei aqui, mas fui recompensado por outras vias. Antes, sentia que o dinheiro que eu pagava meus impostos não me dava retorno. Hoje tenho esse retorno. Por exemplo, abro estradas por aí na cidade."

Todo seu patrimônio não servirá, todavia, para resolver outro problema: a falta de disponibilidade de recursos dos partidos para os prefeitos. Ele calcula que uma campanha presidencial "de fato" realizada na cidade teria o custo de 400 cabeças de gado -algo em torno de R$ 100 mil. Seria o preço do aluguel do carro de som, do comitê político, confecção de cartazes, contratação de pessoal e combustível. Mas diz que nunca viu dinheiro de partido para campanhas em cidades pequenas e pobres. Não dá voto que valha o custo, segundo ele. "Assim, não tem como o prefeito ajudar. Não temos apoio financeiro nenhum. O grosso do dinheiro deve ir para a campanha na TV. E campanha, até em cidade pequena, tem que ter dinheiro."

O Progresso Hilter Costa, prefeito de Ribamar Fiquene (MA): "Vou cooperar a troco de quê?" A situação financeira enfrentada por Ita também é vivida por Antonio Mascarenhas, prefeito de Santa Bárbara (BA), localidade com aproximadamente 20 mil habitantes que tem 99,4% da sua receita resultantes de transferências. O que muda, porém, em relação a Ita, é sua disposição para a campanha presidencial. "Vamos arregaçar as mangas", afirma este senhor que por 30 anos trabalhou abatendo bois. "Recursos para a campanha nós não temos, mas isso não é impedimento. Vamos sair pelos povoados, reunir os grupos, pedir voto para as pessoas. Movimentar a cidade mesmo."

Essa dedicação segue a linha de raciocínio da articulação tucano-pefelista no Nordeste. Para incrementar seus recursos, os prefeitos dependem primeiramente da ação dos governadores e, depois, dos deputados federais e estaduais. Tendo um presidente da República alinhado ao comando central estadual, esses auxílios podem ser dimensionados e os benefícios disso usufruídos por todos os operários do esquema: prefeitos, deputados e governadores. Os parlamentares entram como importante fator de ajuda nesse empenho esperado, ainda mais ao se considerar que nesse aspecto há outro abismo entre PT e a aliança PFL-PSDB no Nordeste: são 56 deputados federais da aliança contra 16 pró-Lula. Na soma das Assembléias Legislativas, são 111 deputados estaduais contra 29.

"O principal para nós é que nosso grupo político continue em Salvador. Trabalhamos para eles. E se eles precisam que o candidato a presidente deles ganhe, não mediremos esforços para ajudá-los", diz Mascarenhas em seu gabinete, onde, da esquerda para a direita, alinham-se as fotografias do governador Paulo Souto, do ex-governador César Borges e do senador Antonio Carlos Magalhães. É essa fidelidade que a aliança PSDB-PFL espera que seja desenhada no resto do Nordeste. Dos 416 municípios baianos, 390 fazem parte, organicamente, ao grupo de ACM, que conta com mais 21 deputados estaduais e 17 federais. Trata-se, portanto, do Estado em que a tática eleitoral esboçada deva funcionar e servir como modelo aos demais. No entanto, a dúvida dos estrategistas é se haverá esse empenho em amplo nível em todos os Estados nordestinos. "O grande problema nosso no Nordeste é saber se todo esse apoio que a gente tem em tese irá vira campanha de fato", afirma um coordenador da cúpula pefelista.

Um fator impeditivo é a divisão de palanques, caso do Ceará, onde, embora haja o apoio formal de Tasso Jereissati à sucessão do governador tucano Lúcio Alcântara, os prefeitos devem se dividir entre ele e o candidato do PSB, Cid Gomes, irmão do ministro Ciro Gomes. Outro é própria condição de dependência e a falta de perspectiva de melhora. Como o maranhense Ita e o baiano Mascarenhas, outras centenas de pequenas cidades passam sufoco nas finanças. Ribamar Fiquene encabeça um rol junto com outras quinze localidades -onze delas maranhenses- que têm 100% da receita proveniente de transferências. Em todo o país, cerca de 60% dos 5.546 municípios possuem 85% ou mais de suas receitas advindas de transferências. O principal motivo dessa situação foi a constante queda da participação municipal na arrecadação do país. A Constituição de 1988 concedia 19,5% desta arrecadação a eles. Os Estados ficavam com 30% e a União com 49,5%. No final de 2002, após sucessivas alterações na legislação tributária, a cota caiu para 14,5%. De 2003 para cá, parte do montante inicial - 1% - foi recuperado, decorrentes principalmente da nova lei do ISS, que aumentou de 101 para 200 os itens tributáveis, e da distribuição entre Estados e municípios dos recursos advindos da Cide.

Hoje os municípios têm 15,5% da arrecadação, os Estados, 24,5%; e a União, 61%. A cota poderia já ser maior caso o tivesse sido aprovada a minireforma tributária que previa o aumento de um ponto percentual nos recursos do FPM. "O Brasil é uma federação de ponta-cabeça. Toda arrecadação é produzida e paga no município. Todos os programas estaduais e federais são executados pelas prefeituras. Só que a estrutura jurídica faz com que fiquemos com a menor parte disso. A conseqüência é, além da precariedade financeira, uma desmotivação política muito grande, pois não há previsão de melhora. As eleições deste ano mostrarão isso", afirma Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.

Ocorre que essa falta de perspectiva de bons tempos nas finanças, ao mesmo tempo em que serve de desestímulo, também pode funcionar como moeda de troca contra eles. Isso porque os principais antídotos que os articuladores da campanha Alckmin no Nordeste têm em face de eventuais condutas "rebeldes" dos prefeitos englobam a atuação dos comandos centrais estaduais. Utilizando-se desse alto grau de dependência, a cúpula pretende que os caciques regionais pressionem os prefeitos.

"Nos Estados em que nossos candidatos a governador já estiverem praticamente eleitos, o que medirá seu desempenho na campanha não são somente os votos que receberão, mas também os votos que conseguirem agregar para seu candidato a presidente e ao Senado", afirma um dos integrantes que traçam esse ardil. Assim, considerando-se as últimas pesquisas eleitorais, o único Estado em que isso ocorre é a Bahia, com o governador Paulo Souto. Outra aposta é que, onde houver forte polarização entre situação e oposição, ocorra forte empenho para vencer o inimigo, caso de Sergipe e Piauí.

Esse esforço todo é para que, ao final do dia 1º de outubro, Alckmin diminua à metade a diferença com Lula. A meta esboçada é que ele salte dos atuais 13% para 45% das intenções de votos. Dez pontos, portanto, acima do percentual de 35% que a cúpula do PFL e do PSDB dá como certo de obter. "O eleitorado conservador nordestino nunca ficou abaixo de um terço nas eleições", aposta outro coordenador na região.