Título: Alicerce sem rachaduras
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 24/09/2010, Política, p. 6

Para não comprometer o crescimento econômico do país, governo precisa investir pesado em obras de infraestrutura

Infraestrutura é a base para garantir o desenvolvimento da economia por décadas. É ela que dá vazão ao crescimento de um país, garantindo o abastecimento de uma forma geral. Com isso, o próximo presidente do Brasil precisa de um plano de investimentos em infraestrutura de longo prazo, traçando uma estratégia de nação que suplante as metas de governo e não acabe em apenas quatro anos, analisam especialistas ouvidos pelo Correio. O desafio é enorme, pois a infraestrutura atual não consegue abraçar o crescimento acima de 5% esperado para o Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos.

Gargalos existem em várias áreas: portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, além do risco de um apagão logístico diante da aproximação da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016. Alguns temem um fiasco internacional, uma vez que o cronograma das obras de ampliação dos aeroportos brasileiros está atrasado, de acordo com especialistas do setor. A Infraero nega, apesar de não revelar o andamento das obras, mas reconhece que o crescimento do movimento dos aeroportos está acima do esperado.

Além disso, os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em infraestrutura, de mais de R$ 48 bilhões previstos no orçamento do governo para 2011, não serão suficientes. Será necessário pelo menos o triplo dos investimentos previstos pelo PAC para atender a demanda necessária para os próximos anos, afirma o professor da Fundação Dom Cabral (FDC) Paulo Resende, um dos maiores especialistas na área do país. O próximo governo deveria criar uma agência reguladora para assegurar os investimentos em infraestrutura de longo prazo, de forma a atrair a confiança dos investidores, sugere.

Paulo Resende destaca um ponto crítico na área de telecomunicações, que já recebeu bastante investimentos desde a privatização, mas ainda engatinha quando se fala em transmissão de dados. É necessário ampliar a rede de fibra óptica existente com objetivo de melhorar o acesso à banda larga, fator decisivo de inclusão social nos dias de hoje, argumenta o especialista, lembrando que apenas 12,5% da população brasileira tem acesso à internet.

O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Robson Gonçalves chama a atenção para os portos. Um dos principais problemas que o país vai enfrentar no futuro é a perda de competitividade internacional caso não invista na gestão portuária. Hoje, nenhum porto brasileiro tem capacidade para receber os grandes navios chineses que deverão circular no Atlântico após a conclusão das obras de alargamento do canal do Panamá, afirma.

Outro fator que requer destaque diante do crescimento acelerado da economia é a falta de infraestrutura educacional para fornecer profissionais qualificados. A indústria aeronáutica, por exemplo, já sente falta de engenheiros, e as obras do trem-bala previstas pelo governo terão que importar mão de obra especializada. Os investimentos em educação precisam ser feitos agora para que, no futuro, ainda não seja mais crítica essa situação, comenta o diretor de estudos e políticas sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão.

O diretor do Ipea lembra ainda que emprego de boa qualidade é aquele de carteira assinada e com remuneração superior ao salário mínimo. Esse tipo de emprego vem crescendo, especialmente fora do eixo Sul Sudeste e, com isso, a migração vem diminuindo, uma vez que o Nordeste vem crescendo em um ritmo maior do que a média nacional. Isso garante um crescimento mais homogêneo e assegura um equilíbrio no crescimento da economia, ficando mais sustentável e de longo prazo, completa.

Para um país ser competitivo, aliás, a infraestrutura é fator-chave, alerta também o estudo sobre o Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Apesar de crescer mais de 7% e caminhar para ser a oitava economia global na próxima década, o Brasil ainda está abaixo da média quando se fala em infraestrutura. Fica em 62° lugar no ranking composto por 133 países. Tem nota 4,2 o índice varia de 1 a 7 , abaixo da média dos países do Bric (grupo das nações em desenvolvimento acelerado integrado pelo Brasil, Rússia, Índia e China), que é de 4,10.

"Será necessário pelo menos o triplo dos investimentos previstos pelo PAC para atender a demanda necessária para os próximos anos

Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral

Setor energético preocupa menos

O único gargalo que foi solucionado nos últimos anos foi o energético, concordam especialistas em infraestrutura. Hoje, o risco de um novo apagão como o que houve há 10 anos é zero se o cronograma de investimentos previstos for seguido à risca. Os investimentos programados garantem a oferta energética e até criam uma reserva, comenta o professor Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.

Mas o preço do serviço, destaca o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, deixa a desejar. Segundo ele, a necessidade de sanar rapidamente os problemas de abastecimento de energia fez com que contratos de concessão fossem fechados a preços elevados. Diante do potencial energético brasileiro, é inadmissível que a energia paga hoje pelo consumidor seja mais cara do que a paga nos Estados Unidos ou na Alemanha, exemplifica.

Pedrosa lembra que vários contratos de concessão mais antigos estão para vencer e, com isso, seria possível uma redução significativa nos custos se o governo renegociar os valores. Hoje, mais da metade do custo da conta de energia é para pagar impostos e taxas como o do financiamento de obras já concluídas e encargos que podem ser reduzidos, conclui.

Como infraestrutura não é só o que aparece, como pontes, rodovias e aeroportos, é importante lembrar, alertam especialistas, que o saneamento básico é outro fator crucial para o desenvolvimento de um país. Mais da metade do esgoto produzido no Brasil não é tratada. A Agência Nacional de Águas (ANA), em um estudo divulgado no fim de 2009, indica que são necessários mais de R$ 41 bilhões em investimentos em infraestrutura de abastecimento e de tratamento de esgoto, nos próximos cinco anos, para que não falte água potável no país em 2025. (RH)

O número R$ 41 bilhões Quantia que precisa ser investida em projetos de tratamento de esgoto, segundo a Agência Nacional de Águas