Título: Opção aos gerentões
Autor: Silva, Marina; Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Política, p. 5

Candidata do PV critica o perfil administrativo de seus adversários e considera ser tempo de o país deixar de buscar salvadores da pátria

No discurso, apresenta-se como a jaguatirica. Mas a presidenciável do PV, Marina Silva, está longe de ser selvagem. Aliás, desperta a ternura até mesmo das aeromoças dos voos de carreira que tem utilizado nas agendas de campanha. Marina conta que uma comissária de bordo durante a madrugada, no trajeto Manaus/Brasília cedeu seu encosto especial e acolheu a presidenciável com uma manta e travesseiro. Ao reduzir os gastos com jatinhos, a verde também aproveita para panfletar na fila do embarque. Mas a simpatia das pessoas nem sempre se traduz em votos. Ela reclama da satanização de seus valores religiosos. Declaradamente contra o casamento homossexual, Marina se recusa a fazer o discurso duplo para ganhar eleitores. Se os gays não querem votar nela, prefere assim, com transparência. Na entrevista que concedeu ao Correio, Marina contou detalhes de sua saída do governo Lula e do PT. Os caminhos escolhidos pelo presidente para a política ambiental acuaram a jaguatirica. A última cartada foi abrir mão do Ministério do Meio Ambiente e deixar Lula administrando a reação da opinião pública. É preferível ver o filho vivo no colo de outro do que jazendo no seu próprio colo, resume. A afronta silenciosa encerrou também a vida partidária no PT. Depois de sair do governo, ela se encontrou umas três ou quatro vezes com Lula. Depois da candidatura, nenhum telefonema do presidente. Ela se esquiva de fazer críticas diretas a Lula, mas defende o fim da infantilização do Brasil que precisa ter pai e mãe para dar certo. Não existe um messias, um iluminado. A dor por ver sucessores no ministério colhendo os frutos de sua gestão não é disfarçada, mas Marina evita se meter nas comparações. As pesquisas eleitorais, garante, não metem medo. Mesmo assim, faz plano de voltar à sociedade, caso a aposta presidencial não dê certo. A candidata verde critica o perfil gerentão de seus adversários José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) e afirma que os dois apresentam propostas econômicas do fim do século 19.

A senhora acha que esses episódios da Casa Civil e da Receita Federal podem provocar um segundo turno? Não devemos subordinar o segundo turno a isso. Espero que seja em função da consciência dos brasileiros. O Brasil é maior que o currículo de Dilma e Serra. A gente ganha ganhando quando se mantém fiel aos princípios. É por isso que estou pagando o preço de ter 1 minuto e 20 segundos no tempo de televisão. Não concordamos com alianças incoerentes. Cheguei até aqui em avião de carreira, não tenho a estrutura que outros têm. Vou governar com os melhores do PT, do PSDB, do PMDB. Tenho certeza de que o PDT não me negará o Cristovam (Buarque). Tenho certeza de que o senador (Eduardo) Suplicy (PT-SP) não me faltará se eu ganhar essas eleições, nem o Pedro Simon (PMDB-RS).

Quando o presidente Lula fez isso, disseram que era cooptação, isso de trazer parlamentares para a base. Não é cooptação, cada pessoa fica no seu partido e vai se mobilizar por projetos. Cooptação é você querer diluir, inclusive, as diferenças.

O Lula fez isso? Eu não sei se fez. O que sei é que o PSDB tentou governar sozinho e se tornou refém do fisiologismo do PMDB e do DEM. O Lula tentou governar sozinho e se tornou refém do PMDB. Os enormes desafios não foram superados. Por exemplo, a infraestrutura. O PAC não é nem um programa sequer, é uma junção de obras. O que as eleições estão dizendo? Vamos ver quem é o melhor gerente. Ora, quem fez a diferença nesse país não era gerente. Getúlio Vargas não era um gerentão, Juscelino não era um gerentão, FHC não era um gerentão, Lula não é um gerentão.

Dilma é um gerentão? Eu diria que ela e o Serra são parecidos. Os dois acharam que essa eleição seria um festival de discutir o perfil gerencial dos dois.

Existem grande divergências entre o seu estilo de administrar e o de Dilma. A senhora pensa que Dilma é uma gerentona? As minhas divergências com Dilma eram em relação à visão. Eu nunca vou me colocar como vítima. Somos mulheres que discutíamos de igual para igual a visão que temos e quem decidia em última instância era o presidente Lula. Quando percebi que já não reunia as condições políticas para continuar no Ministério do Meio Ambiente, pedi para sair. Naquele momento, Mangabeira (Unger), (Reinhold) Sthephanes, Blairo Maggi e o governador de Rondônia queriam revogar o Plano Nacional de Desmatamento da Amazônia. Quando eu saí, as pessoas perguntaram se estava derrotada. Eu disse: a derrota ou a vitória só se mede na história. Hoje me sinto vitoriosa. Saí, não conseguiram revogar as medidas. Resultado: o desmatamento continua caindo até hoje.

A falta de apoio político é a falta de apoio do próprio Lula. Eu não poderia deixar se consumar a revogação do plano de desmatamento, para o bem do próprio Lula, do governo e principalmente da Amazônia. Estavam tentando convencer o presidente de que as medidas haviam sido exageradas. Era um absurdo. Vendo isso, eu pedi para sair. É preferível ver o filho vivo no colo de outro do que jazendo no seu próprio colo.

Mas o que fez a senhora perceber que não dava mais? Já tinha decidido que não ia ser mais candidata ao Senado, que iria voltar à sociedade. Já me articulava com o pessoal do movimento socioambientalista do Brasil inteiro para ser uma militante. Fui me juntar àqueles com quem já estava na prática: os verdes. Chico Mendes criou o Partido Verde lá no Acre, emprestando quadros do PT para criar o PV.

Já conversou com o presidente Lula na campanha? Ele fez algum telefonema? Não, não. Depois que saí do PT, não conversamos ainda. Quando eu saí do governo, tivemos a oportunidade de nos encontrar pelo menos umas três ou quatro vezes. Mas depois da campanha, não.

Uma futura gestão de Dilma pode ser desastrosa em relação à sustentabilidade? Prefiro me mobilizar pelo que eu vejo de promissor na minha possível gestão.

A senhora pode ser conservadora demais em termos de desenvolvimento econômico? Diria que serei progressista, porque vou integrar meio ambiente e desenvolvimento. É o que não consigo ver nem no Serra nem na Dilma. Eles fazem o discurso da economia do século 20 ou do fim do século 19.

Por que o eleitor não enxerga isso? Se as pessoas votarem em mim, vão votar sabendo: a Marina vai priorizar a educação, as novas tecnologias, para que a gente consiga liberar cerca de 70 milhões de hectares da pecuária para outras atividades produtivas. Eu sou a solução para o agronegócio, sabia? Vão deixar de ser vilões para ser os mocinhos do processo produtivo.

O PV ficará menor nestas eleições? O Senado, por exemplo, não terá mais Marina Mas eu não era do PV antes, entrei para o PV depois. Espero profundamente que possa estar lá a Heloisa Helena (PSol-AL) de volta. Para ter uma mulher corajosa. A expectativa é que teremos pelo menos 15 deputados federais num cenário bem conservador e 17 num cenário otimista. Hoje, temos 13 deputados. Minha campanha é um movimento suprapartidário.

O que a senhora acha das críticas de que priorizou a Amazônia em detrimento a outros biomas? As pessoas achavam que por eu ser da Amazônia iria privilegiar só a Amazônia. Isso não é verdade. Havia uma grita muito grande de que se deveria pôr um fim no desmatamento da Amazônia. Também criamos os núcleos do cerrado, da caatinga, do Pantanal e dos pampas.

Seus sucessores costumam dizer que, agora, o Ministério do Meio Ambiente olha para os outros biomas, ao contrário do que acontecia antes. Aí é discurso político. Não vou me perder nisso. As pessoas que conhecem de agenda de meio ambiente sabem que o que foi feito nos dois anos depois que saí foi o que ficou. Depois que terminou a marmita, procure o que é que está sendo feito de novo. É por isso que eu repito: a derrota ou a vitória só se medem na história.

Numa eventual derrota, a senhora poderia colaborar ofical ou extraoficialmente com um governo de Dilma ou de Serra? Não tenho essa coisa de que, para contribuir, é preciso estar necessariamente no governo, tanto é que estava com todas as chances de ser reeleita senadora e optei por ir para a sociedade. Acho que contribuo mais estando no lugar onde estou do que em qualquer função do governo. Estamos numa transição para uma outra economia. É fundamental a participação de todos, e isso não se faz com um partido, com uma pessoa. Não existe um messias, não existe um iluminado. Tem de acabar com essa história de infantilizar a sociedade brasileira. Chega dessa história de mãe, de pai. Temos de chamar os brasileiros para assumirem o seu papel.

O que seria ir para a sociedade? Política para mim não é emprego. O primeiro projeto que apresentei no Senado foi o acesso aos recursos da biodiversidade. Vou sair 16 anos depois e o projeto não foi aprovado. Se volto para um terceiro mandato, minhas coisas não serão aprovadas. Você faz uma questão de ordem, um encaminhamento, e nada. Mas você está ali. Vai virando uma espécie de bonsai dentro do palácio. Uma plantinha bonitinha, um vasinho, um potinho, e só está ali... Aí eu pensei: é melhor ser uma relva no campo do que um bonsai dentro do palácio.

Em temas de cunho mais religioso, como aborto e casamento gay, partir para o plebiscito não tira um pouco da própria imagem que a senhora tem de quem estabelece as coisas e diz o que pensa? Não, porque eu não deixo de dizer qual é a minha posição. Eu digo que não tenho uma posição favorável ao aborto. É uma questão religiosa, filosófica, moral, cultural. Mesmo se eu não fosse uma pessoa de fé, eu seria favorável à vida. Eu sou favorável à vida da ave, à vida do embrião, à vida da lesma, à vida da formiga. A diferença é que eu não faço uma satanização dos que têm uma posição contrária à minha. Quando as pessoas olham para o meu posicionamento já fazem um rótulo: é conservadora. Eu não estou rotulando ninguém. À comunidade gay, por exemplo, digo que não sou favorável ao casamento, mas defendo seus direitos civis. Se minha posição inviabiliza que essas pessoas votem em mim, eu prefiro, porque assim, elas, com transparência, vão saber. Concordo com a Marina nisso e nisso, mas nisso eu não concordo.

Brasília é, de acordo com pesquisas, a unidade da federação em que a senhora está mais bem avaliada. A que a senhora atribui isso? Tenho 16 anos de trabalho aqui, entre Senado e Ministério do Meio Ambiente. Acredito que é uma convivência da população de Brasília com o meu trabalho. Brasília e Acre são os lugares onde eu tenho maior exposição e convivência com as pessoas.

É preferível ver o filho vivo no colo de outro do que jazendo no seu próprio colo

Marina Silva, sobre sua saída do Ministério do Meio Ambiente