Título: Bolívia estuda novo traçado para rodovia
Autor: Murakawa,Fabio
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2011, Internacional, p. A8

O governo boliviano e a construtora brasileira OAS já estudam um trajeto alternativo para uma rodovia financiada pelo Brasil no país vizinho, depois que o presidente Evo Morales perdeu a queda-de-braço que travou por mais de dois meses com indígenas amazônicos. Preocupados com o avanço de cocaleiros e colonos, os nativos se recusam a permitir que a obra atravesse seu território.

Foi o desfecho de uma batalha que começou em 15 de agosto, quando os índios iniciaram uma marcha de mais de 500 km até a capital, La Paz, para protestar. No meio do caminho, o governo enviou onze diferentes comissões para dialogar com os manifestantes, que só aceitaram sentar-se à mesa na sexta-feira, com o presidente e no palácio presidencial. Saíram de lá vitoriosos.

Pressionado por uma comissão de 20 indígenas dentro do Palácio Quemado - e por outros milhares nas ruas de La Paz -, Morales anunciou que a estrada "ou qualquer outra não atravessará o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure" (Tipnis). Ele prometeu colocar essa garantia no trecho da lei que permitiu a execução da rodovia. O vice-presidente Álvaro García Linera, também presidente do Congresso, convocou para hoje uma sessão legislativa para executar as mudanças ditadas por Morales.

O recuo, no entanto, exigirá um novo projeto para a obra, orçada em US$ 415 milhões, dos quais US$ 332 milhões seriam financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A alteração da lei e do traçado da rodovia terá impacto no preço da obra, no prazo de entrega e, possivelmente, e no valor do financiamento brasileiro, segundo fontes. "Isso muda toda a equação e todos os prazos. Novos estudos técnicos terão que ser feitos e, se houver um aumento de mais de 25% no custo da obra, vai ser preciso fazer outra licitação", disse ao Valor uma fonte do governo brasileiro.

Representantes da OAS e dos governos boliviano e brasileiro já vinham dialogando sobre a possibilidade de alteração do trecho 2 da rodovia, o qual cruza o Tipnis, enquanto a marcha avançava apontando, entre outras coisas, "interesses imperialistas do Brasil" por trás da obra.

Oficialmente, Brasília se manteve em silêncio, mas até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou interceder quando esteve na Bolívia no fim de agosto, para participar de um evento patrocinado pela OAS. Na ocasião, Lula aconselhou Morales a adotar uma postura menos beligerante em relação aos indígenas, a quem acusava de estar a serviço de ONGs patrocinadas pelos EUA.

Mas, depois da repercussão negativa de uma violenta repressão policial aos indígenas, no dia 25 de setembro, e a consequente queda de dois ministros de Morales, ficou claro para as três partes que a mudança seria inevitável.

Augusto César Uzêda, diretor-superintendente da área internacional da OAS, disse ao Valor que o contrato firmado com a Bolívia "tem flexibilidade para alterar o traçado" e que a empresa "trabalha com qualquer possibilidade".

Segundo ele, a OAS apresentou ao governo boliviano quatro traçados alternativos para a estrada, além do original, que cruza o núcleo do Tipnis em um trecho de 70 km. Dois passam por áreas marginais do parque, mas ainda dentro dele - o que seria inviável com a alteração da lei. Os outros dois passam por fora do território, mas aumentariam o trajeto em até 200 km, disse Uzêda.

A rodovia foi idealizada para diminuir em 500 km a distância entre San Ignácio de Moxos e Villa Tunari, em Cochabamba. As obras nos trechos 1 e 3 da estrada já estão em andamento, mas eles também terão de ser modificados, caso seja confirmado o desvio. "Ainda estamos trabalhando nos extremos da rodovia. É possível fazer essas mudanças", afirmou o executivo.

"Ficamos esperando uma solução boliviana, e a solução boliviana é esta [a estrada fora do Tipnis]", disse a fonte do governo brasileiro. "Dificilmente o governo brasileiro dirá que não [se a Bolívia pedir um financiamento maior], isso teria um custo político muito alto. O Evo [Morales] se sentiria traído".

No final de setembro, em meio à polêmica em torno da repressão policial aos indígenas, o BNDES afirmou não ter realizado ainda nenhum desembolso para a obra e que aguardava a definição do governo boliviano em relação ao prosseguimento do projeto.

A eventual necessidade de uma nova licitação da rodovia, fruto de um acordo entre o então presidente Lula e Morales, também traria riscos à OAS. A construtora foi a única empresa a participar da licitação da obra, em 2008. No ano seguinte, o projeto foi alvo de uma investigação da Controladoria-Geral da Bolívia por superfaturamento e favorecimento. "No caso de uma nova licitação, outras empresas poderão concorrer, e desta vez o processo começará sob todos os holofotes da mídia e da oposição a Morales", disse a fonte do governo brasileiro.