Título: Análise: Visão de pouso brusco assusta mercados
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Finanças, p. C2

O mercado financeiro internacional caminha no fio da navalha. Os indicadores sobre a economia americana divulgados a partir de quinta-feira foram todos em uma só direção: a desaceleração pode ser mais forte e rápida do que se imaginava. O relatório de emprego, divulgado na sexta-feira, assustou: foram criados em maio apenas 75 mil novos postos de trabalho, quando os analistas previam 175 mil. As instituições estão espremidas entre as faixas extremas dos indicadores. Para o mercado se sentir confortável, o dado não pode ser muito superior às expectativas, a ponto de alimentar a sensação de que o Federal Reserve (Fed) prosseguirá apertando a política monetária, nem muito inferior, pois nesse caso desperta o temor de um desaquecimento muito abrupto.

O pior dos mundos para os investidores é o que combina uma desaceleração americana (e, por conseguinte, mundial) prolongando-se até o final do ano com repiques inflacionários adentrando o segundo semestre. O que o vacilante Fed de Ben Bernanke faria diante desse desafio? Desde que se trate de um crescimento menor e não de uma recessão propriamente dita, entre estimular a expansão ou frear a inflação, Bernanke respeitará o seu mandato de defensor da moeda e dos preços baixos. E subirá o juro. As taxas dos títulos de 10 anos do Tesouro americano tombaram, na sexta-feira, de 5,10% para 4,99%, por causa de uma superoferta de dinheiro. O interesse por aplicações em treasuries aumentou tanto por parte dos investidores ávidos de proteção e, por isso, dispostos a sacrificar a rentabilidade, quanto dos que já fazem apostas de que o Fed não terá coragem de subir a taxa em ambiente de desaquecimento. Esta aposta seria bastante coerente se o Fed ainda fosse conduzido por Alan Greenspan. Mas como se vive a era Bernanke, trata-se de pura loteria.

Os motivos da fuga para a qualidade podem variar, mas as conseqüências são as mesmas: perdas nos mercados emergentes. Na sexta-feira, o dólar subiu 1,11%, para R$ 2,2780. Na semana passada acumulou valorização de 1,56%. Somente nas últimas quatro semanas já subiu 10,8%. O risco-país foi a 275 pontos-base, em alta de 3,38%. Os juros longos negociados no mercado futuro da BM & F subiram, refletindo a debandada. O contrato para a virada do ano avançou de 15,06% para 15,09%.

A sorte do Copom do Banco Central, cuja ata da reunião realizada na quarta-feira é o principal evento financeiro interno desta semana, é que a próxima reunião, marcada para 19 de julho, acontecerá bem depois do encontro do Fed de 29 de junho. Até lá, o BC terá muito tempo para analisar o quadro externo de volatilidade e calibrar o juro em função dele. A ata, que sairá na quinta-feira, não deve, portanto, comprometer-se com o prosseguimento do ritmo de queda de 0,50 ponto. Mesmo porque, com a economia crescendo, as pressões em favor de juros mais baixos diminuem.