Título: Argentina anuncia anistia a imigrantes de Mercosul
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2006, Internacional, p. A13

Depois de receber várias denúncias de que bolivianos trabalham em condições precárias e até sob regime de escravidão na Argentina, o governo local iniciou ontem um programa de anistia para imigrantes de países vizinhos.

A medida foi adotada após o tema ter chamado a atenção da opinião pública, com a morte de seis cidadãos bolivianos (sendo quatro crianças) em um incêndio numa pequena fábrica de confecções num bairro de classe média de Buenos Aires. Segundo as autoridades, as vítimas eram submetidas a trabalho escravo.

O problema também ganhou maior visibilidade com a posse de Evo Morales como presidente da Bolívia. Morales colocou o assunto no topo da agenda bilateral, num momento em que a Argentina busca estreitar os laços com a Bolívia para garantir o fornecimento de gás natural.

Após o incêndio, no último dia 31, Morales enviou missão de nível ministerial à Argentina para cobrar providências. Conseguiu uma resposta rápida. A disposição com as novas regras para regularização de imigrantes ilegais foi publicada ontem mesmo no diário oficial, com menção específica ao problema dos trabalhadores bolivianos.

O caso é especialmente sensível para Morales, porque sua própria família migrou para a Argentina para trabalhar em plantações de cana da Província de Jujuy, que faz fronteira com a Bolívia. Morales esteve na região entre os 5 e 7 anos de idade e, enquanto seus pais trabalhavam na lavoura, ele vendia picolés.

Pelo programa, qualquer cidadão de um país-membro ou de um país associado ao Mercosul pode pedir o que se chama de residência precária, bastando para isso apresentar um documento de identidade e um atestado de antecedentes obtido no país de origem. A obtenção da residência precária, válida por até seis meses, permite que a pessoa trabalhe, estude e tenha acesso aos serviços de educação e saúde. Posteriormente, o estrangeiro tem de obter documentação adicional para pedir a residência provisória, válida por dois anos.

"Este programa permite uma base legal para que os estrangeiros regularizem sua situação", disse Viviana Friedman, que trabalha em Buenos Aires como coordenadora de programas e projetos para o Cone Sul da Organização Internacional para Migrações (OIM), uma organização não-governamental com sede em Genebra.

Friedman elogiou a iniciativa do governo argentino e considerou que ela pode ajudar a melhorar as condições de vida e de trabalho dos bolivianos no país.

Não há uma estimativa oficial sobre o número de bolivianos que vivem na Argentina, mas fala-se em cifras que variam entre 1,2 milhão e 2 milhões. O número de brasileiros seria pequeno. O auge da imigração proveniente de países vizinhos ocorreu durante a época da conversibilidade. Com a crise econômica vivida a partir de 2001, o fluxo diminuiu, mas aparentemente vem se recuperando devido à recente reativação da economia.

"Eles vêm enganados, porque acham que um salário de US$ 100 é um bom salário", disse Gustavo Vega, porta-voz da União dos Trabalhadores Costureiros, cujos membros são hoje, em sua maioria, bolivianos.

Muitos aceitam trabalhos na Argentina apenas comparando o que vão receber com os salários pagos na zona rural boliviana, muito menores, ignorando a diferença no custo de vida. Segundo Vega, os salários dos imigrantes variam entre US$ 100 e US$ 160 por jornadas de trabalho que podem passar de 16 horas diárias. A maioria dorme no próprio local de trabalho.

O incêndio motivou o aumento da fiscalização da prefeitura portenha, que fechou dezenas de pequenas fábricas. A ação acabou gerando o repúdio de parte dos bolivianos, que reclamam que ficaram sem trabalho.

Vega denuncia que, por causa dessa fiscalização, as fábricas estão se mudando para zonas mais distantes da Província de Buenos Aires. Ele defende que os estabelecimentos irregulares sejam expropriados e transformados em cooperativas administradas pelos trabalhadores.