Título: Corrida pela reciclagem
Autor: Adeodato, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2011, Especial Negócios Sustentáveis, p. F1

Para o Valor, de São Paulo

Serão necessários investimentos de R$ 280 milhões em três anos para cumprir a lei que obriga reciclar as embalagens.

As indústrias fazem as contas para colocar em prática a lei que as obriga a investir na logística reversa das embalagens e outros produtos, fazendo-os retornar à produção industrial após o consumo, sem ir para lixões. Serão necessários R$ 280 milhões, nos próximos três anos, para triplicar o número de cooperativas de catadores ou a capacidade das existentes. O valor, orçado pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), deverá ser investido por governo e setor produtivo, com a perspectiva de dobrar a quantidade de lixo reciclado no país em vinte anos.

"Para alcançar a meta, o número de municípios que fazem a coleta dos materiais recicláveis nas residências precisará aumentar quatro vezes em comparação à realidade atual, cobrindo no mínimo 10% da população local", diz Victor Bicca, presidente da entidade. Os dados constam do documento apresentado na primeira semana de maio ao governo e setor produtivo pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), juntamente com a proposta de um modelo de governança para fazer funcionar a logística reversa no Brasil.

A instituição, que agrupa 35 empresas de grande porte da indústria e varejo, se candidata a coordenar as ações corporativas para recuperar o que é descartado após o consumo e criar uma nova realidade para o lixo. "O objetivo não é gerir recursos financeiros ou executar projetos das empresas, mas articular iniciativas de educação ambiental, mapear o mercado, fazer o elo entre indústrias e cooperativas de catadores e compilar informações exigidas pela legislação", ressalta Victor Bicca, presidente do Cempre.

"Precisamos eliminar gargalos e criar um sistema viável de gestão para a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos sair do papel", explica. O projeto é o ponto de partida para o acordo setorial, estipulado por lei, no qual as empresas assumirão metas e definirão um sistema para coleta e reciclagem dos materiais fora de uso. O plano do governo é, até dezembro, finalizar os acordos, com os estudos de viabilidade técnica e econômica da logística. Se não houver consenso, o modelo poderá ser estabelecido por decreto.

As negociações começaram em maio com reunião do Grupo Técnico Temático de Embalagens, no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Os participantes definiram que o acordo envolverá a parte seca do lixo, sem distinção entre os tipos de embalagens e que será priorizada a coleta seletiva realizada e paga pelas prefeituras.

Pelas normas, é obrigatório o controle dos materiais após o consumo, mediante relatórios apresentados ao Comitê Orientador da Reciclagem de Embalagens (Core), que se reunirá semestralmente para acompanhar as ações empresariais. "O foco será o apoio a cooperativas e a instalação de postos para entrega voluntária de lixo reciclável pela população", informa Bicca. Em sua análise, "as metas serão atingidas com a mão de obra que sairá dos lixões, com prazo de quatro anos para serem extintos". Falta definir uma fórmula para o rateio dos investimentos pelas indústrias, que planejam qualificar catadores e aumentar as cooperativas em regiões deficitárias, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Simultaneamente, o parque de indústrias recicladoras precisará se estruturar para absorver maior oferta de lixo, sem riscos de impactos negativos nos preços da sucata. "Avanços dependem de incentivos fiscais para desonerar a cadeia produtiva da reciclagem", diz Bicca - os produtos são taxados na produção primária e na reutilização industrial. Para o executivo, "o desafio é compatibilizar viés social e competitividade, sem importar experiências inadequadas para nossa realidade".

A proposta tem apoio de outras organizações empresariais. "A estratégia é desenvolver práticas já existentes no país", ressalta Auri Marçon, diretor da Associação Brasileira da Indústria do PET - material que, no Brasil, atingiu índice de reciclagem de 56,7%, um dos maiores do mundo.

Há quem defenda o modelo europeu, operado por uma central gerenciadora, paga pelas indústrias, com monopólio das compras de materiais recicláveis e poder de estabelecer preços. "Ele permitiria racionalizar o transporte e aumentar a eficiência", justifica Lucien Belmonte, diretor da Associação Técnica Brasileira de Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). A proposta não tem o apoio da indústria de bebidas. "O modelo baseado apenas nas cooperativas pode não servir para todas as cidades brasileiras", afirma o executivo.

No Brasil, existem cerca de 1 milhão de catadores, dos quais apenas 40 mil são cooperativados. "Não queremos ser tratados como coitadinhos, mas fazer bons negócios, sem assistencialismo", afirma Roberto Laureano, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

A escala dos negócios deverá aumentar quando a nova lei funcionar na prática e a coleta seletiva, hoje operada por apenas 8% dos municípios, for ampliada. Abre-se um novo filão para as empresas de limpeza urbana, que faturaram no ano passado R$ 19,1 bilhões. "É preciso resolver o problema da falta de aterros sanitários dentro de padrões ambientais", ressalva Carlos Silva, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). De acordo com estudo da entidade, 42% dos resíduos foram para lixões no ano passado. Nos últimos dois anos, a geração de lixo aumentou 15%, enquanto o crescimento populacional foi de 2%. "Levará tempo para o brasileiro mudar hábitos e não misturar materiais recicláveis no lixo comum", argumenta.

Qual a responsabilidade de cada um na logística reversa? Quem pagará a conta? "Queremos que a lei seja útil ao país, mas não podemos ser penalizados", afirma Shelley Carneiro, gerente de meio ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que em maio criou uma rede na internet interligando as associações empresariais para alinhar interesses e encaminhar propostas. Carneiro completa: "A nova forma de lidar com o lixo vai influenciar a vida de todas as empresas".

No governo, o assunto também merece destaque. Ministros de Estado sentam à mesa para tratar do problema do lixo. Os titulares das pastas de Meio Ambiente, Cidades, Indústria e Comércio, Desenvolvimento Social e Saúde compõem o Comitê Orientador da Logística Reversa, responsável pelo controle oficial do governo sobre os compromissos das empresas. Em diversas reuniões, o comitê estabeleceu o plano de trabalho para 2011 e criou cinco grupos temáticos para discutir modelos de reciclagem em diversos setores. Nos próximos meses, deverá definir as datas para lançar os editais dos acordos setoriais e também apresentar o Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

Para articular as ações públicas destinadas a colocar a lei em prática, o governo criou uma instância superior mais abrangente, o Comitê Interministerial, composto por doze ministérios. Na reunião marcada para junho serão instalados grupos de trabalho para tratar assuntos estratégicos como uso do lixo para gerar energia.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-II) reservou R$ 1,5 bilhão para aterros, galpões para a separação de materiais recicláveis e unidades para produção de adubo mediante a compostagem do lixo. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) tem recursos para projetos de cooperativas em cidades acima de 500 mil habitantes e opera arranjos produtivos de baixa renda com repasse de financiamento para a organização dos catadores, em parceria com governos estaduais. Está em negociação com o Banco do Brasil um acordo para a liberação conjunta de crédito destinado à inclusão social.