Título: Ameaça de expulsão expõe racha no PR
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2011, Política, p. A15

Ao final da legislatura passada, Sandro da Mabel Antonio Scodro estava no auge da carreira de um deputado federal. Líder de bancada pelo segundo ano consecutivo, 12 anos de Casa, milionário, titular de uma comissão importante (Finanças e Tributação), dirigente partidário bem votado em seu Estado (foi o quinto colocado em 2010), articulado com empresários, ótima relação com parlamentares da base e da oposição e bom trânsito no Palácio do Planalto. Pensou, então, em dar um passo adiante: a presidência da Câmara. Dois meses depois, a derrota que poderia ser a mais dolorosa, a do plenário, por 375 a 106 para o candidato do governo, Marco Maia (PT-RS), virou algo pequeno diante de seus efeitos colaterais. Mabel enfrenta célere processo de desidratação de seu mandato parlamentar, vê o diretório goiano do PR, presidido por ele, ser dissolvido e está proibido de ocupar cargos na Câmara ou relatar projetos. Punições prévias antes da derradeira, que deve vir nos próximos meses: a expulsão.

Seu algoz tem nome, sobrenome e, como ele, gabinete na Casa. Trata-se do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), secretário-geral do partido que, com esse processo, pretende consolidar a retomada do comando absoluto do PR após a crise do mensalão, em 2005, em que foi um dos protagonistas.

Naquele ano, então presidente do extinto PL - que viria a se fundir com o Prona para formar o PR - Costa Neto admitiu ter recebido recursos de caixa 2 durante a campanha eleitoral de 2002 e renunciou ao mandato. Garantiu, assim, seus direitos políticos, sendo reeleito em 2006 e em 2010.

O fato de se enquadrar no tipo "mensaleiro não petista" fez com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechasse as portas do Palácio do Planalto no que lhe restava do primeiro mandato e ainda durante todos os quatro anos seguintes.

Nesse período, o interlocutor preferencial de Lula no PR passou a ser o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, atual presidente licenciado do partido. Mais flexível, o ministro permitiu que parlamentares de sua legenda se destacassem no Legislativo. Mabel foi um deles. Chegou a ser relator da reforma tributária que não avançou no segundo mandato de Lula.

Também se destacou em todos os assuntos ligados ao setor produtivo nacional. Como ao propor o projeto que atualiza o limite da receita bruta para as pessoas jurídicas que optarem pelo regime de tributação com base no lucro presumido ou o que sugeriu ao Ministério da Fazenda a criação da Coordenadoria-Geral de Políticas de Restituição, Ressarcimento, Reembolso e Compensação na estrutura da Receita Federal.

Ex-dirigente do Sindicato das Indústrias de Alimentação do Estado de Goiás, da Federação das Indústrias do Estado de Goiás e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), virou interlocutor fácil dos empresários dentro do Congresso.

Até almejar a presidência da Câmara, em um movimento que coincidiu com a chegada ao poder da presidente Dilma Rousseff (PT). Nesse novo cenário, Valdemar Costa Neto pôde voltar a transitar com desenvoltura no Palácio do Planalto: tem canal direto com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e o da Relações Institucionais, Luiz Sérgio. Na Esplanada, conversa bem com o ministro Alexandre Padilha (Saúde), outro petista constantemente inserido nas articulações políticas, com quem participou de uma café da manhã recentemente.

Na Câmara, os deputados de seu partido fazem silêncio sobre o assunto. Embora seja comum deputados desafiarem as candidaturas majoritárias à presidência, reservadamente afirmam que Mabel merece uma punição por ter desobedecido uma decisão partidária. Concordam, porém, que a expulsão é uma medida muito drástica. "Não conheço um deputado do partido que queira a cassação", disse um deputado. Outro afirmou que "o sentimento da bancada é de que a punição fique onde está", uma referência à "preventiva" já recebida por Mabel.

No Senado, a expulsão tem um enfático defensor na figura de Magno Malta (ES). Os outros quatro senadores, porém, tal qual os deputados, rejeitam a medida e tentam uma solução intermediária, como a suspensão ou a manutenção da pena vigente. É o caso de Blairo Maggi (MT) e até mesmo do presidente licenciado da legenda, Alfredo Nascimento, também senador, apesar de afastado para ocupar o Ministério dos Transportes.

Até mesmo aquele que poderia ser o maior interessado em uma punição, Marco Maia, o adversário que venceu a disputa pela presidência da Câmara, ponderou com Costa Neto que a expulsão é desproporcional ao "crime", algo que também já teria sido dito por Palocci.

Os apelos têm se mostrado ineficazes. Costa Neto quer expulsar Mabel e poderá fazê-lo ainda que as bancadas sejam contrárias. Tem controle pleno sobre todas as instâncias partidárias, nas quais a participação dos parlamentares é ínfima. Tanto o presidente do Conselho de Ética, Sérgio Tamer, como o relator do processo de Mabel, Marilo Costa, são ligados a Costa Neto. Assim como a maioria da Executiva, composta por nomes sem cargos eletivos mas com fidelidade canina a ele.

Isso cria uma barreira para que sejam levantadas, internamente, vozes contrárias a Costa Neto, reforçada por um forte sentimento de gratidão. Na campanha, por exemplo, determinado a ampliar a bancada para 40 deputados, deslocou recursos do Fundo Partidário para auxiliar as campanhas dos candidatos do PR, sobrepondo-se ao tesoureiro da sigla, outro que é seu indicado.

A fidelidade partidária, que estabelece que o mandato pertence ao partido, e não ao eleito, agravou o quadro, pois aos insatisfeitos não restam alternativas senão o silêncio. Tanto que alguns deputados do PR acreditam que a criação do Partido Democrático Brasileiro (PDB) pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, - ex-integrante do PL - acarretará uma diminuição da bancada não só devido à provável saída de Mabel, após uma luta que poderá acabar nos tribunais, mas porque outros parlamentares deixarão a sigla rumo ao PDB.

Mabel pode seguir esse caminho, embora seja bem provável que aceite convite para retornar ao PMDB, onde iniciou sua carreira política.

Costa Neto recorre à história do extinto PL, baseada, segundo antigos integrantes, na rígida disciplina partidária e intolerância com dissidências, do alto ao baixo clero. Foi assim com o já falecido senador Romeu Tuma em 1995, quando o PL fazia oposição ao presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Tuma queria aderir ao governo tucano. Para tanto, precisou se filiar ao PFL. Já na era Lula, o deputado Damião Feliciano (PB) contrariou a decisão da bancada de apoiar Inocêncio Oliveira (PE) para a segunda-vice-presidência da Câmara, encampou candidatura avulsa e acabou expulso.

Sob outra ótica, contudo, a expulsão mostra ao Palácio que os 41 deputados da quinta maior bancada da Câmara têm comando a partir de uma ponte com o secretário-geral da sigla que representam, o que, em começo de governo, vale muito.

Não à toa Costa Neto articulou a formação de um bloco parlamentar com partidos pequenos - PRB, PTdoB, PHS, PRTB, PRP, PTC e PSL - que ampliou seu poder de fogo para 60 deputados, o segundo maior da Casa. Com isso, pôde apresentar a fatura ao Palácio, ainda não contemplada: uma diretoria financeira da Caixa Econômica Federal ou no BNDES, uma outra no sistema elétrico e o pedido para que a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) seja devolvida para o Ministério dos Transportes, de onde foi retirada no governo Lula para o âmbito do Ministério das Cidades.