Título: Desperdício de oportunidades
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2011, Brasil, p. A2

O Brasil já está perdendo os efeitos do bônus demográfico sobre o crescimento econômico, fenômeno que deu enorme contribuição ao "milagre asiático" entre 1960 e 1990, alerta a próxima carta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV). Estimativas do economista Regis Bonelli indicam que a mudança da estrutura demográfica do país contribuiu com um crescimento do PIB per capita de 0,4 ponto percentual entre 1981 e 1999; entre 1999 e 2009 essa colaboração caiu para 0,3 ponto, conforme cálculos feitos sobre a parte relativa à oferta de trabalho.

A tendência é que os ganhos advindos da mudança na estrutura demográfica continuem em processo de redução, sem que o país tenha se apropriado de um dos grandes prêmios dessa fase: o aumento da poupança doméstica.

Numa abordagem econômica, com enfoque no crescimento da renda per capita, o bônus demográfico decorre do crescimento da População em Idade Ativa (PIA) superior ao da população total do país, que leva o produto per capita a uma expansão independente dos ganhos de produtividade. Ela se distingue do enfoque dos demógrafos, que identificam o bônus quando a PIA (formada por pessoas entre 15 e 64 anos) chega na casa dos 55% da população total.

Por essa ótica, os benefícios da demografia se estenderiam até 2050. Pela avaliação dos economistas do Ibre, a janela do bônus que amplia a oferta de trabalho e a poupança está aberta desde 1970 e se fecha em 2025. "Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil não está em pleno bônus demográfico, mas sim usufruindo a parte final desse processo", diz a carta.

Os benefícios e as oportunidades que se abrem para o país durante essa fase foram tratados nesse espaço, ontem, por Ribamar Oliveira, a partir de um estudo de três pesquisadores. Eles acreditam que o país entrou na fase de uma estrutura etária da população que se caracteriza como bônus desde 2000 e viverá esse período até 2030.

Bônus demográfico não gera aumento da poupança

"O Bônus Demográfico Brasileiro Está em sua Fase Final", título da carta, traz mais elementos para um debate que deveria estar na pauta dos gestores públicos, pois a redução do ritmo de crescimento da população diminui o peso das crianças e jovens e eleva o dos idosos, resultando em impactos importantes sobre a educação, saúde, transportes públicos, infraestrutura urbana, entre outras políticas públicas.

O crescimento econômico tende a acelerar-se durante o bônus demográfico por dois fatores: maior oferta de trabalho e de capital, essa última decorrente da elevação da poupança interna. A população que trabalha e, portanto, poupa, é superior à de crianças e velhos. Nos países em rápido crescimento, a poupança dos trabalhadores se dá sobre rendas bem maiores do que a "despoupança" dos que se aposentam.

É exatamente aí que a contribuição da transição demográfica tem sido muito pequena no caso brasileiro. Uma parte substancial da população brasileira não cumpre o ciclo clássico de poupar para a velhice, por ser desnecessário. Trata-se de uma parcela da população que terá na aposentadoria renda igual ou até superior à da vida ativa, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre.

Cerca de dois terços dos beneficiários do INSS ganham um salário mínimo, que há anos vem tendo aumento acima da inflação. O funcionalismo público recebe aposentadoria integral, ou muito próxima do integral, e tem reajustes equivalentes aos dos funcionários da ativa.

Os países do leste da Ásia apresentaram crescimento médio de 6,1% do PIB entre 1960 e 1990. Lá, os ganhos decorrentes da mudança demográfica foram responsáveis por até 1,9 ponto percentual do crescimento anual no período. Desse percentual, 1,1 ponto decorreu do aumento da poupança, 0,6 ponto da maior oferta de trabalho e 0,2 ponto da melhoria da educação. Ou seja, o bônus demográfico garantiu entre 20% e 30% da taxa de crescimento do produto durante o milagre asiático.

"No Brasil, em vez de pensarmos nos nossos netos, nós nos locupletamos desse prêmio", comenta Schymura. Não há qualquer sinal de que os gestores públicos e os políticos estejam ensaiando alguma ação para ainda aproveitar plenamente os benefícios dessa fase da transição demográfica, nem para preparar o país para arcar com o envelhecimento da população.

Alguns segundos após o anúncio da elevação da taxa Selic pelo Copom, os computadores das redações foram invadidos por notas à imprensa dos mais diversos segmentos da sociedade. Das confederações da indústria e do comércio, das federações, das centrais sindicais. Todos condenando a elevação da taxa como inoportuna, precipitada ou, ainda, caracterizando-a como uma medida da agenda dos derrotados que pode abortar o crescimento. É um procedimento que se repete após todas as reuniões do comitê quando este eleva os juros.

São simples notas de repúdio. Não dizem o que o governo deveria fazer numa situação como a de agora, quando a inflação já está em 6% ao ano. Não reconhecem o aumento dos preços como o maior inimigo dos mais pobres, nem admitem a desorganização da economia em regimes de inflação alta. Os setores que condenam o aumento dos juros como instrumento para combater a elevação da inflação são, não raro, os mesmos que censuram o corte dos gastos públicos.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

E-mail claudia.safatle@valor.com.br