Título: A batalha das embalagens
Autor: Adeodato , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 19/11/2010, Especial, p. F1

Ao investir R$ 3 milhões em merchandising na novela Passione, da TV Globo, para dizer ao consumidor que a embalagem longa vida é reciclável e que a coleta seletiva é simples e ajuda muita gente, a Tetra Pak deu uma cartada que vai além da educação popular para dar escala ao reaproveitamento de caixas de suco, leite e outros alimentos. A iniciativa ilustra a corrida das indústrias pela defesa ambiental de seus produtos, realçando para o mercado atributos como consumo de água e energia às emissões de carbono, que já influenciam a compra e definição de espaços nas gôndolas. Em busca de vantagem competitiva, a disputa envolve mudanças em embalagens para reduzir impactos, tecnologias de reciclagem e melhorias na logística. "Se cumprirmos a meta de reciclar 40% do que colocamos no mercado até 2014, reduziremos a pegada de carbono entre 15% e 25%", calcula Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente.

Por trás desses investimentos estratégicos está uma ferramenta de gestão cada vez mais difundida: a Análise do Ciclo de Vida (ACV). Constitui um balanço ambiental que leva em conta diferentes indicadores, como consumo de energia e água, geração de resíduos, reciclagem e emissões de gases-estufa durante toda a vida útil do produto - desde a obtenção de matéria-prima até a produção, podendo incluir a distribuição e o descarte final após o consumo.

Em estudo financiado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Centro de Tecnologia de Embalagens (Cetea), de Campinas (SP), concluiu que a reciclagem de latas de aço no Brasil rende economia de 20% de água e energia e quase 40% de petróleo.

"É preciso traduzir questões ambientais em índices e valores para a tomada de decisão das empresas e para orientar o consumidor sobre a origem do que compram", recomenda Eloisa Garcia, pesquisadora do Cetea responsável pelos primeiros estudos de ACV no país.

Criado na década de 1990 na Europa, o modelo foi inicialmente utilizado pelo setor de embalagens na tentativa de responder severas críticas por conta dos resíduos que gerava. A estratégia foi demonstrar que os impactos deveriam considerar um conjunto mais amplo de fatores - e não apenas o lixo. "Instaurou-se uma batalha comercial com base em estudos comparativos sem padronização", conta Eloisa.

"Ao longo dos anos, múltiplos indicadores ambientais foram incorporados e, diante de tanta complexidade, a guerra deixou de ter um vencedor", ilustra a pesquisadora.

Incluída nos padrões da ISO14040, a análise do ciclo de vida dos produtos ganhou padronização. "Em vez de fazer comparações e apontar heróis e vilões, a ferramenta é importante para identificar pontos críticos e buscar melhoria contínua, reduzindo impactos", explica Eloisa. As variáveis abrangem inclusive a função da embalagem na proteção do produto, uma vez que as perdas geram resíduos e impactos.

"Já existe uma fórmula tecnicamente testada para avaliar os impactos do que consumimos, mas falta abastecê-la com dados que reflitam a realidade dos diferentes países", ressalva.

No Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia começou a construir uma base de dados, iniciando pelo diesel. Estuda-se também a inclusão desses índices na rotulagem ambiental. "O mercado está se preparando, mas ainda temos muito que evoluir, porque é forte a pressão externa", adverte Eloisa, autora de análises sobre o ciclo de vida do suco de laranja e do café para exportação. Ela lembra que o modelo é essencial para sustentar políticas públicas. "Mas hoje os estudos brasileiros têm base em dados importados, o que gera distorções", lamenta.

Diante do apelo climático, a pegada de carbono deu novo impulso aos estudos de ciclo de vida como fator de competitividade. Para abrir as informações necessárias ao desenvolvimento do método no Brasil, grandes empresas fizeram um pacto de não utilizá-las para competição predatória. "Nenhuma embalagem é perfeita", afirma Rino Abbondi, vice-presidente de técnica e logística da Coca-Cola Brasil.

Todas, segundo ele, têm pontos fortes e fracos, dependendo do uso. A garrafa PET é leve e altamente reciclável, mas não tão reutilizável como a de vidro, que por sua vez exige mais água para lavagem e é mais pesada, emitindo maior quantidade de carbono quando transportada por longas distâncias.

"Avaliar o ciclo de vida é chave para decidir sobre lançamentos", enfatiza Abbondi. O assunto balizou a atual estratégia da companhia de investir em embalagens retornáveis para atender aos emergentes mercados C e D. Além disso o balanço ambiental foi decisivo para o uso do plástico obtido da cana-de-açúcar, fonte renovável, lançado nas embalagens de 600 ml.

A empresa aguarda aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para dar um novo passo: utilizar garrafas PET com resina reciclada. Com o avanço da coleta seletiva, haverá maior disponibilidade de embalagens após o consumo. "Estudamos a construção de uma fábrica no Brasil para produzir a garrafa reciclada, como acontece no México, Estados Unidos e Europa", revela Abbondi.

A emissão de carbono influencia na decisão. A redução no peso das garrafas PET entre 10% e 20%, sem perda de resistência ou alteração da bebida, resultou no corte de gases no transporte e na produção. "Concluímos neste ano a conversão de todo parque fabril para essas mudanças", informa Abbondi.

No caso das garrafas de vidro com 60% de material reciclado, a pegada de carbono caiu 25%. Nas latas de alumínio, a diminuição foi maior, de 43%.

"A ferramenta dá maior credibilidade e independência nas negociações com fornecedores", opina Christianne Urioste, diretora de sustentabilidade do Walmart, tendo meta de reduzir as embalagens em 5% até 2013.

O Ministério do Meio Ambiente estima que 20% do lixo doméstico do país contém embalagens descartadas, o que representa 25 mil toneladas diárias. Desse volume, cerca de 80% tem apenas uma utilização.

"Os resultados sobre ciclo de vida devem chegar ao consumidor", propõe Luciana Pellegrino, diretora da Associação Brasileira de Embalagem (Abre), setor responsável por um faturamento de R$ 36,2 bilhões em 2009. "O impacto das embalagens é muitas vezes menor do que o produto que elas protegem, principalmente no caso do alimento."

"Tendências de consumo e hábitos de vida devem ser levados em conta", sugere Juliana Nunes, diretora de assuntos corporativos da Unilever.

Ela explica que as variáveis da equação ambiental das embalagens mudam conforme a região onde são produzidas e consumidas. Um exemplo é o sabão em pó líquido concentrado, lançado no Brasil para permitir menor consumo de água. "Na Europa, como é comum lavar roupa com água quente, o desafio foi desenvolver produto que garantisse a mesma eficiência em temperatura mais baixa, economizando energia."