Título: Gestão afetiva sofre um duro golpe
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2010, Finanças, p. C8

Suas conquistas seguem o mesmo padrão há décadas. Surgem, quase sempre, de um amor à primeira vista. O namoro pode durar meses ou anos. No momento que julga ideal, ele lança o convite: "Quer trabalhar comigo?" Quem responde "sim" mergulha numa relação de afeto e cumplicidade. E, se tudo correr como o pretendente sempre espera, de fidelidade eterna. Contada assim, a descrição parece a de um personagem sedutor de história romântica. Trata-se, porém, do jeito Sílvio Santos de lidar com recursos humanos. Sua trajetória é recheada de casos que definem o que poderia ser chamado de "gestão afetiva". São histórias que, de alguma forma, explicam por que a descoberta do gigantesco rombo no PanAmericano deixou o apresentador perplexo. Entre os que já trabalharam com ele, é comum ouvir: "Foram os anos mais felizes da minha vida". Os que ainda estão no SBT torcem pelo patrão de forma quase passional, que vai além do medo de perder o emprego. Os relatos coincidem em um ponto: a maneira Sílvio Santos de contratar os empregados quase sempre seguiu exclusivamente seu próprio faro.

Por mais amador que isso possa parecer, foi, no entanto, por meio do próprio instinto que ele construiu seu império. Já nos tempos em que formava os primeiros vendedores do Baú da Felicidade, ele oferecia emprego até para pessoas que conhecia em repartições públicas. "Tal rapaz parece trabalhador." De uma avaliação assim ele podia selecionar o seu próximo diretor.

Um tal de Leonardo, que trabalhava na censura na época da ditadura militar, recebeu proposta para ser o produtor do programa de TV. Várias histórias como essa são contadas no livro "A Fantástica História de Sílvio Santos", segundo entrevistas que o jornalista Arlindo Silva, autor da obra, fez com Sílvio Santos. O próprio Arlindo, aliás, trabalhou como assessor e diretor de jornalismo de Sílvio durante 25 anos. O convite surgiu depois que o apresentador gostou de ler a série de reportagens das entrevistas que dera nos tempos em que o jornalista trabalhava na revista "O Cruzeiro".

E quem não lembra de Roque (Gonçalo Roque), encarregado de puxar as palmas do auditório em quadros como "Topa tudo por dinheiro"? Ele era porteiro na Rádio Nacional quando foi "fisgado" pelo apresentador.

Pessoas próximas do empresário contam que suas intervenções se concentram na televisão, ambiente que ele mais gosta. Provavelmente por isso ele tenha decidido, no último final de semana, transferir a sede do Grupo Sílvio Santos para o SBT. "Do seu escritório, Sílvio sempre ditava regras e recebia informações sobre lucros e crescimento da companhia", relata Arlindo Silva no livro.

As notícias recentes em torno de fraudes no Banco PanAmericano colocam agora em dúvida os métodos que o "animador brincalhão", como descreve Silva, utilizou para crescer como líder empresarial, sem riscos. "Pago salários acima do normal e, como resposta, obtenho dedicação integral dos que trabalham comigo. Com isso, eles se entregam mais e mais às empresas", disse o apresentador em entrevista a Silva, segundo o livro, lançado há dez anos.

Sílvio Santos sempre demonstrou excesso de zelo em relação aos empregados. Tal dedicação foi quase sempre retribuída. "Foi o melhor lugar onde já trabalhei", diz Rubens Carvalho, ex-diretor comercial do SBT. O executivo, que também passou por Rede Globo e Band, foi para o SBT em 1983 e somou 12 anos de trabalho, em dois períodos. Foi Luciano Callegari, hoje afastado da televisão, quem o chamou. Contam que Callegari começou a trabalhar com Sílvio ainda jovem, quando se ocupava da recepção de correspondência na TV Paulista. Ao ver sua agilidade, Sílvio teve a ideia de contratá-lo para contar cartas no programa. Foi o primeiro passo da carreira que o levou à direção artística do programa.

Carvalho, prestes a assumir a área comercial da CargoBis, nova empresa de transporte de carga aérea, diz que gostava do estilo objetivo e amável de Sílvio, não apenas com empregados, mas também com as famílias. Certa vez, decidiu assumir a preparação e também a entrega das cestas básicas na casa dos empregados depois de descobrir que vários trocavam o tíquete por bebida no bar da esquina.

No SBT, Carvalho logo enfrentou o preconceito dos anunciantes em relação a uma emissora que recebia apelidos como "Sistema Bozo (o palhaço) de Televisão". Um dia, conta, na tentativa de vender anúncios para o Banco Real, ofereceu desconto de 60%. Sem sucesso, aumentou o abatimento para 70%, 90%... "E de graça?", questionou. O representante do banco ameaçou: "Se fizer isso eu te processo".

O episódio mostrou que chegara a hora de melhorar a programação, principalmente o noticiário. Não faltaram indicações. "Esse eu não quero e naquele não confio", reagia Sílvio. "Só aceito aqueles dois que me entrevistaram." "Tá louco? Eles não entendem nada de televisão. São de jornal", contestaram auxiliares. "Eles ou ninguém", decretou o dono da emissora.

Luiz Fernando Emediato e Marcos Wilson de fato não entendiam de televisão". Mas haviam encantado Sílvio com reportagem de duas páginas no Caderno 2 de "O Estado de S. Paulo". A aversão de Sílvio a repórteres era conhecida. E, à exceção das revistas de entretenimento, a imprensa não se interessava por histórias de um personagem considerado cafona, na linguagem da época.

"Mas estávamos dispostos a apostar em entrevistas improváveis", lembra Emediato, hoje no comando da editora Geração Editorial. Com uma "mãozinha" de Hebe Camargo, que elogiou Emediato, Sílvio telefonou para a redação certo dia, às 17h30. Convidou o jornalista para ir até sua casa, mas fixou o jantar com a família (19h em ponto) como limite para a entrevista. Levando em conta a necessidade de deslocamento, o tempo determinado pelo entrevistado estava longe do ideal para qualquer jornalista escrever uma grande história.

A dupla saiu com gravador e uma fita cassete. Jamais imaginaria que a prosa se estenderia até 1h30 da manhã. Não fosse o socorro de Íris Abravanel, esposa de Sílvio, que emprestou sete fitas, abrindo mão das músicas sertanejas ali gravadas, a histórica entrevista não teria sido gravada.

Para dirigir o jornalismo do SBT, em 1987, Wilson - hoje no comando de comunicação da Odebrecht - e Emediato impuseram: se o dono da emissora interferisse teria que pagar multa que equivalia a meio milhão de reais, em valores convertidos para a moeda atual. Sílvio aceitou e ainda ofereceu salários dez vezes maior do que eles ganhavam. O acordo foi cumprido. Ele não interferia, diz Emediato. Em 1989, Sílvio decidiu se candidatar à Presidência da República. "Ali também tivemos absoluta liberdade, mesmo com um patrão candidato", conta Emediato.

Do lado dos artistas, no entanto, alguns contratos terminaram sem afetividade. No meio artístico, é famosa a mania do apresentador de mudar horários dos programas repentinamente, o que também atrapalha nas negociações com anunciantes . Foram oito mudanças no horário do programa de Adriane Galisteu, segundo sua assessoria. A atriz Elke Maravilha, jurada durante sete anos, se queixa de ter recebido ordens para parar de dar nota dez aos calouros: "Sílvio dizia que eu atrapalhava o programa".

Mas a maioria tem mais a retribuir do que reclamar. As notícias sobre o PanAmericano entristecem os artistas mais antigos na emissora. O humorista Carlos Alberto da Nóbrega diz que uma antiga dor nas costas reapareceu no dia em que o Banco Central anunciou o buraco de R$ 2,5 bilhões no balanço do PanAmericano. "Passei três dias de cama." Bem que o médico o alertou que a dor era emocional.

A emoção aumenta no caso do humorista cuja própria história se confunde com a do Baú da Felicidade, uma criação de seu pai, Manuel da Nóbrega. Mas o estado de espanto e desalento é geral. O comediante Moacyr Franco, que chorou ao falar sobre o assunto, conta: "Nunca ouvi falar de um vacilo dele". César Filho, apresentador do "SBT repórter", diz que guarda todos os cartões que recebe de Sílvio.

Cartões personalizados de cumprimentos para os empregados são uma marca do empresário. Os textos são especiais, dizem. Também passou a ser um ritual dentro da empresa a trica de bilhetes. Os funcionários mais próximos mandam pedaços de papel ao patrão, dando ou pedindo conselhos. Sílvio manda a resposta no mesmo pedaço de papel. "Os bilhetes são uma marca na família", diz a esposa, Íris, que na semana passada até lançou um livro com o nome de "Recados disfarçados".

Os fãs também aderiram aos recados nessa fase de crise financeira no grupo. Conhecido como Ratinho, o apresentador Carlos Roberto Massa diz que tem recebido cartas de pessoas oferecendo os próprios bens, como automóveis, para ajudar Sílvio. Ele também tem histórias. Um dia, Sílvio o convidou para trabalhar no SBT antes do fim do seu contrato com a Record . Edir Macedo, dono da Record, aceitou negociar a multa, mas avisou que a conversa tinha que ser pessoalmente após o culto. Sílvio não teve dúvida: foi até a Igreja Universal e, depois de assistir ao culto, sozinho, conseguiu contratar Ratinho com desconto na multa.

Parece que a onda dos recados está longe de acabar. Na sexta-feira, quando esta matéria foi concluída, um dos entrevistados, Rubens Carvalho, mandou e-mail, pedindo para a repórter incluir o seguinte: "Todas as vezes que o Sílvio precisar de mim, estarei à disposição dele. Desde já, obrigado."