Título: A 3ª revolução industrial ainda não está à vista
Autor: Lessa , Carlos
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2010, Opiniao, p. A14

A versão realista de desenvolvimento socioeconômico sustentável se orienta para uma era cuja economia, produção industrial e vida social sejam baseadas na baixa emissão de carbono. Fórmulas tecnológicas que reduzam o desperdício de energia obtida de carbono, modos de vida que reduzam o consumo de energia, busca de combustíveis renováveis como o etanol de cana de açúcar e o aproveitamento de outras formas de energia, a exemplo do vento e das marés.

É previsível uma intensificação retórica sobre a necessidade de reduzir a emissão de carbono, seja pelo fantasma do aquecimento global, seja pela redução das reservas de combustíveis fósseis de carbono. A periferia dessa retórica, por exemplo, preconiza o automóvel elétrico e a redução de viagens urbanas diárias por habitante, principalmente na prestação de serviços onde é possível a divisão de trabalho mantendo-se o pessoal trabalhando, com os instrumentos de informática, em sua própria residência. Cadeias de serviços complexos podem ser "residencializados". O uso de rede de computadores permite a diminuição de movimentos, alterando a logística, de modo a reduzir o consumo de carbono na movimentação de pessoas e mercadorias.

Essa nova era exige uma 3ª Revolução Industrial e provocará, em escala ciclópica, a destruição das atuais bases produtivas e equipamentos domésticos. Schumpeter falou da destruição criadora como o modo histórico de evolução, em longo prazo, do sistema capitalista. É inquestionável a vantagem para a humanidade dessa 3ª revolução, que ampliará a sustentabilidade do homem a partir da organização social do consumo de baixo carbono. Obviamente, não será extinta a necessidade de combustível fóssil de carbono; continuarão sendo necessários petróleo, gás e carvão. O que a 3ª revolução industrial fará é reduzir a participação da energia fóssil no produto mundial.

Enquanto houver rentabilidade nas forças produtivas estruturadas pela 2ª revolução industrial, não estará aberto o caminho para a "destruição criadora". Itens periféricos poderão ser desenvolvidos, desde a rápida introdução de novas e mais eficientes formas de troca de calor até a reciclagem do lixo. O desperdício do descartado pela reciclagem reduz o consumo energético em um amplo espectro de itens obteníveis na "mineração" do descartado pela sociedade afluente. Isso é admissível e integrável nas bases da 2ª revolução industrial. Porém, pense o leitor qual seria a reação empresarial à sugestão de incorporar na produção fórmulas que aumentem a durabilidade dos produtos. Toda a lógica da 2ª revolução foi converter o durável em descartável: a joia, o relógio, a caneta e o isqueiro são exemplos. Imaginem aumentar a durabilidade, por exemplo, dos tecidos (até o século XVIII, as roupas de um personagem, quando falecido, faziam parte do seu inventário). Quando os hippies passaram a valorizar as roupas jeans usadas e descartadas, surgiu a estratégia de reproduzir, industrialmente, o aspecto "gasto", para a venda da nova "moda hippie".

O sistema capitalista resistirá de todos os meios e formas à introdução em massa dos procedimentos do baixo consumo de carbono. O único argumento que aceitará será o preço explosivo que irão assumindo todos os energéticos de carbono fóssil. Como ensinou David Ricardo, nada melhor do que dispor de uma fonte energética de petróleo que possa ser extraído a custos mais baixos do que os futuros custos de extraí-los de areias betuminosas, xistos betuminosos com petróleo oxidado, jazidas localizadas em zonas de mais difícil acesso.

O petróleo do pré-sal brasileiro será, cada vez mais, beneficiado por uma renda do tipo ricardiano, pois saberemos nós, brasileiros, reduzir os custos de produção do pré-sal e veremos o preço do petróleo subir para as alturas em função de sua crescente escassez. Melhor que ouro é petróleo cubado e disponível para a economia brasileira, que poderá evoluir suas forças produtivas utilizando essa energia para trabalho e renda dos brasileiros. Nada é pior, do ponto de vista estratégico, do que converter o Brasil em exportador de petróleo cru. Nada melhor que desenvolver as estruturas produtivas da 2ª revolução industrial civilizando-as com o tempero da durabilidade. O Brasil necessita se industrializar, pois 80% de nossa população é urbana e 50% é metropolitana. É um erro ecológico propor que o Brasil seja o "celeiro do mundo". O gado precisa do desmatamento para dispor de capim; o grão também exige a liquidação dos cerrados. Se a esse erro, que faz do Brasil um pífio exportador de produtos industriais, viermos a agregar a situação de exportador de petróleo cru, estaremos optando por um desastre e mergulhando na maldição dos países petroleiros quando se aproxima o esgotamento de seu "ouro negro". A Indonésia exportou a US$ 2 o barril de petróleo e, hoje, o importa a quase US$ 100; o México depredou suas reservas e Dubai foi à falência. Não farei referência à doença holandesa, porém, com o dólar hipervalorizado, vai ser difícil o Brasil produzir componentes industriais.

Acompanhei de perto os debates da sucessão presidencial. Não consegui perceber qual o projeto nacional brasileiro. Tudo indica que, pela ausência de referências ao desenvolvimento industrial, se converge para a ideia de que o Brasil poderá se desenvolver como "celeiro do mundo". Sobre o pré-sal, Dilma afirmou que "assim como o café financiou a industrialização brasileira, o petróleo do pré-sal pode financiar a transição do Brasil para uma economia com menor emissão de carbono" (Rumos, jul/ago 2010). Li, no mesmo veículo, que Serra sugere transformar o Brasil em uma verdadeira "potência ambiental", o que supõe o destino brasileiro como fornecedor de etanol. Marina acompanha essa sugestão.

O Brasil, como "celeiro do mundo", fornecedor de petróleo de alta qualidade e fortalecendo o plantio de cana-de-açúcar, não tem, nesse debate, lugar para o robustecimento da indústria, que é o setor gerador de emprego e renda de qualidade.

Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.