Título: Finlândia ilustra como o norte da Europa se mantém competitivo
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2010, Especial, p. A12

A Finlândia, país nórdico que integra a União Europeia, ganhou fama por ter produzido, no século XX, uma espécie de milagre econômico. Nas últimas décadas, o país ficou conhecido pela eficiência de sua economia e por possuir um avançado sistema educacional em um ambiente marcado por democracia estável e por políticas de bem-estar social. Como resultado, a Finlândia passou a liderar rankings internacionais em áreas como competitividade, educação e baixo nível de corrupção. Apesar dos bons resultados, surgiram desafios para manter o país competitivo no pós-crise face ao avanço de países emergentes como China, Índia e Brasil. O caso finlandês pode ser visto como um padrão válido para pequenas economias europeias bem-sucedidas. É possível incluir nesse grupo os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega), além de Bélgica e Holanda. "Em crescimento econômico, aparentemente, tamanho não importa", escreve Joel Mokyr no prefácio do livro "The Road to Prosperity" (O Caminho para a Prosperidade).

No livro, que discute a história econômica da Finlândia e o sucesso alcançado pelo país no século XX, Mokyr desenvolve o conceito das pequenas economias europeias bem-sucedidas. Acima de tudo, diz ele, o sucesso dessas economias se relaciona com o firme compromisso com mercados livres e com instituições políticas que operem corretamente. Esses países têm em comum o fato de serem economias abertas que possuem uma alta participação do comércio exterior em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Na Finlândia, a relação entre comércio internacional e PIB tem se situado acima de 40%. Em 2009, o país exportou cerca de 45 bilhões, com queda de 31% em relação ao ano anterior. A forte dependência das exportações em um cenário de retração do comércio mundial fez o PIB finlandês cair cerca de 8% no ano passado, o maior declínio na área do euro. As projeções para 2010 indicam um crescimento econômico de 3% a 4%.

"A Finlândia é um mercado pequeno, o que levou nossas empresas a competirem e se tornarem globais transformando-se em líderes em alguns setores", disse o ministro de Comércio Exterior e Desenvolvimento da Finlândia, Paavo Väyrynen. A Finlândia tem 5,3 milhões de habitantes e um PIB per capita de US$ 44,4 mil. Väyrynen falou com o Valor e com outros dois veículos brasileiros, no mês passado, na sede do Parlamento finlandês em Helsinque (conhecido como Eduskunta).

No dia da entrevista, os parlamentares discutiam em plenário o orçamento para 2011, cujo déficit projetado é de 8,3 bilhões, sendo grande parte a ser coberto por fontes externas, segundo noticiou o "Helsinki Times". Do lado de fora, estudantes protestavam pedindo mais recursos para a educação. A manifestação não deixou de ser curiosa aos olhos dos visitantes estrangeiros uma vez que o país tem justamente na educação um dos pilares de sua competitividade. Em 1880 - há 130 anos -, 98% dos finlandeses eram alfabetizados, afirmou Penna Urrila, economista sênior da Confederação das Indústrias Finlandesas.

O grande avanço na educação se deu nos anos de 1960 quando várias universidades foram criadas e cresceu o número de pessoas que tiveram acesso à educação superior. Mais recentemente o número de universidades foi reduzido, com várias instituições sendo agrupadas em uma só como no caso da Universidade de Aalto, em Espoo, na grande Helsinque. Um maior investimento em capital humano é uma tendência entre o grupo das pequenas economias europeias bem-sucedidas, acrescenta Joel Mokyr no livro que trata do sucesso econômico finlandês.

É preciso considerar, porém, que algumas das pequenas economias europeias que no passado recente poderiam ser incluídas no clube dos países "bem-sucedidos" enfrentaram grandes dificuldades na crise iniciada em 2008. É o caso de Portugal e da Irlanda, que, na semana passada, anunciou que o custo do socorro aos bancos do país poderá alcançar 50 bilhões, quase um terço do PIB irlandês.

Para Urrila, da Confederação das Indústrias, é preciso considerar que o modelo aplicado na Finlândia foi bem-sucedido graças a uma combinação de fatores, o que também ocorreu em outros países que tiveram sucesso econômico. Outra característica desenvolvida pelas pequenas e bem-sucedidas economias europeias é a habilidade de encontrar nichos em tecnologia avançada na qual possam estabelecer liderança de mercado.

O exemplo finlandês mais conhecido é o da Nokia, a fabricante de celulares com sede em Espoo, empresa considerada uma instituição nacional na Finlândia. A empresa inovou e foi líder do mercado de telefones celulares durante muito tempo. O curioso é que a Nokia, assim como a Finlândia, discute mudanças para garantir a competitividade futura em uma transição que lhe permita enfrentar o crescimento do iPhone, da Apple, e do Blackberry, da RIM. A Nokia mudou o presidente e, pela primeira vez, nomeou um estrangeiro, o canadense Stephen Elop.

Urrila admite que é possível fazer uma divisão entre o norte e o sul da Europa e, nesse contexto, há que se reconhecer que os países menores do norte estão se saindo melhor, embora não se possa esquecer que há casos de grandes economias, como a Alemanha, que reagiram bem à crise e tem empresas exportadoras fortes.

Também é preciso considerar a importância de ter boas instituições, como indicou Joel Mokyr. A Finlândia é uma democracia desde 1918 (a independência da Rússia foi declarada em 6 de dezembro de 1917) e conta com um Estado funcional que garante estabilidade a pessoas físicas e jurídicas. Desde as décadas de 1970 e 1980, o país dispõe de uma infraestrutura logística que cobre o seu relativo vasto território para os padrões europeus (a Finlândia é um pouco maior do que a Noruega e um pouco menor do que a Alemanha ou a Suécia).

Outro ponto importante para a competitividade finlandesa é a inovação, processo pelo qual o conhecimento e a eficiência são transformados em aplicações práticas. Um fatores de sucesso da Finlândia tem sido o alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em 2009, os gastos em P&D corresponderam a 3,92% do PIB. Desde 2003, o investimento em P&D se mantém acima de 3% do PIB. Esses investimentos colocaram a Finlândia, nos últimos dez anos, entre os três primeiros países em termos de tecnologia de ponta junto com Suécia e Israel, comparou Urrila.

"Muitos dos princípios programáticos e financeiros que executamos nos últimos 30 anos têm sido incentivados por cooperação entre academia, empresas e governo", diz Petri Peltonen, diretor geral do departamento de inovação do Ministério de Economia e Emprego da Finlândia.

Jari Ojala e Petri Karonen, que escrevem sobre negócios no livro sobre a história econômica da Finlândia, dizem que a cooperação foi a chave para que um país de localização remota, formado por uma população esparsa e dependente de determinados setores exportadores, pudesse sobreviver e crescer.

Uma das perguntas que surgem neste momento é como a Finlândia e outros países europeus podem se manter competitivos frente às economias emergentes mantendo seus sistemas de bem estar social? É uma pergunta para a qual não existe resposta simples.