Título: Câmbio ameniza alta mais forte de preços no atacado
Autor: Villaverde ,João
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2010, Brasil, p. A3

O câmbio entrou em cena no controle da inflação. Depois de passar os primeiros oito meses do ano oscilando em torno de R$ 1,80, o dólar derreteu 5,1% do início de setembro até agora, atingindo R$ 1,66 ontem. Com isso, passou a tornar mais baratas as mercadorias e matérias primas compradas do exterior, ampliando a queda de preços dos importados de preços baixos, como o aço, e compensando a alta daqueles que estão em alta, como trigo. A alta de 1,15% do Índice Geral de Preços-10 (IGP-10) em outubro poderia ter sido maior, caso o câmbio mantivesse o patamar de R$ 1,80. O efeito da valorização do real fica claro no atacado, que registrou uma elevação mais suave em outubro do que registrara no mês anterior.

"Não se pode dizer que o câmbio é o fator primordial na formação de preços, mas sem dúvida nenhuma ele entrou no radar da inflação pela primeira vez no ano", diz Salomão Quadros, coordenador dos IGPs da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para Quadros, a tendência é de "que o real continue se valorizando", independentemente das medidas do governo, uma vez que há enorme liquidez global diante das reduzidas taxas de juros em países ricos como Estados Unidos e Japão. Com crescente ingresso de capital no Brasil, a moeda deve continuar caindo e, com isso, diz Quadros, "favorecendo o combate da inflação, ainda que, no caminho, isso incomode à indústria".

Pesquisado entre o dia 11 de setembro e 10 deste mês, o IGP-10 de outubro teve seu principal componente, o Índice de Preços no Atacado (IPA), que responde por 60% do IGP, passando por elevação de 1,51% - inferior, no entanto, aos 1,63% registrados em setembro. A alta foi praticamente toda concentrada nos preços agrícolas, que registraram alta de 5,54% em outubro - um avanço dois pontos percentuais superior ao verificado no índice de setembro.

"O efeito do câmbio fica claro diante do avanço das importações, que crescem na casa dos dois dígitos na comparação anual, lembrando que em igual período de 2009 as importações já cresciam forte, então a base de comparação é alta", diz Fábio Ramos, economista da Quest Investimentos. Levando em consideração o período em que foi coletado o IGP-10, a valorização do real foi de 4%. "Essa valorização tem um impacto direto sobre os bens industriais, especialmente sobre os intermediários, cujos preços no mercado internacional estão em baixa", diz.

Dentre os bens intermediários no atacado, os materiais e componentes para manufatura inverteram de sinal em apenas um mês. Passaram da alta de 0,4% em setembro para uma pequena deflação de 0,03% em outubro. Estão inseridos neste item produtos como celulose, siderúrgicos e fertilizantes. O item celulose teve forte deflação no IGP-10, com queda de 5,51%, aprofundando o movimento iniciado no mês de setembro, quando registrou menos 0,27%.

Além disso, ressalta Quadros, da FGV, "todos os produtos da cadeia siderúrgica estão em queda, e parte considerável disso é devido ao câmbio, que amplia os efeitos dos cortes de preços promovidos pelas grandes siderúrgicas internacionais, que buscam a todo custo um mercado consumidor". Em outubro, os preços dos produtos siderúrgicos caíram 2,14%, ampliando a queda de 1,27% apontada pelo IGP-10 de setembro.

O repasse ao consumidor, no entanto, não é direto. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que representa 30% dos IGPs, registrou alta de 0,55% em outubro, puxado, principalmente, pela elevação de 1,07% dos alimentos. "O repasse, nos alimentos, é mais direto, principalmente porque são estes que estão pressionados no mercado internacional", diz Quadros, para quem a valorização cambial tem efeito de amortizar a alta das commodities agrícolas. Para ele, a alta dos alimentos, no atacado, deve atingir seu ápice em outubro, arrefecendo em seguida.

A avaliação de Quadros, da FGV, é corroborada pela elevação de 0,65% registrada pelo IPC-S mais recente, de 15 de outubro. Por avançar cinco dias em relação ao IPC do IGP-10, o IPC-S aponta que a elevação dos alimentos continua atingindo o consumidor - o item alimentação passou por alta de 1,45%, que mais que dobrou frente a alta de 0,63% registrada no IPC-S de 22 de setembro.

No varejo, diz Ramos, os preços de bens industriais estão comportados, incluindo a alta no vestuário, que é sazonal. "Ao consumidor a alta de preços fica concentrada mesmo nos alimentos", diz. Itens como o feijão, básico na mesa do brasileiro, registraram salto de 42% no atacado e 17,7% no varejo, segundo o IGP-10 de outubro.