Título: Mais difícil do que parecia
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 04/08/2010, Investimentos, p. D1

A BM&FBovespa decidiu estender o prazo de votação da reforma do Novo Mercado e dos Níveis 1 e 2 de governança por mais um mês. As companhias terão agora até 8 de setembro para aceitar ou rejeitar as sugestões para a mais profunda revisão já proposta para o segmento, criado há dez anos. O aumento desse prazo, que terminaria na sexta-feira, é reflexo direto de uma surpreendente dificuldade de aceitação das mudanças na reta final do processo. A bolsa está agora empenhada numa força-tarefa para conversar privadamente com empresas e investidores institucionais relevantes na tentativa de garantir a aprovação.

"Ainda existem temas que não foram totalmente entendidos pelas empresas e precisam ser adequadamente avaliados pelos conselhos de administração. Esse tempo extra vai ser importante para essa análise", disse Armínio Fraga, presidente do conselho de administração da BM&FBovespa, em entrevista ao Valor. Ele está pessoalmente empenhado no processo.

Além disso, ainda hoje, no fim do dia, a bolsa deve soltar esclarecimentos adicionais sobre as sugestões. "Será uma produção de texto em formato de perguntas e respostas para facilitar o entendimento", contou Fraga. A diretora de relações com empresas da bolsa, Cristiana Pereira, afirmou que também estão sendo feitos contatos espontâneos com as companhias, oferecendo informações.

Até o momento, apenas sete empresas do Novo Mercado enviaram seus votos à bolsa, além de duas listadas no Nível 2 e três, no Nível 1.

Apesar de ter passado mais de um ano e meio conversando privadamente com as empresas do Novo Mercado e ter flexibilizado o projeto inicial, a bolsa viu surgir de última hora uma inesperada resistência das companhias. Algumas tentam, inclusive, se articular nos bastidores para alcançar o número mínimo necessário para bloquear as alterações propostas.

No Novo Mercado, caso 35 votos rejeitem a sugestão, não haverá mudança do item negado. Está nas mãos de um grupo pequeno a evolução do segmento mais importante da bolsa, que permitiu a revitalização do mercado de capitais brasileiro como fonte de recursos. Foram 125 aberturas de capital desde a criação do espaço diferenciado, com mais de R$ 200 bilhões captados.

Entre os itens de maior rejeição está a oferta obrigatória a todos os acionistas quando um investidor ou grupo organizado alcançar 30% de participação em uma empresa. A regra é inspirada no modelo da diretiva existente na União Europeia.

Inicialmente, a BM&FBovespa pensava em colocar a norma para todas aquelas que não possuem um controlador definido e, com isso, já padronizar os estatutos das companhias - que ficaram diferenciados pelas pílulas de veneno adotadas caso a caso.

Contudo, depois da resistência das companhias, a proposta final é de que somente aquelas que não têm controlador nem pílula de veneno própria terão de adotar a norma, além daquelas que abrirem capital após a aprovação do novo regulamento.

"Aceitamos perder em simplicidade, na busca pela melhoria do Novo Mercado", disse Fraga, ciente da coexistência de empresas com normas diferentes para ofertas em caso de aprovação da revisão.

Supostamente, tal flexibilização teria garantido a atualização do Novo Mercado para um cenário de aumento do número de empresas de capital disperso em bolsa, não previsto na Lei das Sociedades por Ações. Hoje, há cerca de 40 companhias em que o grupo mais forte de acionistas não têm 51% do capital votante. Poucas, entretanto, têm as ações pulverizadas entre muitos acionistas, como nos Estados Unidos e na Inglaterra.

"Esse é um dos pontos mais importantes dessa mudança", enfatizou Fraga. "Será um sinal muito ruim para o mercado se essa proposta não passar. É possível que essa norma faça as vezes de um takeover panel", comentou ele, lembrando do Comitê para Fusões e Aquisições, inspirado no modelo inglês, em estudo pelas entidades brasileiras de mercado.

Mas a proposta final não foi suficiente para as empresas, que continuam a pensar no voto de acordo com suas necessidades ou de um grupo de acionistas. Elas temem que os investidores de mercado, após a reforma, pressionem pela adesão à norma nova e pela retirada da pílula original. Aproximadamente metade das empresas do Novo Mercado tem pílula.

"É uma ilusão pensar que isso depende da revisão do Novo Mercado. Essa pressão [pela retirada ou flexibilização das pílulas] já existe hoje", afirmou Marcos Duarte, sócio da gestora carioca Polo Capital, tradicional ativista, para quem a reforma é de grande relevância para evitar decepções. "É muito egoísmo a companhia votar olhando apenas para si."

Segundo o Valor apurou, mesmo as empresas que possuem pílula de veneno ou até controlador estão resistentes. Nesse grupo, um nome citado recorrentemente é o da BRF-Brasil Foods. Os fundos de pensão, liderados pela Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), estão à frente dos negócios. Juntos e organizados num acordo apenas de voto, eles detinham 28,5% do capital após a combinação entre Perdigão e Sadia. Nesta semana, a fundação Petros (da Petrobras) ampliou sua fatia de 8,5% para 10%. Com isso, o grupo alcançou 30% do capital.

Procurada, a companhia limitou-se a afirmar que está avaliando as mudanças e não quis comentar o assunto, alegando período de silêncio por conta do balanço. A Previ também não comentou suas impressões sobre a proposta da bolsa. Outras empresas em que a fundação está no bloco de controle ou de maior influência também estão preocupadas com a reforma.

Uma das fontes de preocupação com a regra dos 30% sugerida pela bolsa é que a oferta obrigatória não prevê prêmio, apenas garante que seja pelo maior preço pago pelo comprador em mercado nos últimos 12 meses. Para as empresas com pílulas que preveem prêmios elevados em seus estatutos, isso seria uma facilitador para a formação de grupos rivais de influência.

"Seria frustrante depois desse tempo todo se esse item não passasse", ponderou Pedro Rudge, sócio da Leblon Equities. "Muitas companhias não perceberam o potencial maléfico de algumas pílulas de veneno. O mercado terá de passar por uma experiência ruim para entender isso."

Caso a revisão não seja aprovada com a inclusão da oferta dos 30%, acionistas de empresas que não possuem controlador podem assistir à formação de um novo controle sem terem saída, a não ser vender no mercado os papéis.

Mas esse não é o único item que vem enfrentando resistência: as regras que obrigam a separação entre os presidentes do conselho e executivo e a adoção de um comitê de auditoria também conquistaram antipatia, apesar do prazo de três anos para adaptação.

Como pressão, a BM&FBovespa tem em suas mãos o fato de os votos serem abertos. A expectativa é que as companhias apenas exponham sua oposição caso consigam, de antemão, coordenar a rejeição. Elas sabem que esse posicionamento será acompanhado de perto pelos investidores, em especial os dedicados à governança.

Isabella Saboya, da gestora Jardim Botânico Investimentos, conta que havia sugerido essa abertura desde o começo e que estará atenta ao posicionamento das companhias. "A bolsa já fez diversas concessões. É difícil crer que ainda possa existir divergência."