Título: Ainda sobre o debate da desindustrialização no país :: Guilherme Lichand e Paulo Gala
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2010, Opinião, p. A15

A controvérsia sobre a desindustrialização no país continua, especialmente nos últimos meses, em que se observou nova rodada de apreciação da moeda brasileira e deterioração acelerada de nossas contas externas. Várias são as perspectivas possíveis para se observar e se medir esse fenômeno. Este breve artigo procura contribuir para o debate apresentando evidências alternativas da perda de dinamismo da indústria brasileira nos anos 80 e 90 a partir de dados de produtividade da manufatura do Groningen Growth and Development Center (GGDC) - vinculado à universidade de Groningen, na Holanda -, que compila uma série de indicadores de desenvolvimento comparado.

Disponíveis a partir de 1950 para dez países asiáticos, nove latino-americanos e nove europeus, além dos EUA, os dados para Ásia e América Latina são baseados em Marcel P. Timmer and Gaaitzen J. de Vries (2007), "A Cross-Country Database For Sectoral Employment And Productivity In Asia And Latin America, 1950-2005", GGDC Research memorandum GD-98, Groningen Growth and Development Centre, August 2007; para Europa e EUA, os dados são baseados numa atualização de Bart van Ark (1996), "Sectoral Growth Accounting and Structural Change in Post-War Europe", em B. van Ark and N.F.R. Crafts, eds., "Quantitative Aspects of Post-War European Economic Growth", CEPR/Cambridge University Press, pp. 84-164.

Segundo os dados do GGDC, o Brasil, antes líder indiscutível de produtividade da manufatura entre os emergentes - inclusive tinha consolidado essa posição entre 70 e 80 - passa a perder espaço a partir de 1980, sendo ultrapassado pela Coreia do Sul nos anos 1990, e pelo Chile em 2000. Mais do que isso, a dinâmica da variável é de estagnação nos últimos 30 anos - situação idêntica a de grande parte dos países latino-americanos - enquanto novos emergentes como Malásia e Tailândia vêm apresentando ganho de dinamismo consistente ao longo do tempo, sobretudo em termos percentuais, conforme ilustra o gráfico.

Algumas observações são úteis. Em primeiro lugar, o ideal para uma conta mais exata seria utilizar medidas de produtividade total dos fatores (TFP), em vez da razão entre valor agregado e trabalho no setor, para auferir a produtividade da indústria. Dados de Muendler* (2004) para o período 1986-1998 confirmam, no entanto, comportamento extremamente similar da TFP calculada a partir de dados da PIA para 27 setores da manufatura. Em segundo lugar, o resultado poderia dever-se a uma mudança de composição dentro da manufatura, no sentido de setores menos capital-intensivos terem ganhado participação, de modo que a produtividade calculada diminuiria sem contudo refletir maior defasagem tecnológica.

Entretanto, dados do Banco Sidra do IBGE para produção a partir de 1991 não parecem indicar um gradiente claro de mudanças de intensidade média de capital na indústria, a não ser por um ganho de participação da indústria extrativa, que passa de aproximadamente 26% em 1991 a 34% em 2009. Ainda que essa indústria seja potencialmente menos capital-intensiva - e ainda que o ideal fosse replicar esses mesmos cálculos para os demais países em desenvolvimento -, a dimensão do aumento do gap de produtividade em relação a EUA e Coreia do Sul é tão dramática que não é razoável que essa mudança de composição explique nem mesmo a maior parte da dinâmica.

Suponha que em uma economia, num dado período, a participação da indústria no PIB se mantenha constante ou mesmo aumente, mas por outro lado a produtividade do setor em relação aos principais mercados com quem realiza trocas apresente crescente defasagem. Para os economistas que definem desenvolvimento econômico como aquisição de tecnologias, "upgrade" estrutural e aumento de produtividade, segue que um movimento desse tipo seria prejudicial ao desenvolvimento, pois o processo deixaria o país mais distante da fronteira tecnológica. Ou seja, tratar de desindustrialização apenas como uma medida simples de participação da indústria no PIB pode ocultar dinâmicas perversas e ainda mais problemáticas em curso no país. Essa perspectiva pode não dar conta do elemento mais relevante para compreender os impactos da estrutura produtiva no processo de desenvolvimento econômico, a saber, o aumento da produtividade e a aquisição de novas tecnologias. O crescente gap da produtividade da manufatura em relação às principais economias com quem o Brasil realiza trocas deveria também ser fonte de preocupação dos economistas que se debruçam sobre o tema.

* Muendler, Marc Andreas, 2004. "Trade, Technology, and Productivity: A Study of Brazilian Manufacturers, 1986-1998," CESifo Working Paper Series Nº. 1148, CESifo Group Munich.

Guilherme Lichand é bacharel em Economia pela FGV-EESP e mestrando em Economia na PUC-Rio