Título: O efêmero e o perene na cena política
Autor: Melo , Carlos
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2009, Opinião, p. A12

Algumas idéias nascem, morrem, não vingam; igarapés de rio intermitente, damas-de-uma-noite-apenas. Já outras questões tendem ao perene - ou, pelo menos, àquilo que história e política permitem ser perene. Efêmero e constante convivem e contrastam no sobe-e-desce das recentes pesquisas eleitorais; avanços consolidados se defrontam com o incerto do momento, num jogo de tensões. Conjunturalmente, se diz que "se a eleição fosse hoje.." José Serra estaria eleito, Ciro Gomes teria consideráveis chances e a candidatura de Dilma Rousseff teria ido pelo ralo. Mas, a eleição não será hoje e nem amanhã, ainda.

O fato hoje é que o governador paulista ainda é apenas o mais conhecido e o mais persistente dos candidatos. Protagonista das mais importantes disputas desde 2002 possui qualidades, recursos e ponteia qualquer levantamento que se faça. A vitória eleitoral, na eleição municipal de 2008, fez com que seus adversários mais incômodos capitulassem. Dificilmente, perderá entre tucanos, ainda que Aécio Neves seja da estirpe da conversa e da articulação calada. Para seus próprios padrões, Serra tem operado bem a diversidade e evitado deslizes; conta com extraordinária máquina que lhe dará realizações e visibilidade.

Mas eleição nada tem a ver com predestinação. O obstinado Serra pode ir longe, mas sua eventual eleição não será um passeio. Máquina, poder, disposição e uma paciência inédita não bastam. O Diabo são os outros.

Para ampliar suas chances, Serra precisará solapar e canibalizar Lula nos estados; contrapor o PMDB ao PMDB, ganhar mais tempo de TV; embaralhar as peças do plebiscito que Lula montava e acautelar-se de Ciro Gomes, seu antípoda, que mais duro e sem dó bate. Se pudesse, melhor seria vestir o figurino "serrinha paz e amor", como Lula em 2002. Mas, Ciro e Dilma tendem ao acordo. No mais, falta-lhe um discurso nacional, uma proposta econômica clara, uma crítica contundente e popular a Lula, como também a confiança do setor financeiro. Terá que dizer claramente ao que virá; e ainda não disse.

No que se refere aos demais, Ciro foi fotografado pelas pesquisas em seu melhor momento e Dilma no seu pior. O deputado vinha de competente programa de TV; de uma boa rinha com o PMDB e de um clima em que o PT o elogiou para além da medida. Tem emplacado um eficiente discurso de apoio a Lula, às conquistas do governo, sem, no entanto, se prender às amarras do PT e do PMDB, saturados com os eleitores. Em alta, seu movimento é de expansão. Mas, como garantir tempo de TV, palanques e recursos até o fim campanha, além de um inabitual comedimento?

A ministra, por sua vez, vivia o inferno astral: o abraço de urso de Sarney; a desinteligência com Lina Vieira, tão difícil de explicar; a defecção de Marina Silva, colocada na sua conta; a residual desconfiança quanto ao câncer; o carisma pouco. Mas, as pesquisas demonstram que a popularidade de Lula vai alta, o governo tem apoio e que, sobretudo, há confiança no ar; otimismo quanto à economia e ao futuro, num crescimento tendente ao notável. Copa do Mundo, Olimpíadas, país do futuro e o - sintomaticamente mais lembrado programa governamental- o Pré-sal.

Lula transferirá votos? Justo imaginar que, na montanha que possui, não. Mas se o fizer pelo menos 50% - com 4 ou mais candidatos na parada - será o suficiente para colocá-la no segundo turno, disputando o plebiscito de seus sonhos. Enfim, nem Ciro está tão bem, nem Dilma tão mal, nem Serra tão garantido; sem mencionar, é claro, Aécio e Marina que não estão mortos.

Claro está que, afora Aécio, independente de nuances de estilo, os presentes candidatos têm características semelhantes: personalidade elevada, momentos de ira, ideologia de esquerda mais demarcada e pouca contemporização com a crítica. São os avessos de FHC e Lula, que, bem ou mal, trouxeram o Brasil à atual condição.

A crise financeira e econômica internacional, pela ausência de Estado que nela se identificou, dá aos candidatos ainda mais força e vontade de intervir; tendência a regular e disposição para defender um estado mais atuante. O Pré-sal - que ressuscita o ufanismo - serve-lhes como mote; a inexorável participação do PMDB e sua voracidade, como desculpas. Enfim, tudo isso parece apontar para um Estado maior mais gastador, nem por isso mais eficiente.

Resta um apelo ao perene: a estabilidade econômica. Sua manutenção se contrapõe ao resto com considerável força. Ao longo desses anos, a contenção da inflação e a distribuição de renda advinda disto transformaram-se em extraordinário ativo político-eleitoral, o que torna o cuidado com a moeda, mais que um princípio econômico, um imperativo político pragmático.

Todavia, a inquietação está no ar: como um estado maior, mais interventor e "protagonista" pode, ao mesmo tempo, garantir esse clima de crescimento e a estabilidade econômica; como pode, com maior intervenção, definir regras e incentivos claros? Os ovos ainda estão na galinha: o imaginado e desejado aumento de arrecadação, via crescimento, é solução para a equação; o resto se decide na administração de lobbies e pressões. Os americanos chamam isso de "Wishful Thinking".

Outra possibilidade, claro, seria promover ajustes e reformas. Mas, a tese não tem amparo na lógica do Estado Forte e na inevitabilidade de ceder a pressões de todo tipo, corporativas inclusive. Além de nada disso se viabilizar na inexistência de um sistema político capaz e disposto a reformar a si próprio.

Monitorando "desenvolvimentistas" com a "autonomia" do Banco Central, Lula operou a ambigüidade e chegou ao meio termo. Sua extraordinária popularidade - alimentada pelos benefícios da estabilidade - conteve companheiros e aliados. Funcionou com Lula; funcionaria com Serra, Ciro ou Dilma? O Ciro indica que não. Entre o intermitente e o perene, as dúvidas são os espécimes que mais florescem na estação; damas-da-noite exalam seu olor fugaz, tão irresistível quanto perturbador.

Carlos Melo é cientista político, Doutor pela PUC-SP, professor de Sociologia e Política do Insper - Instituto de Ensino e Pesquisa; autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".