Título: Argentina supre país de radiofármacos
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/08/2009, Brasil, p. A5

A Argentina tornou-se a principal alternativa para o Brasil enfrentar uma crise de abastecimento que poderá agravar-se no próximo ano: pouco mais de 5 mil pacientes com suspeita - ou em tratamento - de moléstias graves, como câncer ou doenças cardíacas e renais, deixam de receber diagnóstico diariamente, por falta de radiofármacos, elementos químicos radioativos usados nos procedimentos. A crise foi provocada pela paralisação na produção do Canadá, principal fornecedor do Brasil. A Argentina vem cobrindo parcialmente a demanda não atendida pelos canadenses.

"Pelo menos 200 mil pessoas deixaram, desde maio, de fazer tratamento e diagnóstico com radiofármacos", calcula o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Guilherme Camargo. Dono da sexta maior reserva de urânio do mundo, o Brasil não dispõe de reator para testes científicos - como o usado para produção dos radioisótopos para a medicina nuclear - e importa US$ 32 milhões por ano em molibdênio 99, a partir do qual se obtém o radiofármaco usado nos exames.

A construção de um reator no Brasil é a única forma de afastar definitivamente o risco do "apagão" no setor, defendem os pesquisadores. O custo de construção está estimado em cerca de R$ 1 bilhão e, no governo, acredita-se que a Argentina é o país mais bem qualificado para vencer a licitação para construção do equipamento, ainda sem data para lançamento. Rússia e África do Sul são outros candidatos potenciais, mas o acordo de cooperação na área nuclear firmado com a Argentina tem estreitado os contatos entre pesquisadores e facilitado a troca de experiências e ajuda durante a crise.

A Argentina tem um reator que garante produção para a demanda doméstica, mas, desde maio, quando se interrompeu o fornecimento canadense, os argentinos fornecem um terço do que o Brasil necessita. Há negociações para ampliar o fornecimento, mas isso depende de investimentos, e o país vizinho pede garantia de demanda por parte do do Brasil. O governo busca também ajuda do Peru.

A carência dos radiofármacos, produtos de um mercado que gera cerca de US$ 4 bilhões anuais no mundo, foi provocada por problemas no gerador da empresa canadense Nordin e pelo fracasso da mesma empresa, por problemas de projeto, em fazer funcionar outros dois geradores, que pretendia usar a partir deste ano. A crise teve repercussão no preço dos radiofármacos e gerou aumento de até 70% no custo dos procedimentos, segundo reclamações das clínicas e hospitais, que reivindicaram ao governo reajuste nas tabelas de exames, como a cintilografia, do Sistema Único de Saúde (SUS).

Após reunião, em Brasília, na semana passada, o Ministério da Saúde decidiu, na segunda-feira, reajustar os exames e exigiu reforço de R$ 24 milhões no orçamento do SUS. Segundo o presidente do Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Odair Dias Gonçalves, o governo deve destacar entre R$ 30 milhões a R$ 40 milhões, nos próximos seis meses, para a fase de elaboração do projeto do chamado "reator brasileiro multipropósito", um reator de tamanho médio, de 30MW (Angra 1 tem cerca de 600 MW), que se destinará à produção de radiofármacos e testes com materiais.

No setor de medicina nuclear há menos otimismo em relação à construção dor reator, projeto que já esteve nos planos do governo há dez anos, foi arquivado e agora consta do Programa de Aceleração do crescimento (PAC), mas sem previsão de verbas no orçamento para 2010. Iniciado hoje, o reator estaria construído até 2015.

"Já houve uma crise, em 2007, no abastecimento de radioisótopos, quando o reator canadense teve seu primeiro problema", lembra Camargo, da Aben. "Com essa nova crise, é importante mostrar que não pode haver mais defasagem entre a intenção de construir e a ação." Segundo Nilson Dias Vieira Júnior, superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), seriam necessários R$ 55 milhões para manter a equipe dedicada à elaboração do projeto do reator.

Vieira Júnior comenta que os argentinos têm capacidade técnica e podem fornecer partes importantes do reator, mas ele deve ter componentes fabricados no Brasil, pelo Ipen. Segundo ele, o Brasil já é um país bem posicionado em matéria de tecnologia nuclear, com as reservas e com o domínio completo do ciclo de enriquecimento do urânio. "Para consolidar a medicina avançada no SUS, temos de dominar esse ciclo. É tão estratégico quanto controlar a produção de vacina contra a gripe", compara.

Sem os radiofármacos, pacientes com maior renda podem apelar para métodos mais modernos, mas de maior custo. Já os demais são obrigados a recorrer a métodos de diagnósticos antigos, menos precisos, o que atrasa decisões importantes para a sobrevivência dos doentes.