Título: Empresas brasileiras precisam investir mais em governança
Autor: Angelo Pavini
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2006, EU &, p. D2

Estratégia Especialista em gestão de investimentos, Aswath Damodaran critica existência de ações preferenciais

O especialista em investimentos e professor da New York University Aswath Damodaran conhece bem os problemas do mercado brasileiro. Como acionista da AmBev, ele não ficou nada satisfeito ao saber que suas ações preferenciais não teriam direito ao prêmio de controle quando houve a fusão com a belga InterBrew. A separação entre acionistas de primeira e segunda classe é um dos principais pontos que ele acredita que prejudicam o investimento no país. Em visita ao Brasil na semana passada, Damodaran, que terá seu livro "Mitos de Investimentos" lançado no Brasil em maio, pela editora Pearson Education com o selo Financial Times/Prentice Hall e Valor Econômico falou sobre estratégias de investimento, gestão de fundos e quais os riscos dos mercados mundiais.

Valor: O senhor vê o risco de uma crise global nos mercados? Aswath Damodaran: A diferença entre os mercados hoje está na forma como estão vinculados. Há 20 anos, falávamos de Brasil, Índia, Rússia, Estados Unidos, Alemanha como cinco diferentes mercados. Hoje eu não estou seguro mais aonde um começa e outro termina. Você tem traders operando em São Paulo de Nova York. Há um lado bom, que agora fazemos parte de um só mercado financeiro internacional. O lado ruim é que crises em qualquer parte do mundo se tornam crises do mundo inteiro. Claro que, se o Brasil entrar em crise, o impacto global vai ser relativamente menor do que uma crise na Alemanha, pelo que cada um representa na economia mundial. Mas o problema é que as crises hoje são como a gripe aviária, não há como contê-las. O lado bom é que, com todo esse dinheiro entrando e saindo dos mercados, eles estão mais saudáveis, não há crises causando o derretimento de todo um mercado. Na recente crise de 2002 do Brasil, tinha brasileiros tirando dinheiro daqui enquanto outros de outros lugares aproveitavam para comprar. A conexão dos mercados tornou-os mais fortes e também mais vulneráveis a crises globais, pois todos reagem ao mesmo tempo.

Valor: Mas não há o risco de uma crise com a alta dos juros ou da economia americana? Damodaran: Eu não vejo uma grande crise econômica na esquina. Mas podem ocorrer crises econômicas localizadas, uma vez que os juros estão muito altos, os preços dos imóveis estão altos e a inflação está muito alta, especialmente nos Estados Unidos. O maior perigo para a economia mundial seria um problema político na China. Muito do crescimento mundial vem da China e, se houver um problema político sério, haverá impacto em todo o mundo.

Valor: Político, não econômico? Damodaran: Sim, mas o risco político logo se torna risco econômico. Porque a China hoje se vende como um país estável, onde o governo sabe dizer exatamente o que está acontecendo. Se essa promessa não for mais possível de ser entregue, e o governo não estiver mais no controle, isso pode levar a uma crise séria. É uma forma interessante de se pensar em democracia versus ditadura. O Brasil nunca poderia fazer as promessas que a China faz porque, na democracia, se o governo que fez as promessas perder, o novo governo pode mudar as promessas. Na democracia você tem uma série de mudanças contínuas, mas você tem as regras básicas. Nas ditaduras as mudanças representam uma descontinuidade forte, que destrói o sistema. A questão mais interessante é em 50 anos, com que sistema elas estarão trabalhando. Eu realmente não sei. Na minha perspectiva, eu prefiro lidar com mudanças contínuas do que com mudanças imprevistas.

Valor: A China pode se tornar uma democracia? Damodaran: É possível, mas não sem uma um processo doloroso. Especialmente em um país sem experiência de democracia, como é o caso da China. Vai ser uma transição difícil para um país que nunca foi uma democracia, com 1,3 bilhão de pessoas exercendo seus direitos.

Valor: E o confronto no Oriente Médio, representa uma ameaça? Damodaran: É um risco que temos adiante. Um grande ataque terrorista, especialmente contra o mercado de óleo, na Arábia Saudita pode fazer disparar o preço do petróleo, para US$ 100 o barril. E a economia global tem sido incrivelmente resistente à alta do petróleo. Eu creio que esse tipo de risco existe, pode provocar choques no sistema financeiro mundial, mas ele é muito grande e resistente para se recuperar relativamente rápido.

Valor: Como o senhor vê as principais economias desenvolvidas? Damodaran: Não acredito em recessão nos Estados Unidos por conta da explosão da bolha imobiliária. É mais provável que haja perdas para os investidores nesse mercado, mas o país deve continuar crescendo, voltando aos níveis históricos, mais perto de 2,5% do que 4% ao ano. No Japão eu acho que desta vez as chances são grandes de uma retomada, a melhor oportunidade desde 1988. Mas eu acho que isso vai depender muito de a China continuar a crescer. Já a Europa, eu não sei a que conclusão chegar. Apesar de os juros estarem nos menores níveis, a economia parece exausta. Eu acredito que o grande problema da União Européia é o subsídio entre os países, que desestimula os trabalhadores e as empresas ao custear governos que gastam demais.

Valor: E sobre Brasil e outros emergentes? Damodaran: O problema é que China e Índia estão absorvendo tanta energia dos mercados emergentes que o restante dos países se sentem um pouco deixados para trás. Coletivamente os mercados emergentes estão mais saudáveis, porque os maiores, Índia e China estão saudáveis. Mas olhando individualmente, alguns mercados estão piores do que há dez anos em termos de alocação de investimentos. E isso pode ser positivo porque muita atenção, muito foco em um país pode provocar pânico em caso de problemas. Hoje o Brasil é mais um mercado emergente para diversificação do que um mercado primário para os investidores internacionais.

Valor: O que fazer para atrair mais recursos? Damodaran: Os mercados emergentes pensam que, se a economia está indo bem, todos correrão para comprar suas ações. Mas eles estão subestimando a importância da governança corporativa. Na China, as regras são completamente instáveis, e quem comanda a empresa é alguém ligado politicamente ao governo e não há nada que você possa fazer. Eu penso que a Rússia tem o mesmo problema. Enquanto a governança corporativa não for respeitada, esses são países onde eu não coloco meu dinheiro. No Brasil, há o problema das ações preferenciais, sem direito a voto, que acredito que é um desserviço para o mercado. Ter ações com direito a voto nas mãos de pequenos grupos que controlam as empresas reduz o interesse pelos papéis e abre espaço para a má gestão. Se você quer que os recursos venham e fiquem no mercado, você precisa de governança e deve permitir que o investidor participe, é a essência da democracia.

Valor: Este é o maior problema no mercado brasileiro? Damodaran: Sim. Como investidor, eu tenho algumas empresas brasileiras em meu portfólio. Algo que me incomoda é me sentir como um cidadão de segunda classe na empresa, que não tem os mesmos direitos dos outros. Eu era acionista da AmBev e senti na pele as consequências de não ter ações ordinárias. Eu tive apenas uma parte do ganho dos papéis porque tinha ações preferenciais quando a empresa fez o acordo com a InterBrew. Para mim, como investidor, isso não significa que eu vou deixar de comprar papéis brasileiros, mas vou comprar menos do que eu normalmente compraria.

Valor: Que outras empresas o senhor tem? Damodaran: Tenho Embraer, ainda tenho AmBev, e tive Vale do Rio Doce no ano passado por conta da expectativa de alta das commodities. Para mim, o importante são empresas bem administradas, de classe mundial. Não compro empresas por serem brasileiras, mas por serem boas, que podem competir de igual para igual no mundo. Embraer é um bom exemplo. Eu historicamente evito fundos de ações, prefiro escolher boas companhias eu mesmo porque os gestores de fundos fazem o que outros sugerem, olham para o que outros gestores estão fazendo. Eles estão constantemente reagindo e não sendo pró-ativos. Eles também pensam coletivamente, isso é um problema. Se for deixar para pensar e reagir depois que as coisas acontecem, é muito tarde.

Valor: Como o senhor avalia a governança corporativa no Brasil? Damodaran: Está melhorando porque empresas com boa governança estão sendo reconhecidas pelo mercado. Essa sempre foi minha receita. Usar leis para impor isso não adianta. A Sarbanes Oxley (lei americana que exige mais transparência das empresas) não vai criar governança corporativa. Você tem de ter acionistas que demandam governança. É impressionante quão rápido os administradores reagem quando reconhecem que estão perdendo valor por ter má governança. Eu penso que os administradores de empresas no Brasil estão bem mais preocupados com os preços das ações do que em 1998 por exemplo, quando algumas nem sabiam a quanto estavam sendo cotadas.

Valor: Qual o erro mais comum que os investidores cometem? Damodaran: Um dos maiores erros é olhar fundos de ações ou ações que tiveram os maiores ganhos no ano passado para aplicar. A história mostra que os vencedores do ano passado provavelmente serão os perdedores neste ano. O segundo erro comum é que eles reagem a notícias e opiniões sem pensar, muito rapidamente. O pior momento para agir é logo depois de receber a notícia, sem verificar seu impacto. E o terceiro problema é não ter paciência para esperar valorização. Se você não tem paciência, vai ficar sonhando à noite com a ação que comprou ontem. Não tente ser um Warren Buffett. Você vai vender logo e perder a estratégia de longo prazo, os ganhos. É preciso se conhecer o suficiente para saber se consegue suportar as flutuações do mercado, os riscos. Se você se conhece bem, sabe lidar com risco e procura conhecer os fundamentos do mercado, pode identificar os erros do mercado, saber quando há oportunidades, quando cai muito devagar, quando exagera na reação. Mas é mais fácil agir em manada e culpar os outros pelos erros.

Valor: Seu livro "Mitos de Investimentos" trata das histórias que os corretores normalmente contam para justificar a compra de uma ação. Qual é o mais comum? Damodaran: São histórias como "compre ações de crescimento" ou "compre ações de baixa relação Preço/Lucro". Eu procuro mostrar que isso nem sempre funciona e ensino ao leitor que perguntas ele deve fazer para o corretor para evitar prejuízos. Eu acho que o mito mais famoso é aquele que diz que é bom comprar ações que já caíram bastante e que, portanto, devem se recuperar. Acho essa a história mais perigosa, porque algumas ações se recuperam, mas a maioria não. É uma tentativa de agir como Warren Buffett, de buscar as barganhas. Mas Buffett não compra ações porque caíram 50%, mas porque têm fundamentos que justificam sua recuperação.