Título: Disputa do setor automotivo paralisa acordo no Mercosul
Autor: Raquel Landim e Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2006, Brasil, p. A3

Comércio exterior Ministros Furlan e Palocci se reúnem hoje para tentar destravar negociações

A disposição da Receita Federal em cobrar R$ 9 bilhões em impostos atrasados das montadoras e fabricantes de autopeças está paralisando as negociações do acordo automotivo entre Brasil e Argentina. Os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, reúnem-se hoje à tarde, em Brasília, para tentar solucionar o impasse. Se as negociações para a prorrogação do regime automotivo não terminarem esta semana, há o risco de os veículos e autopeças que circulam entre Brasil e Argentina voltarem a pagar tarifas de importação já em março. "Com os argentinos, nós já acertamos isso de forma que ficasse legalizada a situação passada das empresas brasileiras", disse Furlan. "Estamos discutindo a redação do acordo de maneira que o Ministério da Fazenda, que levantou esse problema em setembro do ano passado, até de forma surpreendente, também concorde", acrescentou o ministro, que participou ontem do lançamento do programa Exporta Cidade, em Diadema (SP). Uma lei aprovada pelo Congresso em 2001 estabeleceu um redutor de 40% no Imposto de Importação de peças fabricadas fora do Mercosul. Em 2002, o governo internalizou o acordo automotivo com a Argentina. A partir daí, os dois países adotaram o redutor, que, no entanto, pelo texto do acordo, deveria desaparecer gradualmente. Enquanto a Argentina cumpriu o cronograma de suspensão do redutor, no Brasil as peças continuaram entrando com alíquotas 40% mais baixas. Em outubro do ano passado, as autoridades brasileiras levantaram a questão diante da reclamação dos argentinos. A possibilidade de importar peças fabricadas fora do Mercosul a custos mais baixos estimularia ainda mais as montadoras a concentrar investimentos no Brasil. Em 1994, a produção de veículos no Brasil era 3,9 vezes maior que a da Argentina. No ano passado a diferença pulou para 7,7 vezes. A Receita Federal acredita que as montadoras e os fabricantes de autopeças se beneficiaram, indevidamente, desde 2002, de uma redução do Imposto de Importação de peças e, quer cobrar, de forma retroativa, montante que pode chegar a R$ 9 bilhões. O Brasil possui legislações conflitantes sobre a importação de autopeças de fora do Mercosul. É em torno dessas legislações conflitantes que, nos bastidores, os departamentos jurídicos das multinacionais que compõem o setor já prepararam um verdadeiro arsenal de defesa para o caso de serem autuadas pela Receita. Um dos argumentos é que o redutor esteve, até outubro, inserido no próprio sistema do Siscomex. Além disso, enquanto a Receita entende que um acordo internacional se sobrepõe a uma legislação interna, representantes da indústria automobilística, que preferem manter os nomes em sigilo, explicam que suas defesas argumentarão que o acordo entre os dois países deveria ter sido votado na Câmara e Senado. Essa pendência do setor com a Receita Federal no Brasil acabou emperrando o acordo automotivo do Mercosul. Isso porque eventual "perdão" dessa cobrança por parte do governo brasileiro precisa ser relatado de forma clara no texto do acordo, uma vez que a questão do redutor também foi acertada em negociação entre os dois países. Até ontem, a Receita Federal não parecia disposta a ceder. Segundo o ministro Furlan, o governo da Argentina concordou em assinar um acordo que regularize a situação fiscal das empresas brasileiras. No texto em negociação entre os dois países, os argentinos concordam que as empresas brasileiras tinham o direito de gozar o benefício da redução do imposto até o final do ano passado. Nos bastidores da indústria automobilística, há uma grande expectativa em torno da reunião de hoje. A maioria espera que Furlan e Palocci cheguem a um entendimento para não colocar em risco o intercâmbio comercial entre os dois países livre de tributação. Em conversas informais, os representantes do setor já se incumbiram de lembrar a Furlan que durante o tempo em que o Brasil usava o redutor, os argentinos também criaram estímulos para atrair investimentos das montadoras. Assim, um "perdão" para benefícios fiscais nos dois lados da fronteira significaria colocar as relações entre Brasil e Argentina no âmbito automotivo na estaca zero. Segundo informações de altos dirigentes das montadoras, os fabricantes de veículos até pretendem reivindicar novos tipos de incentivos para importação de peças fabricadas fora do Mercosul. Mas essa será uma nova etapa. Por ora, todos se contentam se a Receita Federal desistir de cobrar os R$ 9 bilhões. Brasil e Argentina estão negociando um acordo automotivo transitório, que vigorará até meados do ano. A partir daí, entraria em vigor uma Política Automotiva Comum (PAC), que seria um acordo definitivo.