Título: Câmbio trava à espera de regra a estrangeiro
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Finanças, p. C2

O mercado financeiro internacional respirou aliviado ontem depois que o Federal Reserve (Fed) conseguiu realizar, sem nenhum problema de demanda, megaleilão de treasuries de 10 anos, os títulos que são a referência mundial para os demais segmentos. Colocou o lote por juro de 4,54%, sem que se notasse indícios de aumento de aversão a risco. Como as instituições carregam carteiras de moedas, bônus e ações já no limite máximo do risco tolerável qualquer sinal de desaquecimento americano rápido que implique em contração de liquidez dispara ordens aflitas. O leilão do Fed mostrou que está tudo normal. E o risco-país, depois da disparada da véspera, voltou a cair. Fechou a 256 pontos-base, com recuo de 2,29%. Foi a senha para o dólar retornar à tendência primária de queda. Encerrou o dia a R$ 2,1860, em declínio de 0,09%. Os juros futuros retomaram o viés de baixa, após a pausa de terça-feira, e caíram em bloco. O swap de 360 dias caiu de 15,70% para 15,65%. A Bovespa foi o único pregão que não se recuperou. Fechou em queda de 0,17%, apesar das altas em Wall Street. O mercado de câmbio operou com baixa liquidez não só por causa da greve de 24 horas feita pelos funcionários do Banco Central. Os sistemas, segundo os operadores, ficaram morosos. A lentidão não impediu o BC de realizar as suas duas clássicas intervenções. Vendeu a totalidade da oferta de 4,55 mil contratos de swaps reversos, no valor de US$ 214 milhões. E comprou moeda à vista pelo preço de R$ 2,1875. Também contribuíram para travar o câmbio o projeto de lei complementar apresentado ontem no Senado que promove a liberalização cambial e as discussões em torno da isenção tributária ao investidor estrangeiro em títulos da dívida pública interna. O corretor Sidney Nehme, da NGO Corretora de Câmbio, não acredita que a abertura do mercado interno de dívida pública aos estrangeiros será feita de forma simplista, sem medir os efeitos devastadores que provocariam ingressos maciços de capitais. A regulamentação da matéria terá de propor soluções para os atuais problemas do governo e não atuar para agravá-los. Os problemas são: apreciação cambial, juro alto e dívida pública muito curta (prazo médio de 27 meses) e concentrada em papéis pós-fixados. A permissão para que os grandes investidores internacionais participem desse mercado, sem o ônus de impostos, ajudaria a equacionar as questões relativas a juro muito elevado e de perfil do endividamento. Mas provocaria ainda mais apreciação do real. É por isso que o governo, na opinião de Nehme, não deve perder essa oportunidade de retomar o controle das rédeas do mercado de câmbio. Isso poderia ser feito estendendo para o mercado doméstico as mesmas regras hoje válidas para o mercado externo de colocação de papéis brasileiros.

Contagem regressiva para passivo externo

Quando o Tesouro lança papéis lá fora, os dólares captados não transitam pelo câmbio interno, vão direto para as reservas internacionais. O mesmo poderia ser feito no caso da emissão de uma LTN de 10 anos, por exemplo. E o mercado secundário do papel ocorria também lá fora. Mas o hedge da operação poderia ser fechado na BM&F. Com isso, o governo neutralizaria as apostas especulativas que hoje consistem na venda de contratos futuros de dólar. A ponta do hedge - de compra de contratos futuros - atuaria para equilibrar a cotação à vista do dólar. Para Nehme, esse novo mercado de dívida teria ampla aceitação internacional devido a melhora dos fundamentos da economia brasileira e aos elevados juros internos, que, mesmo com curva cadente, ainda seriam os mais atrativos do mundo. Não resta muito tempo ao BC para baixar algum mecanismo que o ajude na tarefa de conter a queda do dólar. Pelos cálculos do analista independente Pedro Barbosa, no ritmo atual de intervenção - US$ 350 milhões por dia - , em 11,5 dias todo o passivo cambial do setor público, interno e externo, estará zerado. Hoje estão descobertos apenas US$ 4 bilhões.