Título: Sobe temperatura no arraial tucano
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2006, Política, p. A5

Causou apreensão e algum mal-estar no PSDB o anúncio de que Geraldo Alckmin deixará o governo no fim de março. Gato escaldado, tudo o que o partido deseja evitar, no momento em que considera real a possibilidade de retomar o Planalto, é a reedição do quadro de 2002, quando os tucanos entraram divididos na disputa e deixaram José Serra sentado à beira do caminho. Faz sentido, mas é provável que essa seja a dinâmica do jogo a partir de agora: a exemplo do prefeito, o governador está determinado a obter a indicação do PSDB à Presidência da República. Convém não subestimar a determinação de Alckmin. Desde que ganhou o favoritismo tucano, graças a seu desempenho nas pesquisas de intenção de voto para presidente, Serra passou a fazer um trabalho de manutenção, sem lances mais ousados. Antes candidato natural, Alckmin precisou se expor bem mais, articular nos bastidores e hoje pode-se dizer que sua pregação é ouvida no PSDB. Se até dezembro o prefeito era considerado a melhor aposta contra Lula, hoje os argumentos em favor de um e de outro se equivalem na cúpula partidária. Em audiências no Palácio dos Bandeirantes, Alckmin não se diz apenas determinado, mas também inteiramente convencido de que também é capaz de bater Lula - o principal trunfo de Serra - nas próximas eleições. A última pesquisa Datafolha botou lenha na fogueira do governador, no colégio eleitoral tucano. Muito embora José Serra vença o presidente no primeiro e no segundo turno, com diferenças de sete e 14 pontos, respectivamente, o governador de São Paulo, antes bem atrás, já aparece em situação de empate técnico na simulação de segundo turno, de acordo com a mesma pesquisa. Na cúpula tucana, aos poucos firma-se a convicção de que tanto um quanto o outro pode vencer Lula. Isso é ruim para Serra, apesar de ser disseminado também o argumento de que o prefeito de São Paulo, atualmente, esteja mais bem preparado para o cargo. Pela experiência, visão nacional mais abrangente e por entender mais da economia, o que lhe daria mais condição para dar o salto necessário para o crescimento econômico, sem a alteração do tripé meta de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante. Por outro lado, Serra também já foi testado em campanha e passou sem maiores arranhões. Pesa contra Alckmin o fato de ter ficado quieto no momento em que Lula era mais forte.

Não convém subestimar determinação de Alckmin

As dificuldades de Serra também não são pequenas. A excessiva disponibilidade do governador, que está dentro do cronograma que estabeleceu para sua candidatura, por exemplo, é uma delas. Para Alckmin, tanto faz dizer agora que sai no fim de março. Essa é sua data limite. Quer dizer apenas que será candidato às eleições, seja a presidente, senador ou deputado estadual. É quase um factóide, mas que tem o poder de causar embaraços na trincheira do adversário. O risco - não afastado - é Serra reagir e atirar no arraial do governador. Para Serra, a decisão de deixar a prefeitura não é fácil. Ele assumiu o compromisso público de ficar até o fim do mandato. Além disso, teria de explicar a entrega de quase três anos de governo para o vice Gilberto Kassab (PFL). Ao contrário de Alckmin, o prefeito não pode dizer que vai deixar o cargo, sem ter a certeza de que será o escolhido, algo que o PSDB só deve definir no fim de fevereiro, meados de março. Com dois candidatos determinados e partidários apaixonados, a disputa entre os tucanos pode desandar. Alckmin julgou necessário esclarecer que dissera apenas o óbvio, ao anunciar que sairá no fim de março. Um "óbvio" que é uma insinuação de que pode sair antes a fim de emparedar o PSDB. Causou mal-estar porque ele próprio e outros dirigentes, em tentativas anteriores para conter o avanço de Serra, por mais de uma vez disseram que "ninguém é candidato de si próprio". Entre os tucanos mais preocupados com o risco de um novo racha no PSDB está o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para FHC, é preciso evitar de qualquer modo que isso ocorra. Ele próprio se propõe a ajudar a encontrar um caminho de convergência, mas sente que o tempo joga contra, segundo tucanos que estiveram com ele recentemente. Numa dessas conversas, o ex-presidente chegou a especular que talvez venha a ser necessário que alguém faça um gesto de grandeza. Só não disse quem deve abrir mão em favor da candidatura de quem.