Título: Ações de impacto
Autor: Ediane Tiago
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2005, Valor Especial / MICRO E PEQUENA EMPRESA, p. F1

Empresários e entidades de classe articulam-se para aprovar, ainda neste ano, a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, que prevê desburocratização, incentivo às exportações e desoneração trabalhista

De carona na aprovação da MP 255, ou MP do Bem, que trouxe conquistas para os pequenos negócios, a Frente Empresarial pela Lei Geral da Micro e Pequena Empresa - formada pelo Sebrae e pelas confederações nacionais da Agricultura (CNA), do Comércio (CNC), das Instituições Financeiras (CNF), da Indústria (CNI), do Transporte (CNT) e das Associações Comerciais (CACB) - articula para aprovar, ainda neste ano, um projeto de lei mais amplo para o setor. Elaborada pelo Sebrae, com a colaboração de todo o segmento, a Lei Geral prevê pontos como a desburocratização, criação do Sistema Simples Nacional, incentivo às exportações e desoneração trabalhista. "Nossa expectativa é que a Câmara dos Deputados e o Senado votem a lei em regime de urgência. Dessa forma, ela passará a vigorar em 2006", diz Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que entregou, no dia 10, cópias de um abaixo-assinado - com mais de 100 mil assinaturas de pequenos empresários paulistas em apoio à lei - ao vice-presidente da República, José Alencar, ao presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, e ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Segundo os empresários, se aprovada, a lei beneficiará 99% das empresas em atividade no Brasil. Esse argumento é reforçado pelo último levantamento sobre atividade econômica realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2002. O estudo aponta que das 4,9 milhões de empresas formais que atuam em território nacional, 93,6% são microempresas e 5,6% empresas de pequeno porte. O setor também é responsável por cerca de 20% do PIB. "A participação no PIB dessas empresas poderia ser maior se a taxa de informalidade não fosse tão alta", explica Francisco Guglielme, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. A formalização de empresas é o principal argumento da Frente Empresarial para convencer o governo, uma vez que o projeto resultará em renúncia fiscal anual de R$ 16 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. Esse montante está dividido em R$ 6 bilhões de perdas em impostos federais e R$ 10 bilhões em contribuições à Previdência. Mas estudo feito pela FGV, a pedido do Sebrae, contesta essas cifras. Segundo a fundação, a redução em impostos federais será de R$ 5,6 bilhões, próxima do número do governo. Mas as contribuições à Previdência perderiam bem menos, R$ 2 bilhões, totalizando renúncia de R$ 7,6 bilhões. Para compensar o baque, a Receita Federal terá de calcular os ganhos com o combate à informalidade. Segundo o Sebrae, para cada empresa formal existem duas informais no Brasil. "Temos cerca de 10 milhões de negócios operando na informalidade", diz José Luiz Ricca, diretor-superintendente do Sebrae-SP. "Com as condições propostas no projeto, a expectativa é de legalizar 70% dessas empresas", completa Lucas Izoton, presidente das Indústrias do Estado do Espírito Santo e do Conselho da Micro e Pequena Empresa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O problema é que a perda de arrecadação bate de frente com os limites para enquadramento das empresas no Simples Nacional, propostos pelo projeto de lei. Atualmente, são consideradas microempresas as que faturam até R$ 120 mil por ano. Já as de pequeno porte são aquelas que não ultrapassam R$ 1,2 milhão de receita anual. A Lei Geral prevê a alteração do teto para R$ 480 mil, na faixa de microempresa, e de R$ 3,6 milhões, para as de pequeno porte. Esse aumento traz grande impacto para os cofres públicos, porque reduz a carga tributária das empresas que se enquadrarem neste valor. "Há nove anos os limites da tabela do Simples não são alterados", reclama Ricca. Os tetos propostos são considerados altos pelo governo, que aprovou valores de R$ 240 mil, para enquadramento de microempresa, e de R$ 2,4 milhões, para empresa de pequeno porte na MP 255. "Apesar deste valor constar da MP do Bem, nossa expectativa é conquistar faixas maiores para a Lei Geral", diz Ricca. Apesar do otimismo, o próprio relator do projeto na Comissão Especial da Microempresa da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), sugeriu recentemente, durante reunião com parlamentares, representantes das empresas e dos Estados, que o limite obedecesse ao valor aprovado na MP 255, pelo menos nos dois primeiros anos de vigência da lei. No encontro, o Sebrae e a FGV apresentaram aos parlamentares simulações sobre os ganhos com a atração de empresas para a formalidade. Segundo os cálculos da FGV, a inclusão de empresas na economia formal pode gerar R$ 7,7 bilhões de arrecadação tributária. A simulação leva em conta o teto máximo de R$ 2,4 milhões e prevê o aumento de 1% em cada uma das 12 faixas de tributação que consta na tabela proposta pelo projeto. Como está hoje, a tabela da Lei Geral prevê impostos entre 3% e 18%, dependendo da receita mensal da empresa. Quem se enquadrar nos valores a ser definidos para micro e pequenas empresas, a partir da aprovação da Lei Geral, obterá incentivos fiscais por meio do Simples Nacional. Com a criação deste sistema, os pequenos empresários passarão a pagar, na mesma guia, as contribuições federais - Imposto de Renda (IRPJ), PIS, Cofins, IPI, contribuição social (CSL) e o INSS sobre a folha de salários -, as contribuições estaduais (ICMS) e as municipais (ISS). O Simples Nacional também prevê a adoção de tabela progressiva com 12 faixas de receita bruta mensal, na qual, ao mudar de patamar, o empresário é tributado sobre o excedente faturado no mês. "Há um degrau para o crescimento", adverte Guglielme. De fato, no atual Simples as faixas são menores e a tributação é definida pelo acúmulo do faturamento anual, não por uma média mensal. Dessa forma, as alíquotas aumentam mês a mês e se mantêm até o final do exercício. Além disso, a empresa que ultrapassar o limite de R$ 1,2 milhão se vê obrigada a migrar para o sistema de lucro presumido, no qual a taxa de imposto é o dobro da utilizada pelo Simples. Além de tratar da tributação, o projeto de Lei Geral beneficia categorias que não estão no atual Simples. É o caso das empresas prestadoras de serviços, as quais poderão se enquadrar no Simples Nacional, reduzindo os tributos incidentes sobre elas. "A faixa de faturamento é que determinará se a empresa pode se enquadrar no Simples ou não. Hoje, além da faixa, há restrições por ramo de atividade, impedindo o acesso de todos", afirma Bruno Quick, gerente de políticas públicas do Sebrae Nacional. Para reduzir as dificuldades burocráticas, a proposta elaborada pelo Sebrae traz regras que reduzem o número de documentos solicitados e agilizam os procedimentos para abertura e baixa de empresas, os quais não devem consumir mais de 48 horas do pequeno empreendedor. Com as regras atuais, esses processos podem demorar até 152 dias. A redução desse prazo acontecerá, em grande parte, pela criação de um cadastro único para micro e pequenas empresas. Com isso, os estabelecimentos inscritos no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) ficarão dispensados de apresentar outros documentos e de solicitar as inscrições estaduais, municipais e da Previdência Social. No capítulo de exportações, as micro e pequenas empresas serão isentas de impostos, o que garantirá mais competitividade para as que se dedicarem ao mercado externo. Hoje, além de competir com grandes grupos, os pequenos negócios pagam todos os impostos relativos à exportação e não usufruem de nenhum tipo de incentivo conquistado por empresas de maior porte. Na área trabalhista, a Lei Geral tenta conseguir algumas vantagens como a redução, em 75% para as microempresas e em 50% para as pequenas, do depósito exigido para apresentação de recursos aos tribunais da justiça trabalhista. Com todas as ações propostas pela Lei Geral, a Frente Empresarial acredita que criará novos empregos. Para isso, aposta no potencial de geração de vagas desse segmento, bastante carente de mão-de-obra. Segundo o Sebrae, os pequenos negócios são responsáveis por 57% dos empregos no Brasil e promoveram 95% das novas contratações nos últimos dois anos. Além disso, apenas 42% da população economicamente ativa possui carteira assinada, restando para a informalidade 58% das posições de trabalho. "Se cada pequeno empresário gerar um emprego formal, teremos uma ótima estratégia para combater o desemprego", defende Paulo Skaf. Se depender da experiência de alguns Estados, o governo federal poderá se convencer de que o apoio aos pequenos negócios aumenta a arrecadação de impostos. Para o secretário da Fazenda da Bahia e coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), Albérico Mascarenhas, uma política focada em micro e pequenas empresas reduziu a informalidade na Bahia. Segundo ele, o Estado isenta de ICMS empresas que faturam até R$ 144 mil por ano e não exige escrituração contábil para os balanços com receita até R$ 360 mil. Outra medida foi adotar o teto de R$ 2,4 milhões para empresas de pequeno porte. "Iniciamos um programa de incentivo em 1999. Tivemos uma renúncia fiscal inicial de R$ 50 milhões, mas a formalização de empresas compensou essa perda e ainda aumentou a arrecadação", conta Mascarenhas. O mesmo aconteceu em São Paulo, onde o Simples Paulista beneficia os micro e pequenos empresários ao adotar uma tabela progressiva de cobrança para os impostos estaduais. As empresas que faturam até R$ 150 mil estão isentas do ICMS, e quem ultrapassar o limite pagará o imposto relativo à diferença. Além disso, o Estado criou uma tabela intermediária, para quem fatura entre R$ 150 mil e R$ 720 mil, e outra para os negócios com receita de R$ 720 mil até R$ 1,2 milhão. Hoje, estão inscritas no Simples Paulista 530 mil empresas, mas o governo encaminhou um projeto de lei, que aguarda votação na Assembléia Legislativa, para aumentar o teto de faturamento anual da microempresa para R$ 240 mil e da empresa de pequeno porte para R$ 2,4 milhões. "Pretendemos chegar ao patamar de 616 mil empresas no Simples Paulista", conta Adriano Queiroga, coordenador-adjunto de administração tributária da Secretaria da Fazenda. O Estado do Paraná também aposta na tributação progressiva. As empresas que faturam até R$ 18 mil por mês (R$ 216 mil por ano) são isentas de ICMS e as que geram receita de R$ 120 mil por mês (R$ 1,4 milhão anual) pagam 3%. Quem ultrapassar os limites, paga pelo excedente do mês, o que possibilita que o empresário vá e volte à faixa de isenção, respeitando a sazonalidade dos negócios. "As pequenas empresas são responsáveis por apenas 1,6% da arrecadação de ICMS no Paraná. Os incentivos adotados não alteraram o balanço", afirma Heron Arzua, secretário da Fazenda do Paraná. Para ele, o setor não precisa de uma política tributária rígida porque não contribui tanto na arrecadação total. "Se os empreendedores do setor não pagarem ICMS, utilizarão este crédito na compra de bens, como automóveis, nos quais pagarão taxas de imposto mais altas. O dinheiro sempre aparece. Mais do que arrecadar nesse setor, é importante criar meios para que esse tipo de empresa movimente a economia local", diz.