Título: Acesso a conta e crédito anima município goiano
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2004, Finanças, p. C-4

Luzia Maria de Jesus exibe um novo sorriso. Aos 67 anos, faxineira aposentada da prefeitura de Mairipotaba, Luzia abriu sua primeira conta corrente no ano passado. Este ano conseguiu um empréstimo de R$ 350 para comprar uma dentadura. "Não dava mais. Meus dentes estavam podres, eu não conseguia mais comer", conta essa senhora que nem se lembra mais a data em que chegou a Mairipotaba, vinda de sua cidade natal, Aparecida de Goiás, "há mais de 30 anos". Só faltam mais três prestações para quitar esse empréstimo e ela já está negociando outro, dessa vez para comprar um colchão ortopédico e se livrar das dores nas costas. A chegada do crédito a esta cidade de apenas 2,6 mil habitantes, isolada em meio ao cerrado goiano, é comemorada pelo prefeito reeleito Edvaldo Inácio Ferreira (PSDB). "A economia da cidade está crescendo porque as pessoas passaram a ter acesso a serviços financeiros e a empréstimos", diz o prefeito. Com uma atividade econômica centrada no setor rural, principalmente a pecuária de leite, Mairipotaba seguia o mesmo rumo de outras centenas de municípios brasileiros. Dados da Secretaria de Planejamento de Goiás mostram que este município, distante quase 100 km da capital Goiânia, estava encolhendo de 1% a 2% ao ano nos últimos dez anos, perdendo gente, sem perspectiva de emprego e renda. Por isso a instalação do Banco Postal, em junho de 2002, é comemorada pelo prefeito. Ferreira transferiu a folha de pagamento dos 235 funcionários da prefeitura e a arrecadação de taxas municipais como IPTU, ITBI e receitas eventuais para o Banco Postal. No total, foram abertas até agora 928 contas correntes no Postal de Mairipotaba, segundo os supervisores em Brasília e Goiânia, Odmar Guedes da Silva e Sergio Paixão. Até agora, o posto captou R$ 400 mil entre depósitos e poupança e emprestou R$ 166 mil, a maior parcela para pecuaristas. Uma das contas mais importantes é do fazendeiro Mario Botina. Dono de três fazendas e 300 cabeças de gado, Botina abriu uma conta no Postal e através dele acaba de levantar R$ 40 mil para aumentar seu plantel. A maior circulação de dinheiro no local estimulou a abertura de dez novas lojas, formais e informais, em apenas dois anos. Mairipotaba já foi servida por bancos. Até o final dos anos 80, o próprio Bradesco tinha uma agência ali. Havia também um posto de atendimento do Banco do Estado de Goiás (BEG). Nos anos 90, a reestruturação do sistema financeiro deixou Mairipotaba e milhares de outros pequenos municípios sem qualquer atendimento bancário. Foto: Ruy Baron/valor

Luzia Maria de Jesus, faxineira aposentada da prefeitura, tomou empréstimo para colocar uma dentadura

As pessoas nessa cidade ficaram com duas opções: ou se deslocavam 12 km até a agência do BEG em Cromínia ou 42 km até Pontalina onde estes e outros bancos mantêm agências (por ser uma cidade maior). Em 2001, quando BEG foi privatizado para o Itaú, as opções diminuíram ainda mais, já que a agência de Cromínia foi fechada. "Ficou muito difícil, as pessoas tinham que ir para outros municípios, os aposentados se cotizavam para pagar uma carona e sacar sua aposentadoria em Pontalina", relata Ferreira. Na cidade maior, onde sacavam o dinheiro, os moradores de Mairipotaba já deixavam ali mesmo suas economias, pagando contas e fazendo compras.

A volta de um banco, mesmo que só para operações básicas - pagamento de contas, saques, extratos, emissão de cheques e cartões e empréstimos -, animou investidores como Orestes Pereira Filho, um ex-comerciante que chegou de Pontalina há dois anos, para vender produtos veterinários de uma empresa chamada Neutrogado, com sede em Cromínia. Orestes conta que a economia fraca e a falta de uma estrutura financeira para desconto das centenas de títulos que a empresa recebia e pagava foram as razões que levaram a Neutrogado a fechar sua representação em Mairipotaba. Desempregado, Orestes trabalhou como açougueiro até o ano passado. Ao perceber que as pessoas da cidade começavam a gastar mais dinheiro, decidiu abrir um negócio que faltava na cidade e tinha demanda: a revenda de frios. Com R$ 500 que tinha guardado de sua demissão, alugou a loja, foi a Goiânia, deu entrada na compra de freezer, balança e mercadorias e mandou fazer um balcão refrigerador em Mairipotaba. Com as vendas de frango, frios, refrigerantes, iogurtes e mortadela e mais um empréstimo de R$ 580, tomado em fevereiro passado pela esposa, Stela, Orestes começou a revender botijão de gás e formalizou a empresa Baratão Gás e Frios. Antes de abrir conta no Banco Postal, Orestes tinha conta no Banco do Brasil em Pontalina. "Eu dava cheque pré-datado, quando vencia tinha que depositar. Como não tenho carro, dependia de favor das pessoas ou de pagar R$ 25 ao mototáxi para levar os cheques e faturas para Pontalina", relembra o comerciante. Agora ele centralizou no Banco Postal toda a movimentação pessoal e da empresa. O próximo passo, diz Orestes, é tomar um financiamento para comprar um carro. (JR)