Título: Novos padrões
Autor: Silvia Czapski
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2005, Valor Especial / ECOEFICIÊNCIA, p. F1

A adoção de uma política nacional de produção mais limpa pode estimular iniciativas de combate ao desperdício

Você acaba de se tornar CEO de uma indústria que fabrica dois produtos. Um deles representa metade da tonelagem que sai da planta industrial e gera 100% da receita da empresa. E o outro, que gera a outra metade do volume que sai da fábrica, não se vende. Depois de reconhecer o problema, só terá duas medidas a tomar. Comercializar ambos, ou simplesmente abandonar a produção da metade invendável. Hélio Lôbo, coordenador da Unidade de Produção Mais Limpa da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), lembra esta parábola do americano Gil Friend, de 1994, ao avaliar os avanços ambientais do setor produtivo. O produto invendável da narrativa são os resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, provenientes de processos produtivos, também chamados por Friend de "coisas que fabricamos mas não vendemos". Lôbo prefere a palavra desperdício. Se, para o meio ambiente, resíduos geram poluição e desequilíbrio ecológico, para o negócio, são despesa sem retorno financeiro. É fácil concluir que investir em melhorias ambientais favorece a competitividade e a performance financeira. Mas só uma parcela das empresas trabalha nesta perspectiva. A importância desses investimentos é debatida hoje em São Paulo, no seminário "Ecoeficiência - Cidadania e Crescimento" promovido pelo Valor, com apoio da Ambev. A boa notícia nessa questão, segundo Lôbo, é que o governo federal está mudando sua conduta para ajudar a virar este jogo. "Historicamente os órgãos ambientais optaram por impor padrões para emissões de efluentes e por punir quem não segue a lei. Mas a resposta empresarial, neste caso, limita-se a medidas como a instalação de filtro antipoluente na chaminé." Segundo Lôbo, a meta é criar uma agenda positiva para estimular as empresas a adotarem ações ambientais preventivas e programas voluntários para a conservação dos recursos naturais. Essa antiga postura reativa confirma-se na pesquisa "Gestão Ambiental na Indústria Brasileira", feita em 1998 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Foram ouvidas 1,4 mil empresas de vários setores e tamanhos. A maioria declarou adotar práticas ambientais só para atender a lei. Sinal de novos tempos, interpreta Lôbo, é a reação de entidades como CNI, Sebrae, Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti) que se engajaram num comitê liderado pelo MMA, também composto por representantes de seis ministérios e da sociedade civil. Deste comitê, pode sair a Política Nacional de Produção Mais Limpa. "É importante a iniciativa do governo de estimular intervenções preventivas. Pois, invariavelmente, quando a companhia investe nesta área, tem um retorno positivo em performance econômica e imagem pública. Por isso, hoje já há muitas empresas com desempenho ecológico superior ao que a lei pede", explica Haroldo Mattos Lemos, superintendente do Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/CB 38). Competitividade e proteção ambiental eram antagônicos nos anos 1970, quando Lemos presidiu a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), agência ambiental do Rio de Janeiro. De lá para cá, meios foram surgindo para promover o casamento entre ecologia e economia. Um deles é a Produção Mais Limpa (PmaisL), ferramenta lançada pelos programas da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) e o Desenvolvimento Industrial (Unido) na década de 1980, para ajudar empresas a identificarem formas de economizar recursos naturais (água, energia, materiais) em processos e produtos, evitando a poluição. Criar indicadores físicos e financeiros faz parte da estratégia, para ter como medir do começo ao fim do processo. "Se soubermos onde se gera o resíduo, e melhorarmos o processo para minimizá-lo, teremos mais produtos na outra ponta, com a mesma quantia de materiais. É lucrativo", reforça Carlos Adílio Maia do Nascimento, presidente do Instituto Brasileiro de Produção Sustentável e Direito Ambiental (IBPS), que foi o primeiro presidente do Centro Nacional de Tecnologias Mais Limpas (CNTL), instalado junto ao Senai no Rio Grande do Sul, com apoio da Unep e Unido. É do CNTL a coordenação técnica da Rede Brasileira de Produção Mais Limpa, criada em parceria com Cebds e Sebrae, que deve crescer dos atuais 18 núcleos no país, para 29. O relatório da rede evidencia que, só no quesito lixo, as 85 empresas atendidas no biênio 2003-2004 deixaram de gerar 34,5 mil toneladas/ano de resíduos comuns e 147 t/ano de perigosos. No cenário internacional, a Unido estima que melhorias em práticas operacionais ou pequenas mudanças em processos evitariam cerca de 50% da poluição gerada nas empresas. No Brasil, em 10% dos casos orientados pela Rede de PmaisL, ações domésticas sem custo ajudaram o meio ambiente e geraram economia. Muitas vezes, investimentos mínimos deram ótimo retorno. Vinculada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), a gráfica Epecê, de Porto Alegre (RS), usou a metodologia PmaisL para concluir que a mudança de formato de uma de suas revistas reduziria a geração de aparas. Os R$ 52 gastos num novo projeto visual pagaram-se em um dia e meio. A economia foi de R$ 16 mil só no primeiro ano, com redução de 11% no consumo de papel, e de 5 toneladas na geração de resíduos.