Título: Edemar acusa BC de ter quebrado Banco Santos
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2005, Finanças, p. C8

Investigação Governo teria exigido provisionamentos sem necessidade

O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira procurou repassar a outros a responsabilidade pela quebra do Banco Santos durante interrogatório na 6ª Vara Criminal Federal na semana passada, onde responde a um processo criminal por evasão de divisas e gestão fraudulenta. Ele acusou o Banco Central de ter maquiado balanços da instituição, exigido provisionamentos absurdos e forçado a quebra do Banco Santos até mesmo depois que 75% dos credores aceitaram, segundo ele, assumir o banco e capitalizar a instituição se necessário. As acusações remetem à atuação da diretoria do BC também no governo Fernando Henrique Cardoso, pela inabilidade de tratar de problemas como a falta de liquidez dos títulos públicos e a determinação de marcação a mercado. Informado das acusações do ex-controlador do Banco Santos, o BC, por meio de sua assessoria de imprensa, disse apenas que todo o processo foi feito dentro de todas as normas técnicas. Os problemas com o BC, segundo Edemar, começaram em 2002, último ano do governo FHC. Havia o medo de que Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse as eleições e viesse a dar um calote de dívida - por isso, o mercado não aceitava mais títulos do governo de longo prazo. O Banco Santos possuía uma carteira significativa de títulos com vencimento em 2006, ou seja, sem liquidez, na opinião dos seus ex-dirigentes. A carteira era superior a R$ 2 bilhões, segundo depoimento do ex-tesoureiro do banco, Clive Botelho, ou valor que chegaria até R$ 5 bilhões, segundo Edemar. As instituições que não eram dealers, como o Banco Santos, não podiam descontar os títulos diretamente com o BC. Naquele período de estresse no mercado, os dealers só descontavam os títulos com um deságio de 5%. Edemar contou que ele, o tesoureiro do banco e Mário Martinelli, então diretor-superintendente, pediram uma audiência no BC para reivindicar mudanças na regras. No dia seguinte, o BC passou a descontar os títulos. Um ex-diretor do BC daquela época explicou que naquele momento tamanho era o nervosismo que o governo mudou a regra não porque o Banco Santos poderia quebrar, mas porque outras instituições teriam o mesmo destino. Mesmo assim a liquidez do Santos ficou comprometida, segundo Clive Botelho. O caixa do banco que girava em torno de R$ 300 milhões baixou significativamente. Botelho foi contratado nesta época pelo Santos e conta que essa grande quantidade de títulos em carteira era resultado de uma estratégia erroneamente adotada pelo antigo tesoureiro. Mas Botelho disse em seu depoimento que tamanhas eram as irregularidades que o BC demorou a agir no caso, chegando a ser leniente. Isso tudo porque o BC já estava dentro do Banco Santos desde 2001, quando se detectou que o banco não possuía nenhum sistema que pudesse apurar as operações acima de determinado valor, conforme exigia uma resolução que buscava combater a lavagem de dinheiro. Foi nesta época que chegou ao banco Ricardo Lucena, contratado para montar a área de auditoria interna. Lucena disse em seu depoimento que assim que entrou no banco foi imediatamente designado para atender às demandas do Banco Central. E isso perdurou até julho de 2003, quando o BC passou a praticamente "morar" dentro do Santos. A área de auditoria interna, que seria criada por ele, nem era mais necessária, segundo Lucena, porque o próprio BC é quem estava fazendo esse papel. A tensão maior entre Banco Santos e BC, segundo o depoimento de Lucena, foi no ano de 2001. No relatório de abril de 2002, referente a 2001, o BC identificou uma operação que gerou um lucro de R$ 51 milhões ao Santos pela venda de uma empresa que pertencia ao próprio Edemar, a E-financial. A explicação de Edemar e de diversos outros diretores é que a E-financial, uma empresa de tecnologia, que ajudou o BC a criar o Sistema de Pagamentos Brasileiro, precisava conquistar clientes - outros bancos - e isso só era possível se fosse desvinculada do Banco Santos. Outra operação questionada pelo BC já em 2002, segundo Lucena, foi a venda de títulos de liquidação duvidosa para a Finsec e também operações que geravam lucro com operações de derivativos no exterior, mas os ganhos eram registrados no Brasil. A operação rendeu US$ 8 milhões lá fora e entrou como equivalência patrimonial no Banco Santos. Nesta época, o BC alertou os diretores de que não fosse feito mais isso. Como não houve uma carta oficial do BC, o Banco Santos teria feito uma nova operação deste tipo, descoberta pela auditoria do BC. Foi então que, em julho de 2002, o Santos entrou "em evidência", o que significa que fiscais do BC passaram a ter ainda uma maior atuação dentro do Santos. A fiscalização constante é que deu argumentos para que agora ex-dirigentes do Santos se defendam de algumas acusações. Uma delas é a respeito das operações com opções flexíveis, em que a denúncia feita pelo Ministério Público - com base nos relatórios do BC - acusa o banco de ter gerado resultado fictício. Os depoimentos de André Pizelli, da controladoria do banco, e Martinelli, o diretor superintendente, seguem a mesma linha em relação a esta acusação: a falha da marcação a mercado, ainda do governo FHC. As opções flexíveis, feitas no mercado futuro, eram marcadas e contabilizadas diariamente pela variação do CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro). Mas em 2002, o BC ordenou que também as opções flexíveis fossem marcadas a mercado, ou seja, no caso de opções pela variação dos ativos futuros na BM&F. Mas nesta época, ainda com o estresse da eleição de Lula, a volatilidade começou a gerar lucros e prejuízos excessivos alternadamente, segundo os diretores. No primeiro trimestre de 2003, foram prejuízos e depois altos lucros. Para poder fazer a marcação, os diretores procuraram a BM&F e passaram a usar uma fórmula da própria bolsa. O BC teria aceito o novo critério e teria aprovado todos os balanços do banco até junho de 2003. Em outubro do mesmo ano, entretanto, o BC teria mudado de opinião, segundo os ex-dirigentes do Banco Santos. A direção do BC passara a entender que teria que se voltar ao critério do CDI porque os lucros gerados pela marcação a mercado se tornaram fictícios. Edemar também usa o fato de o BC ter passado tanto tempo dentro de seu banco para se defender. Ele diz que a despeito das 30 pessoas que passaram a freqüentar o banco, em 2003, foi neste ano que registrou um dos seus maiores lucros. Foi também neste ano que o banco partiu para a estratégia de conquistar os clientes pessoas físicas e, isso teria incomodado os grandes bancos, principalmente depois da contratação de Ricardo Gribel, ex-presidente da Visa. Os fiscais que ficavam de forma quase permanente no Santos nesta época sequer tinham o que fazer, segundo Edemar. Ocupavam meio andar do banco e isso só serviu para dar sinais ao mercado que o banco estava sob uma intervenção. Já no início de 2004, Edemar diz que o BC começou a dizer que os balanços estavam errados a ponto de causar constrangimento para a auditoria externa, na época a Ernst & Young, que por pressão do BC deixou de auditar o banco. Também por pressão do BC, segundo Edemar, as agências de rating rebaixaram o banco. Além disso, Edemar acusa o BC de ter obrigado provisionamentos absurdos, como de créditos concedidos a empresas saudáveis como Eldorado, Light, Eletropaulo e Caoa. Com isso, o patrimônio líquido do banco teria ficado negativo em R$ 100 milhões e não houve tempo de provar que o interventor estava errado. Nesta época também começaram os saques do banco, o que o levou ao uso do compulsório. Em seguida, o banco pediu para usar o redesconto do BC no valor de R$ 750 milhões, mas a aprovação foi condicionada a um plano de recuperação e à venda da instituição em 48 horas, o que, para Edemar, era impossível. Além disso, Edemar afirma que aconteceu um fato estranho. O interventor teria deixado de apresentar o balanço para os administradores que estavam no banco até o último dia de intervenção, como diz a lei nº 6.024, e que dá um prazo de 30 dias ao interventor. Ele só o fez em julho deste ano, na época do pedido de auto de falência, segundo Edemar. E apresentou um rombo de R$ 2,8 bilhões. Não houve questionamento, pois, segundo Edemar, eles queriam que o BC aceitasse o plano de reestruturação.