Título: Pernambuco prepara censo de artesãos
Autor: Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 05/07/2005, Empresas, p. B6

Artesanato Feira no Recife deve receber mais de 140 mil pessoas, com negócios estimados em R$ 15,5 milhões

O barro do município de Tracunhaém, na Zona da Mata pernambucana, ganha forma e vida nas mãos de Manoel Borges da Silva. Os leões feitos em barro cozido, sua marca, são copiados em vários cantos do País. Seu Nuca, como é mais conhecido, é hoje um dos maiores mestres brasileiros na arte de moldar o barro, tradição iniciada com ele e que hoje está presente na terceira geração da família que faz do artesanato seu meio de vida. As peças de cerâmica chegam a garantir, em épocas de fortes encomendas, trabalho por até seis meses e um faturamento próximo de R$ 20 mil. Seu Nuca e família fazem parte dos cerca de 8,5 milhões de brasileiros, que segundo uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), respondem por uma movimentação anual de cerca de R$ 28 bilhões. Esse potencial vem despertando a atenção de entidades ligadas à promoção e ao desenvolvimento econômico que buscam agregar valor ao artesanato e promover o associativismo, tentando reduzir a informalidade e incentivar a comercialização profissional das peças. "O artesanato vem crescendo em todo o mundo. É nos países de terceiro mundo onde o artesão mais tem espaço. O caso da África é emblemático neste ponto. Mas a cadeia do artesanato precisa de apoio e ajuda da autoridade pública, senão está fadada a permanecer no anonimato ou a trabalhar por produção, o que não é artesanato", diz o governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, um dos maiores colecionadores de artesanato do País, com 1,6 mil peças em seu acervo particular. Somente em Pernambuco a estimativa é de que cerca de 50 mil pessoas trabalhem diretamente ligadas à produção artesanal. De acordo com o presidente da Agência de desenvolvimento de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti, embora a atividade possua uma grande relevância econômica - a estimativa é de que a receita gerada pelo artesanato corresponda a algo entre 0,5% e 1% do PIB estadual -, não existem dados que sirvam de base para a elaboração de uma política para o setor, o que acaba levando apenas ao desenvolvimento de ações pontuais. A Agência está iniciando um levantamento para definir quem são, como vivem e como trabalham os artesãos estaduais. O Censo do Artesanato Pernambucano deverá estar concluído em seis meses e está orçado em R$ 80 mil. A dificuldade em conseguir dados confiáveis não está restrita apenas aos Estados. Não é fácil saber qual o peso do artesanato na balança comercial do país. As exportações estão espalhadas por diversos setores - como têxtil, couro e calçados - , dependendo da matéria-prima utilizada na confecção do produto. "Existe um projeto para padronizar esta nomenclatura, mas até agora isso não aconteceu", diz Cavalcanti. O potencial de negócios com artesanato está bem representado na VI Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenneart), que começou na sexta-feira e vai até o próximo domingo no Recife. Montada no Centro de Convenções de Pernambuco, a feira consumiu investimentos da ordem de R$ 1,4 milhão e é considerada uma das maiores do País. A perspectiva dos organizadores é de que mais de 140 mil pessoas visitem o local durante os dez dias do evento, o que pode gerar uma receita próxima de R$ 15,5 milhões. Deste total, cerca de R$ 9 milhões deverão ter origem diretamente da comercialização das peças. A estimativa é de que somente as rodadas de negócios promovidas pelo Sebrae movimentem algo próximo de R$ 2 milhões, sendo que muitos contratos devem ser fechados com compradores estrangeiros. "Feiras assim garantem trabalho por até seis meses", diz Seu Nuca. Membro da terceira geração da família, o neto Tony Anderson Belarmino diz que a expectativa de receita é de R$ 3 mil ao longo do mês. "Mas o forte está nas encomendas. Recebemos pedidos do Rio de Janeiro, São Paulo e até do exterior", diz Tony. Os leões de barro de Seu Nuca já foram vendidos a países da América Latina, como o Peru, e da Europa, como Portugal. A coordenadora do Programa Sebrae de Artesanato, Durcelice Cândida Mascêne, diz que o potencial da atividade é relevante. "O artesanato pode e deve ser trabalhado de forma integrada, como chamariz para o turismo, por exemplo. Locais com grande potencial turístico podem aproveitar o artesanato produzido por uma determinada comunidade local. Com isso agrega-se valor ao destino turístico além de gerar renda e emprego para a população". Durcilene lembra que a integração e o aperfeiçoamento profissional do artesão já vêm sendo trabalhados pelo Sebrae desde 1997. Segundo ela, através do programa já foram capacitados cerca de 130 mil artesãos em 1,2 mil municípios brasileiros. Apesar dos esforços, ela reconhece que existem gargalos que atrapalham o fomento da atividade. Durcilene diz que o alto índice de informalidade, a falta de uma logística adequada e a baixa capacidade de produção são empecilhos ao crescimento dos negócios ligados ao artesanato. Ela diz que hoje vários organismos estão trabalhando para melhorar essa cadeia produtiva. Como exemplos ela cita a Fundação Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, além dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e do Desenvolvimento Agrário (na área do turismo rural). Um dos resultados pôde ser visto no Rio Fashion Week, quando foi lançado o projeto "Cara do Sertão", que agregou pedrarias de Minas Gerais e fibras de sisal da Bahia às coleções apresentadas durante os desfiles de moda. A arquiteta pernambucana Fabiana Wanderley também encontrou no artesanato elementos de decoração que hoje integram todos os seus projetos. "A tendência atual é realizar interferências nas peças do artesão, melhorando o design e agregando valor. Desta forma o artesão vende mais, por um preço melhor, e nós ganhamos na exclusividade da peça ou do ambiente", diz. Grandes centros acadêmicos também participam desse movimento. O Sebrae firmou há dois anos uma parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para melhorar o design das peças produzidas pelos artesãos que participam dos cursos oferecidos pela instituição. "Não dá para deixar o artesanato de fora da economia. Informal ou não, o setor tem uma expressão econômica significativa, além de servir como elo da cultura de um povo", diz a responsável pela cadeia do artesanato no Sebrae/PE, Fátima Gomes.