Título: As células-tronco e as patentes no Brasil
Autor: Por Alice Rayol e Igor Simões
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Legislação, p. E2

"Nossa legislação se apresenta forte do ponto de vista da propriedade industrial e da biossegurança

As células-tronco podem ser patenteadas? No Brasil, não. Para tranqüilidade de muitos, a resposta negativa a essa pergunta mantém acesa a esperança daqueles que dependem do desenvolvimento de novos tratamentos para muitas doenças, utilizando-se células-tronco que não sejam de propriedade de terceiros. Em uma era onde a tecnologia médica avança a passos largos, não seria surpresa se em um futuro não muito distante fosse possível reconstruir inteiramente órgãos danificados ou ainda reativar aqueles que por algum motivo não mais funcionassem, dispensando, desta forma, os transplantes. O mais interessante é que a solução de muitos destes problemas encontra-se dentro de nós mesmos e, por isso, não podem ser patenteadas. Hoje em dia, sabemos que em nosso organismo existem algumas células que são capazes de se tornarem uma gama de tipos celulares pertencentes a diferentes órgãos e tecidos. Umas seriam as células de nossa medula óssea, que são capazes de gerar todos os tipos de células de nosso sangue, desde hemácias até plaquetas. Contudo, processo ainda mais espantoso é o que faz com que uma única célula ovo - originada de um óvulo (denominado gameta feminino) fecundado por um espermatozóide (gameta masculino) - dê origem a um ser completo, que apresenta mais de 250 tipos de células diferentes extremamente especializadas para desempenhar funções fundamentais ao organismo. Estas células capazes de gerar diversos (ou todos) os tipos celulares são denominadas células-tronco. Em vista disso, é possível vislumbrar uma série de possíveis aplicações para as células-tronco na medicina moderna. Já existem estudos em andamento, ainda em escala experimental e restrita, utilizando células-tronco adultas na reposição de células cerebrais danificadas e células cardíacas destruídas por algum tipo de patologia, como enfarto ou doença de Chagas. Acredita-se que dentro de pouco tempo as terapias com células-tronco já estejam sendo amplamente utilizadas, salvando vidas e melhorando a qualidade de vida de diversos pacientes que sofrem de doenças degenerativas. A Lei de Biossegurança - a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 - tornou-se um marco na pesquisa médica brasileira, pois autoriza, para fins de pesquisa e de terapia, a utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro. Antes da edição da Lei de Biossegurança, só eram permitidas a pesquisa e a utilização de células-tronco maduras, que são aquelas provenientes do cordão umbilical e da medula óssea e que possuem menor capacidade de formar tecidos humanos do que aquelas embrionárias. No entanto, de acordo com a nova lei, a utilização de células-tronco embrionárias será permitida somente com o consentimento dos genitores e se restringindo a embriões inviáveis ou congelados há pelo menos três anos.

A proibição de patentear células-tronco ou qualquer outra célula de ser vivo está na Lei da Propriedade Industrial

A nível mundial, cerca de dois mil pedidos de patente foram depositados envolvendo células-tronco provenientes de embriões humanos, tendo sido concedidas, até o momento, aproximadamente 500 patentes. Normalmente, os pedidos de patente envolvendo esse tipo de tecnologia abrangem uma ou mais das seguintes categorias de invenções: seleção de células e métodos de cultivo, células tronco embrionárias per se, células tronco diferenciadas, tecidos e/ou órgãos obtidos das células-tronco embrionárias e uso de células-tronco, por exemplo, com finalidades terapêuticas e para a realização de diagnósticos, bem como métodos de tratamento utilizando tais células. No Brasil, com relação a células-tronco, somente é patenteável o processo de obtenção das mesmas, vedando-se, portanto, a proteção por patente das células-tronco obtidas e o método de tratamento utilizando tais células. A proibição do patenteamento das células-tronco per se, ou de qualquer outra célula de ser vivo, encontra-se fulcrada no artigo 18, inciso III da Lei da Propriedade Industrial - a Lei nº 9.279/96 -, que estabelece que não são patenteáveis o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos requisitos de patenteabilidade e que não sejam meras descobertas. Já a proibição do patenteamento do método de tratamento de doenças, utilizando tais células, está inserta no artigo 10, inciso VIII da Lei de Propriedade Industrial, que dispõe que métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal, não são patenteáveis. Assim, não há como negar que nossa legislação se apresenta forte tanto do ponto de vista da propriedade industrial quanto do ponto de vista da biossegurança e, tendo em vista os diversos avanços proporcionados pelas pesquisas com células-tronco, podemos vislumbrar quantas novas tecnologias serão geradas a fim de dar suporte ao estudo básico, assim como às terapias que estão surgindo. Existe uma grande expectativa acerca daquilo que, especialmente, os pesquisadores brasileiros poderão propor, como o tratamento de muitas doenças, após a liberação da pesquisa com células-tronco embrionárias, pois capacidade e competência não faltam a estes profissionais. Enfim, a esperança está em boas mãos.