Título: Um ano agrícola que merece ser esquecido
Autor: Evaristo Marzabal Neves
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Opinião, p. A8

Agropecuária passa por fase de "urucubaca", com pior desempenho desde 2000

Para a agropecuária, o ano agrícola 2004/05 deveria ser esquecido da memória estatística que mensura o desempenho do setor. "Puxa urucubaca!", diriam os produtores de grãos, cereais e fibras (principalmente soja, milho, algodão e arroz), onde a convergência de fatores negativos vem produzindo efeitos indesejáveis. Entre os destaques, têm-se: preços internacionais descendentes das principais commodities; elevação nos custos de produção, principalmente os relacionados aos insumos básicos; valorização do real, provocando queda na competitividade externa; altas taxas domésticas de juros; e o sucateamento logístico onerando o "Custo Brasil". Algumas evidências comprovam este ano-safra ruim. O PIB do setor agropecuário (que mede a soma das riquezas produzidas dentro da fazenda), segundo pesquisa do CNA/CEPEA-ESALQ/USP, registra redução de 3,6%, pior desempenho nesta década desde a queda recorde de 7,13% em 2000. Enquanto o PIB da pecuária experimentará um pequeno crescimento de 0,1%, o da agricultura sofrerá uma queda de 6,1%, refletindo em parte a seca (a produção estimada pela Conab em maio é de 113,7 milhões de toneladas, ante uma estimativa inicial ao redor de 130 milhões) e, também, devido à queda das cotações internacionais de commodities importantes para a economia agrícola brasileira - soja, algodão, milho e arroz. No comparativo maio 2005/2004, na média brasileira, o preço do arroz foi o que apresentou maior queda (42%), seguido pelo da soja (32%) , trigo (26%), milho (14%) e do algodão (16%). Produção menor devido à seca, preços internacionais e domésticos em queda batem diretamente no bolso do produtor, dínamo de acionamento do setor terciário da economia (comércio, serviços, transportes etc) de grande parte dos municípios brasileiros que tem o forte de seu PIB na economia agrícola. Segundo a pesquisa CNA/CEPEA/ESALQ/USP, o valor bruto da produção das 20 principais culturas agrícolas sofrerá uma redução de 22%, equivalente a menos R$ 27 bilhões no bolso dos produtores, creditando-se R$ 10 bilhões à seca. Sofrerão estas perdas no seu faturamento os produtores de soja (38% a menos, perdendo R$ 15,4 bilhões), os de mandioca (- 37,5%), os de arroz (- 35%), os de algodão (- 30%), os de milho (- 27%), os de trigo (- 24,5%) e feijão (- 11,5%). Sorte apenas para o setor pecuário, que elevará o seu faturamento em 0,4% (R$ 270 milhões a mais que em 2004). É apenas refresco, pois a queda global no setor agropecuário (agricultura mais pecuária) é estimada em 14% no faturamento, alcançando R$ 169,9 bilhões. Único conforto neste ano ruim é que o PIB global estimado do agronegócio avançaria 2,1% em 2005, 0,4% menor que em 2004 (cresceu 2,5%), puxado pela agroindústria (bom desempenho das exportações que, mesmo diante da queda atual nos preços médios em relação a 2004, vêm sendo beneficiados pelos contratos de câmbio das grandes empresas que são firmados a médio prazo; desta forma, a apreciação do real ainda não interrompeu o volume de exportações). A boa notícia para 2005 está associada também ao respiro que os 5 C's - café, cana-de-açúcar (açúcar e álcool), carnes, celulose e citros (suco de laranja) - estarão agregando, com respostas positivas, na balança comercial do agronegócio em 2005 (espera-se!). Porém, com o carro-chefe soja (que ocupou cerca de 22 milhões de hectares) despencando, tanto nos preços como na safra colhida, a fatia do agronegócio na balança comercial brasileira recuou neste quadrimestre para 36,4%, diante dos 41% do ano passado.

Valor bruto da produção das principais culturas agrícolas terá queda de 22%, ou R$ 27 bilhões de ganhos a menos

Qual o impacto no interior do país com este pior desempenho da agricultura? São inúmeros, principalmente atingindo a geração de empregos e formação de renda e capital. Como a agricultura por unidade de área (hectare) gera mais emprego e maior volume de produção que a pecuária, o encadeamento pessimista é estabelecido, seqüencialmente, com menor renda da produção não cobrindo as dívidas; por sua vez, o endividamento crescente no crédito de custeio inibe os investimentos, gera o desemprego "dentro da porteira" e diminui a demanda por insumos e materiais das indústrias "antes da porteira", que também desemprega. Pessoas desempregadas, sem renda, não movimentam o comércio - e, pronto, está estabelecido o caos. Querem evidências? Descapitalizadas e com receita em queda devido à seca e ameaçadas pelo risco de inadimplência dos associados, algumas cooperativas agrícolas do Rio Grande do Sul começaram processo de demissão já em abril. E o que não dizer da frustração de negócios no Agrishow/Ribeirão Preto (16 a 21/05), cuja movimentação estimada de negócios foi 40% menor que em 2004. E tome demissões no setor industrial de suprimentos agrícolas, principalmente nos de máquinas e insumos (fertilizantes e defensivos agrícolas). As vendas do setor de máquinas e implementos para a agricultura foram 21,1% menores no período de janeiro a abril de 2005, em relação ao mesmo período do ano anterior. É bom lembrar que a agricultura é um dos setores da economia que mais gera emprego. Por extensão, não se podem ignorar as demissões decorrentes no setor terciário (comércio, serviços etc) na maioria dos municípios atingidos pela queda de fôlego da agricultura e fortemente dependentes da formação de renda e de capital dos produtores agrícolas, que hoje estão mais preocupados com o refinanciamento e repactuação das dívidas creditícias com organizações oficiais e privadas. "Devo, não nego; pago, quando puder". Xô, urucubaca! Daí torcer para que não ocorra o mesmo na próxima safra, pois a crise "será braba" no interior do país, onde a queda no valor bruto da produção e a evolução do endividamento da agropecuária só trarão preocupações, com a onda de desemprego e empobrecimento dos municípios causados pela queda de faturamento da agricultura brasileira. É simples o cálculo: pesquise no IBGE quantos dos 5.560 municípios brasileiros têm o seu PIB fortemente dependente da economia agrícola.