Título: 80% dos acordos pagam acima da inflação
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2005, Brasil, p. A3

Salários Em levantamento preliminar do Dieese, 36 entre 45 categorias negociaram aumento real até junho

A desaceleração econômica não impactou as negociações salariais do primeiro semestre deste ano. Levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostra que de cada dez acordos fechados no primeiro semestre de 2005, oito resultaram em reajuste real, ou seja, acima da inflação acumulada em 12 meses. Nas categorias pesquisadas pelo Valor, os ganhos reais variaram de um tímido 0,4% para os metalúrgicos de Blumenau, a 3,4% na indústria de celulares e também para empregados em usinas de álcool. Os trabalhadores ainda colhem os frutos do bom desempenho da economia em 2004. Mesmo os setores que já foram impactados pela valorização do real tiveram campanhas positivas no início do ano, embora essa situação esteja mudando. Em fevereiro, os cerca de 21 mil sapateiros de Franca conseguiram não só repor a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que estava em 5,86%, como também conquistaram um aumento real de 2,14%. Apesar das exportações de calçados terem caído 2,19% em volume no primeiro quadrimestre, o aquecimento da economia mundial possibilitou reajuste nos preços. Em valores, as exportações cresceram 9,5%, o que deu força aos trabalhadores. O presidente do sindicato dos trabalhadores de calçados de Franca, Paulo Afonso Ribeiro, pondera que a negociação não foi fácil. "Fizemos uma greve de 15 dias para conseguir o reajuste". Ainda assim, os trabalhadores obtiveram elevação na participação nos lucros e resultados, conhecida como PLR. No acordo deste ano, as empresas concordaram em pagar uma PLR equivalente a 36,5% do salário de cada empregado. Em 2004, o percentual foi de 32,4%. Em Sapiranga, pólo calçadista do Rio Grande do Sul, os salários de 26 mil trabalhadores tiveram aumento de 7,48%, 1,62% acima da inflação acumulada nos 12 meses até fevereiro, data-base da categoria. Para Antonio Machado, presidente do sindicato que representa os empregados no vestuário na cidade, o reajuste "foi uma conquista", uma vez que a situação do setor calçadista já era desconfortável. Entre janeiro e meados de maio, foram fechadas 31 pequenas e médias fábricas de calçados no Estado - 14 ficavam em Sapiranga. Ricardo Franzoi, técnico da subseção do Dieese no Rio Grande do Sul, diz que o resultado da negociação na cidade foi uma boa surpresa. Ele ressalta, contudo, que a maior parte dos trabalhadores no setor de calçados, cerca de 55 mil, tem data-base em agosto e deverão enfrentar grande dificuldade na mesa de negociação, já que só neste ano foram demitidas 10,7 mil pessoas em 24 cidades produtoras de calçados no Estado. O desempenho das campanhas salariais neste ano foi melhor do que no mesmo período de 2004 e também superou o de todo o ano passado. O levantamento preliminar do Dieese com 45 negociações aponta que 80% dos reajustes ficaram acima da inflação acumulada nos últimos 12 meses anteriores à data-base, sendo que 89% repuseram pelos menos a inflação e apenas 11% não tiveram nem a variação de preços do período. O Valor apurou que de 26 acordos nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, 24 proporcionaram aumentos reais e dois deram apenas a inflação. No primeiro semestre de 2004, 75,7% dos acordos fecharam com reajustes iguais ou maiores do que a inflação, sendo que 45% deram aumento real, mas 24,3% ficaram aquém do INPC. No ano, 54,7% deram aumento real, 80,8% das negociações concederam pelo menos a inflação e 19,1% nem isso. Apesar dos acordos terem permitido a recuperação do poder de compra de muitos trabalhadores, o rendimento médio dos ocupados está estacionado. No acumulado do ano, a renda cresceu só 0,33%, segundo dados do IBGE. Clemente Ganz Lucio, diretor do Dieese, explica que os postos de trabalho criados são com remunerações muito baixas, o que derruba a média dos rendimentos. As perspectivas para o segundo semestre dividem sindicalistas. Alguns acreditam que crescimento tímido do PIB e o câmbio desvalorizado dificultem as próximas campanhas. Por conta disso, alguns acordos já foram mais difíceis: em Brusque, Santa Catarina, os 9 mil trabalhadores do setor têxtil conseguiram repor a inflação, mas ficaram sem aumento real em maio. "Meu medo é de que ao invés de brigar por salário maior, tenhamos que brigar por empregos", diz Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical. Mas João Felício, secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), está otimista. "Para o segundo semestre teremos bala na agulha, pois é a vez das categorias mais fortes". Os metalúrgicos do ABC e os bancários de todo o país, cerca de 400 mil, têm data-base em setembro. Os químicos de São Paulo negociam em novembro.