Título: Lula quebra tabu e responde dúvida da elite sobre a esquerda
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2004, Brasil, p. A-4

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva rompeu com um tabu. A cada quatro anos a elite empresarial se perguntava como seria um governo de esquerda. "Está aí a resposta. Esse tabu morreu", diz Emílio Odebrecht, presidente do conselho de administração da Odebrecht, a maior da América Latina nos setores de construção e petroquímica e cujo faturamento neste ano deve chegar a R$ 19 bilhões. Emílio Odebrecht, em entrevista ao Valor, observa que a economia está crescendo, o risco país estabilizou-se e que turbulências externas, como o preço alto do petróleo, são transitórias. Para ele, o governo precisa cuidar, basicamente, de duas frentes para seguir no rumo certo: melhorar a gestão da máquina administrativa e eliminar os fatores inibidores dos investimentos. O governo "tem um problema sério de eficiência na área de gestão", mas "eles estão trabalhando para superar tudo isso", diz o empresário, que tem um canal aberto para falar o que pensa ao presidente Lula. E essa abertura para criticar e fazer sugestões ao governo não é exclusividade sua, observa. "Aqueles que não estão fazendo é porque não querem ou estão pressupondo, estão achando o que não tem", diz Emílio Odebrecht, referindo-se a empresários que não procuram falar com o presidente Lula e, por isso, acabam formando uma opinião errada a respeito do governo. A quebra do tabu, segundo Emílio Odebrecht, permite, além da estabilidade econômica, que as eleições municipais deste ano transcorram em clima tranqüilo. "Não vamos mais, a meu ver, ter aquilo que tivemos na transição de 2002", diz, referindo-se ao período turbulento que marcou o fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e a vitória de Lula. Fernando Henrique, observa Odebrecht, "teve um papel importantíssimo para o país, decisivo na mudança de mentalidade desse país. A cabeça do brasileiro mudou". E a eleição do presidente Lula, ou a quebra do tabu, também é resultado dessa "nova cabeça" do cidadão brasileiro. O presidente Lula é uma das pessoas mais intuitivas que o empresário já conheceu e "com sua base de governo, está aí para fixar uma história, um capítulo importante." Ele avalia que a reação negativa a um governo petista partiu de quem não conhecia Lula. "Aqueles que procuraram conhecer o Lula da época viam que não era aquilo que todo mundo achava. O próprio PT evoluiu muito em relação ao que era 10, 15 anos atrás". O empresário ainda percebe "resquícios do pensamento estatizante" no PT. "Mas não é o que predomina, não é o eixo fundamental, não é o do presidente Lula." Na área dos investimentos, em especial na área de infra-estrutura, Emílio Odebrecht lembra que um fator inibidor para novos negócios é a incerteza em torno de marcos regulatórios. É o caso, por exemplo, do setor de saneamento, onde ainda se discute se o poder da concessão deve ser dos governos estaduais ou das prefeituras. A Odebrecht é sócia do grupo Suez na Águas de Limeira, empresa de tratamento de água e esgoto do interior paulista. Para ele, o modelo ideal para o setor de saneamento é que a titularidade da concessão seja do município, mas que este opere sob regras determinadas pelo governo federal. E estas regras devem ser iguais para todos os municípios. Emílio Odebrecht diz que as agências reguladoras merecem ser aperfeiçoadas. Não devem ser subordinadas a ministérios, e sim atuar com independência, "mas não significa que devam ser um fator de conflito com o governo". Sobre as negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) - cuja estréia marcada para janeiro de 2005, certamente, não será cumprida - , o empresário diz que o Brasil não pode ficar de fora. "O Brasil não pode estar fora desse processo. Seria um erro estratégico grande". Ele pondera, no entanto, que o Brasil não está 100% preparado para competir de igual para igual com os Estados Unidos. A infra-estrutura nacional e sul-americana, por exemplo, precisa ser melhorada. O acordo entre Mercosul e União Européia é considerado fundamental por Emílio Odebrecht, em especial a possibilidade que a negociação abre para ampliar exportações brasileiras da agroindústria. Odebrecht diz não temer a concorrência de empresas européias de engenharia e construção. "Nada impede que as empresas venham para cá e nós para lá". A Odebrecht tem feito negócios robustos em Portugal e foi bem sucedida em suas empreitadas na Inglaterra. Por outro lado, tentou disputar obras na Alemanha e na Espanha e não conseguiu devido ao caráter fechado do mercado europeu. Tanto é assim, que a Odebrecht, para operar em Portugal, teve que comprar uma empresa, a Bento Gonçalves. Para ele, falta às construtoras européias, e outras nascidas e acostumadas a operar em país rico, "a postura de saber trabalhar em países em desenvolvimento. Aí a nossa vantagem é muito maior".