Título: Aliados pedem a Lula que assuma articulação política
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2005, Política, p. A7

Para governistas, só a interferência direta do presidente poderá postergar a instalação da CPI

Os aliados cobram do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, a partir desta semana, comande pessoalmente a articulação política no Congresso com o intuito de minimizar os efeitos da crise gerada pela criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Lula chegou ontem pela manhã a Brasília, após viajar pela Ásia, e gravou o programa de rádio "Café com o Presidente". Hoje, o presidente analisa o atual cenário com os ministros, em reunião rotineira realizada às segundas-feiras. Ontem, Lula recebeu na Granja do Torto apenas o porta-voz da Presidência, André Singer, e o ministro da Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Os ministros com influência política no Congresso passaram o dia em Brasília fazendo contatos prévios com líderes partidários e parlamentares. Só com a interferência firme e direta de Lula, acreditam os parlamentares da base, o governo terá o mínimo de autoridade para solicitar um comportamento unificado dos partidos aliados com intuito de impedir ou postergar a instalação da CPI, que teria como objetivo apurar denúncia de suposto esquema de corrupção em licitações na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), envolvendo funcionários indicados por aliados. É avaliação unânime dos parlamentares da base - ora com vozes encobertas pelo anonimato, ora em discursos acalorados na tribuna - que a falta de coesão dos partidos aliados é fruto de uma desorganização e ineficácia do Executivo. "O Executivo precisa fazer mudanças em várias áreas. Primeiro o governo precisa de uma rearrumação, para só depois pensar em reconstruir a base aliada. O primeiro passo é fazer uma reforma ministerial que passe à sociedade a certeza de que esse governo está preocupado com a eficiência e a gestão", sentenciou um petista da cúpula partidária. Para passar essa imagem de competência, acrescenta a mesma fonte, o governo não pode dispensar os parceiros atuais, mas precisa substituir quadros que achar necessário em todos os escalões, mudar os interlocutores - se necessário for -, e retomar uma relação amistosa com os partidos aliados. "O problema central está no próprio Executivo. Precisamos de retomar a agenda", conclui o petista. Visivelmente incomodado com o governo que representa, o senador Cristovam Buarque (PT-DF), que já culpou abertamente o ministro da Casa Civil, José Dirceu, pela crise política, sugere agora que Lula peça hoje a todos os ministros que coloquem os cargos à disposição para, em seguida, refazer o governo. "Isso só seria possível se a reeleição saísse da pauta. Com o espectro da reeleição, nada disso será possível. O governo passa a impressão de ter terminado, de "pato manco", aproveitando que as metáforas com aves estão na moda", disse Cristovam. No auge da crise, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o governo agia como "peru bêbado". O deputado petista Carlos Merss (SC) retrucou, classificando o tucano de "pavão vaidoso", numa briga que deixou claro a polarização antecipada PT x PSDB para 2006. A primeira ação conjunta dos aliados no Congresso será a votação, possivelmente amanhã, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, do recurso apresentado pelo deputado João Leão (PL-BA) questionando a criação da CPI. O parlamentar argumenta que não a CPI não tem fato gerador, conforme exige o regimento interno do Congresso. A aprovação do recurso poderia inviabilizar o funcionamento da CPI. A oposição já avisou que tentará obstruir a votação na CCJ. Os líderes da base não consideram que o trabalho será fácil. "Quanto mais perto da eleição, mais a coisa se complica. Há interesses partidários que fazem com que a base fique cada vez mais inconsistente", admitiu o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO). A CPI, segundo ele, seria de fato política, e é a segunda grande derrota do governo depois da eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara. A crise e a instabilidade política, afirma Mabel, refletem a falta de competência do Executivo para lidar com os aliados. "Uma base é construída com diversos tipos de aliados, que têm interesses específicos. A arte de se manter a base coesa está em entender que ela é diferente, muda. O governo tem uma culpa muito maior pelo que acontece por não estar cuidando da base", opina o líder do PL. A primeira ação do governo para contornar os efeitos da CPI é mudar o tratamento da base. "O governo tem que retomar com toda prioridade do mundo a articulação da base. O presidente Lula tem que atuar pessoalmente e fazer o trabalho que não foi feito nesses dois anos", criticou o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES). Segundo ele, não há mais espaço para falhas na articulação política a um ano do processo eleitoral. Além da tentativa de retomada de diálogo com a base, o presidente Lula e seu governo enfrentarão um problema paralelo, não menos delicado: a turbulência no PT, provocada pela decisão de 14 deputados e do senador Eduardo Suplicy (SP) de assinar o requerimento de instalação da CPI. Nesta semana, o líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS), fará um discurso no plenário que deixará Suplicy em situação delicada. Ele contará que os dirigentes do PT deram autorização para que cinco senadores do partido assinassem o requerimento de criação da CPI cinco minutos antes do encerramento do prazo regimental, desde que essas assinaturas não alterassem o quadro político. Suplicy ignorou o acordo. "Foi o Waterloo do Suplicy", disse o líder. (Colaborou Taciana Collet)