Título: Mercosul pode melhorar oferta em serviços e indústria
Autor: Raquel Landim e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2004, Brasil, p. A-4

Caso a União Européia faça concessões na área agrícola, o Mercosul está disposto a melhorar alguns pontos da sua proposta nas áreas industrial e de serviços nas negociações para um acordo de livre comércio, diz Regis Arslanian, chefe do departamento de negociações internacionais do Itamaraty. Arslanian deixou claro, no entanto, que não devem ocorrer mudanças nas ofertas para compras governamentais e investimentos. "Nessas áreas, já oferecemos tudo que era possível", afirmou o embaixador. Só que para melhorar sua proposta, o Mercosul quer reciprocidade da UE. Na avaliação de Arslanian, é imprescindível que os europeus aumentem o volume das cotas agrícolas, desistam de parcelar o volume em 10 anos e deixem a administração das cotas para o exportador. Esse será a tônica do encontro entre os ministros das Relações Exteriores do Mercosul - liderados pelo brasileiro Celso Amorim, cujo país ocupa hoje a presidência do bloco - e o comissário de Comércio da UE, Pascal Lamy, na quarta-feira em Lisboa. Na Europa e no Brasil, a expectativa é de que haverá algum tipo de entendimento. A questão é qual forma tomará esse compromisso. No mínimo, a reunião ministerial produzirá um cronograma para relançar as negociações após o dia 31 desse mês, quando assume a nova Comissão Européia. Para a porta-voz de comércio da União Européia, Arancha Gonzalez, agora não é mais uma questão de concessões e sim de vontade política. "Cada lado sabe qual é a linha vermelha do outro, o que vamos ver é até onde vai a vontade politica", disse. Em palestra na Associação de Empresas Brasileiras para Integração a Mercados (Adebim), sexta-feira, Arslanian disse que há dois cenários possíveis após a reunião ministerial. No primeiro, a Europa sinaliza que é possível novas concessões na agricultura e fica definido o objetivo de fechar o acordo até o dia 31. No segundo, admite-se que não é possível cumprir prazo. E, nesse caso, os ministros definirão um cronograma para seguir negociando. Segundo Arslanian, o ministro Celso Amorim recebeu, há duas semanas, um telefonema do novo comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson. Foi um telefonema de cortesia. "Se for possível para a Europa oferecer uma oferta viável, o Mercosul fará o máximo possível para viabilizar o acordo", diz Arslanian. O embaixador afirma que já estão sendo discutidas dentro do Mercosul possibilidades de melhora na oferta. A tarefa não é fácil, dada a dificuldade de acertar posições dentro do bloco, que culminou em alguns retrocessos na última oferta do Mercosul. Uma dificuldade importante aconteceu no setor automotivo. A indústria brasileira queria cota de 38 mil carros apenas para o Brasil. A oferta do Mercosul foi cota de 25 mil carros com desgravação em 17 anos. "Se houver um sinal dos governos, a Anfavea não vai desistir nem por um minuto de melhorar essa oferta", diz Elizabeth Carvalhaes, principal negociadora da Anfavea, que reúne as montadoras instaladas no Brasil. Segundo ela, uma cota de 25 mil carros para dividir entre todos os países do Mercosul é "inoperante" e não cabe dentro da estratégia de comércio exterior das grandes montadoras instaladas no Brasil. De passagem por Genebra, o secretário de Comércio Internacional da Argentina, Alfredo Chiaradia, notou que as possibilidades de acordo até o final do mês são escassas, porque as posições estão muito distantes, mas que haverá tentativas "até o último minuto". Para fontes do Mercosul, a dificuldade de o bloco fazer a barganha de liberalização de cotas agrícolas de uma só vez é a exigência européia de receber, como contrapartida, o acesso acelerado para seus vinhos e queijos, que estão justamente entre os produtos agrícolas mais subsidiados da Europa. "É o mesmo que nos levar a ignorar tudo que estamos dizendo na Organização Mundial de Comércio (OMC) sobre subsídios à exportação", diz um negociador. Do lado europeu, considera-se que um dos maiores entraves na negociação envolve proteção a indicações geográficas. Alguns países alegam que a Argentina, que mais resiste a concessões nesse campo, somente há sete ou oito anos é que começou a explorar a marca "Rioja Argentina" em seu vinho para "se aproveitar do vinho espanhol". Quanto à Argentina, o país insiste que os europeus precisam retirar uma série de condicionalidades vinculadas a suas ofertas, para relançar a negociação. "A UE quer livre circulação de seus bens dentro do Mercosul. Ora, nós estamos tentando resolver isso ainda entre nós mesmos no bloco", disse Chiaradia.