Título: Crescem os investimentos para garantir reaproveitamento de materiais usados
Autor: Silvia Czapski
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F6

Equipamentos e carrinhos danificados de catadores, falta de capital de giro que dê fôlego para juntar mais materiais recicláveis e negociá-los em melhores condições. Estes entraves, a Associação dos Trabalhadores de Material Reciclável (Astramare), de João Pessoa (PB), pretende enfrentar com R$ 23 mil. Os recursos virão de uma inédita parceria entre a Fundação Avina (ONG internacional criada pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny) e indústrias da outra ponta da reciclagem, que transformam materiais coletados e pré-beneficiados em novos produtos de consumo. Fundada há oito anos por catadores do antigo lixão da capital paraibana, a Astramare gerencia dois galpões de triagem e três núcleos de coleta seletiva implantados pela prefeitura. Os R$ 23 mil pagarão a reforma do caminhão, da prensa, de esteiras de separação, de 30 carrinhos, cursos de capacitação para catadores e a formação do capital de giro, diz Celso Maciel Barbosa da Silva, vice-presidente da organização. Hoje, os 343 associados coletam 12 toneladas semanais de recicláveis, gerando de R$ 40 a R$ 60 por pessoa na semana. Com as melhorias, produtividade e renda devem aumentar. Mas a operação é ganha-ganha. A Companhia Industrial de Vidros (CIV), uma das parceiras, espera receber 40 toneladas mensais de caco de vidro para reciclar. E a Frompet (Central Pet Indústria & Comércio), outra participante, tem expectativa de obter o mesmo volume, em Pet. "Os catadores atenderão melhor indústrias que precisam de quantias maiores", prevê Paulo Roberto Rodrigues, do Departamento de Reciclagem da CIV, cujas fábricas estão em três estados nordestinos. Além dos ganhos sociais e ambientais, ele aposta que o projeto ajudará a reduzir um comércio paralelo de embalagens em vidro de marcas famosas para reuso em falsificações. A Avina também ganha, assegura Valdemar de Oliveira Neto, representante da fundação para o Pantanal Matogrossense, Nordeste e Sul do país, ao cumprir o papel de apoiar líderes da sociedade civil e empresariado que promovam o desenvolvimento sustentável. Para ele, a cadeia da reciclagem é imprescindível na área ambiental, mas é falha nos aspectos sociais. Ainda hoje, famílias nos lixões vivem situações análogas à escravidão, e uma profusão de intermediários minimiza ganhos de quem está na base. Cerca de 70% dos catadores, estima, alugam carrinhos de 'deposeiros', que têm preferência na compra dos materiais. Do orçamento anual de U$ 8 milhões, a Avina destina U$ 1 milhão para influir na reestruturação da cadeia da reciclagem, apoiando a organização dos catadores e avanços logísticos e tecnológicos da atividade de catação. "Percebemos que as cooperativas continuariam limitadas, se não houvesse interlocução com a indústria". Oliveira Neto afirma que o apoio à Astramare é o primeiro fruto da nova parceria com indústrias nordestinas. A Avina colocou R$ 120 mil num fundo de cofinanciamento e cada empresa entra com o equivalente para apoiar organizações de catadores, que devem obedecer dois pré-requisitos defendidos pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR): auto-gestão e orientação pelos princípios da economia solidária. A escolha é de um comitê de representantes da fundação, empresas parceiras, ongs ambientalistas e de catadores. E a verba é definida por um diagnóstico das necessidades. Além da CIV e Frompet, a Bahia Pet já aderiu e outras indústrias estão por ingressar. "Imaginamos apoiar de oito a dez cooperativas em 2005, mas a resposta das empresas superou as expectativas". Severino Francisco Lima Jr, da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (Ascamar), de Natal (RN), catador desde os 12 anos, interrompeu a carreira só para servir a Aeronáutica e trabalhar um ano no mercado de trabalho formal. Hoje, tem bolsa para estudar Administração de Empresas, é representante regional do MNCR e membro do comitê. Muitas organizações de catadores, segundo ele, foram criadas por instituições assistencialistas que dificultam o processo gerenciado pelos próprios catadores. O formato proposto pela Avina e empresas par-ceiras abrirá novas perspectivas aos catadores. (S.C.)